O número 2 da FAO, o catalão José María Sumpsi, acredita que o mundo será um pouco menos desigual daqui a alguns anos. O colapso da agricultura trouxe novamente a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) ao primeiro plano, e Sumpsi viu na última terça-feira sinais de uma mudança histórica. "A França e a Espanha despertaram, a ONU também, Ban Ki-moon vai liderar este projeto e em alguns anos se notará a mudança."
El País - Continua havendo 820 milhões de famintos no mundo, como há 15 anos. Vocês fracassaram.
José María Sumpsi - Foi o que disse Nicolas Sarkozy, nos equivocamos. Pensávamos que a agricultura fosse um assunto resolvido, há 15 anos havia excedentes e hoje vemos que não. A demanda cresceu e o sistema não agüentou.
EP - Um caso clássico de oferta e procura?
Sumpsi - Sim, não se esperava que os países emergentes, China, Índia, Indonésia, Brasil, crescessem tanto. Mas cresceram 10%-12% anuais acumulados, e isso produziu uma explosão da demanda. Não estávamos prontos. Esse novo mundo começou a comer e de repente não há comida para todos.
EP - Então os fatores que explicam o aumento dos preços são uma fábula?
Sumpsi - Em uma situação de oferta e procura muito justa, que vem de longe, qualquer circunstância -um ciclone, um desastre, o preço do petróleo- produz um cataclismo.
EP - O que fazer?
Sumpsi - Primeiro, salvar a vida das pessoas, distribuir comida. Segundo, criar regras internacionais de comércio agrícola que evitem que cada país faça o que quiser.
EP - Mas acabar com o protecionismo não será fácil.
Sumpsi - Essa é a chave. Se o primeiro mundo começar a eliminar os subsídios agrícolas será o princípio de um mundo diferente. França e Espanha defenderam a regulamentação, e essa idéia deve se impor. Alguns países dão sinais de levantar as barreiras à exportação. Se a China, Japão, Vietnã exportassem suas reservas de arroz, grande parte do problema se resolveria. De Roma não sairá um grande acordo, mas assentará as bases para o futuro imediato.
EP - Mas a estrutura da ajuda internacional também deve mudar.
Sumpsi - E vai mudar. Ki-moon está liderando o Plano de Ação e em abril acionou as agências em Berna. Não vai permitir solapamentos nem descoordenação. A ONU vai trabalhar de forma coordenada com o Banco Mundial, o FMI e a OMC.
EP - E as ONGs?
Sumpsi - Será feito um plano de ação global e nos 45 ou 50 países prioritários serão formadas equipes entre governos, setor privado e ONGs para levar ajuda em campo.
EP - Então estamos diante de uma revolução da cooperação.
Sumpsi - Veremos em alguns meses. Estamos aplicando o remédio. Em pouco tempo haverá menos famintos.
EP - Lula tem razão em sua batalha do etanol?
Sumpsi - Em boa parte. E sua descoberta do etanol bom e do etanol mau, como o colesterol, é genial. O bom é o dele, claro. Mas é verdade: é inovador e parece que realmente ecológico. Que haja uma campanha dos petroleiros contra ele já é discutível, apesar de o Banco Mundial e o FMI terem insistido na responsabilidade dos biocombustíveis pela inflação.
(Por Miguel Mora e Miguel González, El País, tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, UOL, 04/06/2008)