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amazônia internacionalização amazônia operação arco de fogo
2008-06-04
PF e Abin investigam Johan Eliasch e várias ONGs por fraudes em terras públicas ricas em ouro e diamantes, biopirataria e lavagem de dinheiro

A notícia de que o sueco Johan Eliasch, criador da ONG Cool Earth, afirmara em uma reunião em Londres que apenas US$ 50 bilhões bastariam para comprar toda a Amazônia colocou o governo brasileiro em alerta.  Isso porque a declaração de Eliasch não foi um mero arroubo imperialista.  Além de anunciar publicamente que já comprou 160 mil hectares de terras nos municípios de Itacoatiara e Manicoré, no Amazonas, Eliasch vem estimulando outros empresários a fazer o mesmo.  O objetivo seria a “preservação da floresta” com iniciativas como a campanha de compra de créditos de carbono da Cool Earth, em que cada doador deve contribuir com 35 libras esterlinas para cada 0,5 acre (0,20 hectares).  Mas uma investigação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) aponta indícios de fraude nos negócios de Eliasch.  As terras que ele afirma ter comprado não estão formalmente registradas nem em seu nome nem em nome da Cool Earth.  Elas são terras públicas.  Parte delas pertence ao Parque Estadual do Cristalino e parte à Força Aérea Brasileira (FAB).  E, curiosamente, algumas áreas que Eliasch anuncia como suas estão em regiões ricas em ouro e diamante.  E, segundo a Abin, Eliasch não seria o único a praticar tais irregularidades.  A Agência repassou à Polícia Federal uma série de relatórios sobre atividades de várias ONGs que atuam na Amazônia e estariam agindo de forma suspeita.  Num documento mais volumoso, a Abin descreve a ação de 25 organizações estrangeiras.  Em outros seis relatórios, detalha a ação daquelas com maiores indícios de suspeitas de irregularidade.

A Divisão de Inteligência Policial (DIP) da PF já começou a se debruçar sobre esses papéis.  O trabalho conjunto da PF e da Abin poderá resultar na maior varredura da história sobre as atividades de organizações internacionais na Amazônia.  Sob a fachada de entidades ambientais, muitas são suspeitas de biopirataria, grilagem de terras e levantamento de recursos minerais.  O secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, diz que o governo está preparando medidas para enquadrar essas ONGs.  Tuma também desconfia dos negócios do sueco Eliasch na Amazônia.  “Qual é o propósito de alguém que compra terra e não põe em seu nome?  Precisamos ver se ele não é um estelionatário”, afirma o secretário.

DE OLHO Eliasch diz que comprou 160 mil hectares de florestas na Amazônia

O caso de Eliasch e da Cool Earth assusta pelas conexões e pela afinidade de suas ações com o discurso de internacionalização da Amazônia que volta a crescer no mundo.  Eliasch é nada menos que o conselheiro para desflorestamento e energias limpas do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown.  Ele também é dono do grupo Head NV, um dos grandes fabricantes de materiais esportivos, e é casado com uma brasileira, a socialite Ana Paula Junqueira.  Ela, aliás, é a representante da Cool Earth no Brasil e também está sendo investigada pela Abin e pela PF.  Um exemplo do respaldo que o sueco tem no Reino Unido foi um editorial elogioso publicado no Daily Telegraph dias depois que o jornal O Globo publicou, no início da semana passada, trechos do relatório da Abin que detalhava as atividades suspeitas da Cool Earth na Amazônia.  Segundo o Telegraph, a iniciativa de Eliasch de comprar terras na Amazônia e estimular outros empresários a fazer o mesmo é “louvável”.  Num raciocínio que parece voltar à lógica que no passado justificava o colonialismo britânico sobre a Índia e a África, o jornal sugere que apenas países com “condições de vida mais elevada” poderiam ter maior dedicação às questões ambientais.  “Não é possível, diante da realidade do Brasil, obrigar fazendeiros que buscam prosperar com suas produções e a proteger a floresta.  Para os brasileiros, terras improdutivas significam menos prosperidade”, escreve o diário britânico.  A ONG Cool Earth tem ainda o apoio do ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Miliband, como aponta o próprio relatório da Abin.  No governo Tony Blair, Miliband era o ministro do Meio Ambiente.

No ano passado, o governo do Amazonas Kyoquestionou Eliasch sobre as terras que teria no Estado.  A resposta veio por meio do advogado Aldo de Cresci Neto, que informou ao governo tratar-se de terras que estão em nome da empresa Gethal Amazonas S.A., Indústria de Madeira Compensada.  Cresci Neto, que tem escritório na avenida Paulista, em São Paulo, diz que vai se pronunciar sobre o caso na próxima semana.  A Abin produziu um diagrama sobre o “esquema de controle indireto de terras”, onde estão os nomes de Eliasch e de todos os seus sócios no Brasil, conforme documentação à qual ISTOÉ teve acesso.  Além de Cresci Neto, lá aparecem como controladores das terras de Eliasch os brasileiros Maria das Graças Simas Nazaré e José Carlos da Silva Júnior, sócios da Gethal, e Lúcio Pereira de Brito, da Empresa Florestal da Amazônia (EFA).

Esta cadeia de sócios inclui empresas no Exterior, como o fundo Brazil Forestry Fund Investment e o grupo Granham, Mayo van Otterloo & Corporation (GMO).  Desde 2004, segundo a Abin, a Gethal vem recebendo aporte financeiro da empresa EFA, com sede em São Paulo, num total de R$ 8,6 milhões.  “A forma como ocorreu a aquisição das propriedades da Gethal induz a crer que os negociantes pretendiam evitar o crivo de instituições como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)”, diz o relatório da Abin enviado ao Ministério da Justiça.  O Ministério da Fazenda também entrou na investigação para passar a limpo as relações empresariais e os investimentos desses ongueiros internacionais, através do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, que investiga lavagem de dinheiro.  De acordo com o primeiro levantamento do Coaf, uma das empresas que Eliasch utiliza para registrar as terras é a Florestas Renováveis da Amazônia (Floream), que tem em seu nome 62 mil hectares.  A EFA possui 54 mil hectares.

Além das organizações ligadas a Eliasch, a Abin e a PF investigam outras ONGs.  O diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, diz que os relatórios da Abin e da DIP já foram enviados às superintendências da PF na Amazônia.  Vários inquéritos poderão ser instaurados, o que depende de decisão da PF nos Estados.  “Há indícios de atuação de várias ONGs em ações ilícitas de biopirataria e no trato com populações indígenas”, confirma Corrêa.  “E algumas dificultam a ação do Estado na região.” Ele diz que aumentou o efetivo da PF em toda a Amazônia em 25% e tornou permanente a Operação Arco de Fogo, que vem prendendo quadrilhas envolvidas com a destruição da floresta.  “Vamos checar agora a indústria moveleira, que é quem compra a madeira”, diz Corrêa.  As autoridades também estão muito preocupadas com os chamados “biocosméticos”.  De acordo com as investigações, algumas ONGs entram em áreas indígenas sem autorização da Funai e vendem os conhecimentos dos índios sobre plantas, folhas e raízes para os laboratórios de fármacos multinacionais.  É a partir desse relacionamento que medicamentos e cosméticos retirados da fauna e da flora brasileiras acabam sendo patenteados no Exterior.  Uma das ONGs que estão na mira do governo é a Amazon Conservation, dos Estados Unidos, investigada por suposto envolvimento com biopirataria.

Para um dos maiores especialistas em Amazônia no País, o delegado federal Mauro Sposito, coordenador de operações especiais de fronteira, é preciso classificar o tipo de trabalho que algumas ONGs fazem na região.  “No nosso entendimento, ONG é nada mais que lobby”, diz Sposito.  “E a ação de lobby não está regulamentada no Brasil.” O secretário Romeu Tuma Júnior anunciou que o Ministério da Justiça está preparando uma nova legislação para regulamentar a atuação de ONGs.  Segundo o projeto, a presença de organizações estrangeiras na Amazônia dependerá de autorização dos Ministérios da Justiça e da Defesa, com prazos préestipulados.  O projeto prevê ainda multas de R$ 5 mil a R$ 200 mil, cancelamento de visto e deportação de quem for pego agindo sem autorização na região.  Essas mudanças estão incluídas numa revisão da Lei de Estrangeiros e em outras medidas que serão anunciadas pelo presidente Lula.  O pacote jurídico será remetido pelo Ministério da Justiça à Casa Civil em 15 dias.  O Ministério estuda um “controle social” das ONGs, igual ao que existe para as organizações da sociedade civil de interesse público – Oscip.  Cadastradas pelo governo, as Oscips prestam contas na internet.

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O Daily Telegraph defende, em editorial, a tese de Eliasch de incentivar empresários a comprar terras na região amazônica

Responsável pela elaboração de um plano de desenvolvimento de longo prazo para a Amazônia, o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, diz que a região é um caldeirão de insegurança jurídica, o que facilita a penetração estrangeira.  “A Amazônia não pode ser a casa da sogra”, diz.  “Quem cuida da Amazônia é o Brasil.” Mais importante do que discussões sobre a soberania nacional, diz o ministro, é a criação de um projeto de desenvolvimento nacional.  “Nosso problema é a confusão e a falsa disputa entre ambientalistas e desenvolvimentistas.” Ele alerta, também, que o País não pode difundir o que chama de “paranóia espontânea”, quando o assunto é a suposta invasão estrangeira.  Investimentos oriundos de interesses legítimos e legais sobre a floresta sempre serão bem-vindos.  “Temos que evitar a xenofobia vazia”, alerta.

“A Amazônia tem dono”

O presidente Lula deu um duro recado aos países desenvolvidos que questionam a soberania do Brasil sobre a Amazônia, ao abrir o 20º Fórum Nacional do BNDES, no Rio, na segunda-feira 26.  “O mundo precisa entender que a Amazônia brasileira tem dono, e que o dono da Amazônia é o povo brasileiro.” Foi uma clara referência à edição de ISTOÉ da semana passada, que trouxe reportagem de capa com o título “A Amazônia é nossa” e levantou a necessidade de o governo brasileiro se posicionar claramente sobre as pressões para a internacionalização da Amazônia.  O presidente criticou a postura de países que no século passado destruíram suas florestas e que agora defendem a preservação da região.  “É muito engraçado que os países responsáveis pela poluição do planeta agora fiquem de olho na Amazônia da América do Sul”, disse.  “O próprio Tratado de Kyoto já faliu.  Foi muito bonito assinar, maravilhoso, todo mundo assinou.  Agora, quem tinha que tomar medidas para cumprir o Protocolo de Kyoto nem o referendou.  Fomos nós que referendamos”, atacou Lula.

(Revista Istoé, FGV, 03/06/2008)

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