As políticas de biocombustíveis dos EUA e da União Européia (UE) e os subsídios agrícolas foram alvos de ataques ontem em encontro internacional sobre segurança alimentar, mudança climática e bioenergia. Embora o alvo seja Washington e Bruxelas, o ataque afeta também o Brasil, com ameaça ao projeto brasileiro de criação de um mercado global de biocombustíveis, que passa pelo impulso dos EUA e da UE. A reunião de Roma não deve decidir nada, mas joga bases para o aprofundamento da discussão sobre o etanol.
Nesse cenário, Jacques Diouf, o diretor-geral da Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), qualificou, diante de 50 chefes de Estado presentes, ser " incompreensível que subsídios valendo US$ 11 bilhões, US$ 12 bilhões em 2006 e tarifas protetoras tenham sido usados para desviar do consumo humano 100 milhões de toneladas de cereais para atender a sede de carburantes de carros " . Ele reclamou que " ninguém compreende " como os países ricos provocam distorção dos mercados mundiais com US$ 372 bilhões de ajuda a suas agriculturas em 2006 e, no entanto, não se encontrem US$ 30 bilhões para permitir a 862 milhões de famintos poder se alimentar.
Diouf insistiu que tampouco se compreende que na luta contra o aquecimento climático se possa criar um mercado de carbono de US$ 64 bilhões nos países ricos, mas que a comunidade internacional seja incapaz de financiar o combate ao desmatamento das florestas de 13 milhões de hectares por ano. O diretor-geral da FAO alertou para as conseqüências sociais e políticas " trágicas " nos diferentes continentes, com protestos e mortes nas ruas " que podem colocar em perigo a paz e a segurança no mundo " .
A explosão dos preços de produtos agrícolas e do petróleo provocam enormes debates sobre a pertinência de investimentos no biocarburantes, mas poucos são os que se arriscam a tratar o etanol como um vilão. A mais vigorosa defesa do etanol partiu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele qualificou de " uma burla " a " cortina de fumaça lançada por lobbies poderosos " que atribuem a produção do etanol pela inflação do preço dos aumentos.
Ele apontou que a inflação do preço dos alimentos resulta da alta do petróleo, que afeta os custos de fertilizantes e fretes; das mudanças cambiais e da especulação nos mercados financeiros; das quedas nos estoques mundiais; do aumento do consumo de alimentos em países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil; e, sobretudo, a manutenção de " absurdas políticas protecionistas na agricultura dos países ricos " . Cristina Kirchner, a presidente da Argentina, apontou também o peso da especulação das commodities e do petróleo, mas não mencionou o termo " etanol " .
Por sua vez, o secretário de agricultura dos EUA, Ed Schaffer, retrucou que subsídios agrícolas devem ser tratados na Rodada Doha. Ele prevê alta de 40% este ano no preço dos alimentos globalmente, dos quais só 2 s 3% seria resultado da expansão de biocombustíveis. Insistiu que Washington está " comprometido " em produção e uso sustentável de biocombustíveis. E anunciou que o país vai gastar US$ 5 bilhões entre 2008/2009 no combate a fome global. Danilo Turk, presidente da Eslovênia, na presidência rotativa da UE, insistiu que a produção européia de biocombustíveis teve " até agora " pouco impacto nos preços globais de alimentos, porque essa produção usa menos de 1% dos cereais do velho continente.
O primeiro-ministro do Japão, Yasuo Fukuda, sugeriu em todo caso acelerar pesquisa de etanol da segunda geração para não afetar produção de alimentos. Na mesma linha, Nicolas Sarkozy, presidente da França, que assumirá em julho a presidência da UE, argumentou que biocarburante de segunda geração permitirá produção cinco vezes maior na mesma área de hoje, reservando o máximo de hectares para a produção agrícola.
Documento distribuído pela mostra que o etanol da cana do Brasil pode reduzir 80% a 90% das emissões de gases de efeito-estufa se comparado ao uso de petróleo, graças sobretudo a sua produtividade. O de milho pode reduzir em 10% a 30%. Já o biocombustível de segunda geração poderiam reduzir em até 90. Enquanto os líderes políticos se manifestavam em Roma, líderes industriais de EUA, Europa e Canadá defenderam em carta à FAO que se evitem a condenação ou ações que possam colocar em risco o desenvolvimento do etanol.
(Por Assis Moreira, Valor Econômico, 04/06/2008)