Dois dias depois da divulgação dos números do desmatamento na Amazônia referentes ao mês de abril pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Centro de Vida (ICV) e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) lançaram suas aferições para o estado de Mato Grosso, monitorado mensalmente pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) desde 2006. O estudo só veio reforçar que, independentemente da metodologia de análise, todos concluem que as derrubadas continuam em ritmo acelerado no estado campeão da soja, da carne e da devastação.
De acordo com os números do SAD, em abril Mato Grosso registrou 99 quilômetros quadrados de desmatamento, 52% a mais do que no mesmo mês do ano passado. Isso pode parecer pouco para quem no inicio desta semana recebeu a notícia de que o Inpe havia visualizado 794 quilômetros quadrados de desmates para o mesmo período. Mas não é. Acontece que, entre outras diferenças, o sistema DETER está considerando degradação progressiva e corte raso. “A função do DETER é emitir um alerta de que está acontecendo algum distúrbio na floresta, já no SAD só trabalhamos com corte raso”, explica Carlos Souza, pesquisador do Imazon. Ele acrescenta que esta não é a única distinção entre essas duas formas de perceber o desmatamento. “Nós trabalhamos com uma seqüência de imagens do satélite MODIS adquiridas num determinado período e o DETER já usa o que considera a melhor imagem para um certo ponto”, exemplifica.
Ainda segundo as análises do SAD para Mato Grosso, de março a abril deste ano o desmatamento aumentou 62%. Já o acumulado dos quatro primeiros meses de 2008 mostra alta ainda maior: de 117% se comparada ao desempenho no mesmo período de 2007. De janeiro a abril do ano passado, Mato Grosso varou com 114 quilômetros quadrados de florestas. Agora foram 248 km2.
Enganado
Apesar dos números crescentes, o boletim do ICV e do Imazon revela que houve uma redução no desmatamento em Mato Grosso da ordem de 14% se o período de agosto de 2007 a abril de 2008 for comparado ao anterior (agosto de 2006 a abril de 2007). Obviamente, o governo de Blairo Maggi se agarra a este dado para prometer, mais uma vez, que no acumulado dos últimos 12 meses, o saldo final das derrubadas terá diminuído.
Ledo engano. Laurent Micol, pesquisador do ICV, lembra que esse percentual negativo só existe porque nos meses de agosto, setembro e outubro do ano passado Mato Grosso ainda vivia um período de queda no desmatamento. “Não dá para continuar a dizer que estamos em tendência de redução porque isso mudou em outubro, há mais de seis meses”, esclarece o pesquisador, que ainda ressalta o fato de a redução, ocorrida até setembro em Mato Grosso, não ter se repetido nos outros estados da Amazônia. Isso reforça a certeza da retomada acentuada do desmatamento quando os números finais do governo forem consolidados, em julho. “Está acontecendo uma retomada real e esperada do desmatamento. Nossa preocupação é maior agora, pois estamos prestes a entrar na época da seca”, alerta Micol.
Nem mesmo uma ligeira queda no percentual de desmatamentos ilegais em Mato Grosso mereceu um pingo de comemoração. Segundo os dados do SAD, o corte clandestino representou 77% do total do mês de abril (antes estava na casa dos 80%) – um índice bastante elevado e que continua demonstrando que o estado ainda tem sido incapaz de exercer seu controle ambiental.
As lacunas do Estado na regularização ambiental ficam mais claras observando-se que dos 14 quilômetros quadrados desmatados dentro de assentamentos, 12,53 quilômetros quadrados (o equivalente a 1200 hectares) ocorreram no Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, na porção central de Mato Grosso. “Foi uma situação peculiar, o lugar tinha muitos sinais de queimadas”, conta Laurent Micol, do ICV. O imenso desmatamento chamou a atenção dos pesquisadores, estranhando que derrubadas tão grandes pudessem ter sido obra de pequenos assentados em tão pouco tempo. O presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Tapurah explica que não é mesmo bem assim.
“Tem muita gente aqui que não é assentado do Incra. Gente que adquire um lote, vende para terceiros acreditando que como é área do governo não vai ter multa”, diz José Ferreira. Segundo ele, menos da metade dos 1243 lotes (cada um com 100 hectares) já têm título, só que sem nenhum georreferenciamento. “O normal é ter muita derrubadinha, de 10, 15, 20 hectares. Ano passado teve muita queimada clandestina e ultimamente vimos umas oito viaturas da Polícia Federal circulando por lá por causa de extração ilegal de madeira”, lembra o presidente do sindicato. Os projetos de assentamento foram responsáveis por 14% do desmatamento ilegal no estado. Os outros 86% aconteceram em propriedades privadas. Não foi identificado corte raso dentro de áreas protegidas.
Feliz Natal liderou com folga o ranking dos municípios que mais desmataram em Mato Grosso, com derrubadas de 27 quilômetros quadrados em abril. Itanhangá (13) e Tabaporã (9), seguem no páreo junto com Nova Canaã do Norte, São Felix do Araguaia, Gaúcha do Norte, Nova Ubiratã, Aripuanã, Confresa e Terra Nova do Norte.
Sem sombra de dúvida
Como na avaliação do DETER, as nuvens também atrapalharam as análises do SAD e cobriram cerca de 11% de Mato Grosso. Por esse motivo, os pesquisadores lembram que suas conclusões podem estar ligeiramente subestimadas. A propósito, para que diminuam ainda mais as dúvidas sobre a eficácia do SAD, eles começaram a conferir, com imagens de maior resolução, alguns polígonos de desmatamento que mais chamaram atenção, como foi o caso do assentamento Tapurah/Itanhgangá. “Esta é uma característica nova do SAD. Se tivermos imagens disponíveis dos satélites Landsat e Cibers, que agora são gratuitos, a gente baixa e faz a verificação”, explica Carlos Souza, do Imazon. “É uma validação praticamente perfeita”, comemora.
Para os dados de abril, ela pôde ser feita em 95% das áreas vistas pelo SAD em Mato Grosso, ou 78 dos 82 polígonos de desmatamento identificados no estado. E, mais do que nunca, isso se torna um instrumento forte para combater os questionamentos do governador Blairo Maggi sobre a veracidade dos números do desmatamento. “Essa polêmica toda dos números nos ajuda a reforçar as metodologias e aí conseguimos mais credibilidade. Estamos bastante confiantes. Sempre fizemos essa validação, mas ela era mais limitada. Agora, os dados ficam sem sombra de dúvidas”, diz Carlos Souza.
Leia boletim completo do SAD Mato Grosso
(Por Andreia Fanzeres, OEco, 04/06/2008)