Exploração de carboníferas causou danos quase irreversíveis ao solo, castigado por metais pesados"Descendo a rua Boa Vista, é lá que você vai encontrar o Carretel". A orientação parecia vaga demais para quem procurava um antigo mineiro no distrito de Guatá, na cidade de Lauro Müller, mas foi precisa. Todos na cidade conhecem Clédio Jacob Fernandes, o seu Carretel, aposentado que perdeu um genro na recente explosão de uma mina da cidade.
Ele e a mulher, Valda Fernandes, moram em frente a uma mineradora e dependem dela para viver. A base da sobrevivência da família está no subsolo de uma área drasticamente alterada pelas mãos humanas. Filhos e parentes trabalham lá, e gerações inteiras da família também. Até mesmo o neto, Mateus, de seis anos, convive em harmonia com o cenário.
O nível de devastação provocado pela mineração não é somente visível aos olhos. O contato com metais pesados também atingiu centenas de trabalhadores, provocando doenças pulmonares e mortes. No mesmo lugar em que Carretel pode ser encontrado, em 1948, pelo menos 240 crianças morreram em virtude da má qualidade da água.
Ademar da Silva, também morador de Guatá, aposentado após um acidente de trabalho, é outro personagem da mineração. Ele trabalhou por 12 anos, durante seis horas por dia, em uma companhia de Lauro Müller. Em uma explosão de dinamite, ficou cego de um olho. Ao refletir sobre os impactos da atividade no meio ambiente, ele acha que não tem do que reclamar. "Melhorou muito com relação ao que era", acredita.
A região Sul chegou a ser considerada, em um decreto federal de 1980, uma das 14 mais poluídas do País, acendendo um alerta em cidades que dependiam economicamente das mineradoras e carboníferas. Em 2000, uma ação civil pública condenou a União e diversas empresas à reparação das áreas degradadas, em uma causa que chegava a R$ 33.481.798.476 e tinha 25 réus.
Apesar das recentes reparações e da maior consciência ambiental, há quem aposte que os danos na região Sul de Santa Catarina são praticamente irreversíveis. Cidades como Criciúma, Siderópolis, Treviso, Urussanga, Forquilhinha e Lauro Müller escondem dezenas de minas fechadas em seu subsolo, que continuam despejando rejeitos nos rios em épocas de chuva.
A cor amarelada, quase vermelha, é a principal característica dos chamados "lagos ácidos" da mineração. Onde antes existia vida, hoje nenhuma espécie é capaz de sobreviver. O cheiro de enxofre se espalha e comprova o nível de degradação causado pela pirita do carvão. Nas margens, o cenário mostra a existência de uma areia escura e de vegetação morta. Não há espaço para o verde. "Há uns 12 anos ainda era tudo verde aqui, e a paisagem era muito mais bonita. Mas não mudaria de emprego se pudesse escolher outro lugar para trabalhar", conforma-se Carretel.
A companheira também recorda da antiga paisagem e se diz uma defensora do meio ambiente. "Se eu pudesse, mantinha tudo verde para o meu neto ver crescer", diz. Para ela, um dos cenários mais comprometidos é o rio da Rocinha, que antes era "fundo e largo", e hoje é apenas um curso dágua, quase seco.
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A Notícia, 05/06/2008)