Procura-se: uma rápida transformação para um dos problemas mais complexos no continente mais pobre do mundo, para ocorrer em meio a uma crise de alimentos. Trinta anos após a primeira "revolução verde" ter transformado a agricultura na Ásia e na América Latina, à medida que novas variedades de sementes e abundância de fertilizantes permitiram aos agricultores escaparem da armadilha da subsistência, a África está tentando fazer o mesmo.
Por todos os anos 80 e 90, a produtividade da agricultura africana não conseguiu acompanhar o ritmo do crescimento populacional. Quaisquer aumentos refletem um maior área de terras cultivadas do que uma maior produtividade. Agricultores, agrônomos e especialistas em desenvolvimento dizem que apenas nova tecnologia, particularmente a curto prazo, promoverá uma transformação radical. Ganhos mais rápidos podem ser obtidos com melhoria dos mercados e do transporte, o que ajudará a expandir as tecnologias existentes, subutilizadas.
Mas há um desacordo sobre se a África deve buscar um modelo de agronegócio baseado em grandes fazendas comerciais ou se concentrar na melhoria do fardo de seus milhões de pequenos agricultores. Além disso, as dificuldades para transformar a agricultura africana são muitas. Algumas são topológicas: o continente contém uma imensa variedade de solos e climas, que variam de um clima mediterrâneo no Magreb a ambientes tropicais até climas temperados na África do Sul. Os produtos cultivados e técnicas utilizadas em uma parte freqüentemente não podem ser transferidos para outras.
Então, quais são as perspectivas para melhorias que ajudarão a alimentar uma população que se aproxima de 1 bilhão? A causa recebeu um impulso quando a Aliança por uma Revolução Verde na África (Agra, na sigla em inglês), uma associação de produtores rurais, empresas de agronegócio e instituições de pesquisa, foi fundada em 2006 com US$ 150 milhões da Fundação Rockefeller -que também teve um papel central no financiamento da primeira revolução verde- e da Fundação Gates.
Namanga Ngongi, presidente da Agra, disse que apesar dos sistemas agrícolas asiáticos serem dominados por variedades semelhantes de trigo e arroz, a África tem uma variedade maior de produtos, incluindo mandioca, sorgo, painço e milho. "Uma fórmula única não servirá", ele disse.
Mpoko Bokanga, diretor executivo da Fundação Africana de Tecnologia Agrícola (AATF, na sigla em inglês), uma parceria público-privada de pesquisa com sede em Nairóbi, apontou para os grandes contrastes mesmo dentro de um único país. "No oeste do Quênia, no norte do Vale do Rift, há áreas muito férteis com fazendas de alta produtividade, cujo potencial comercial está bem desenvolvido", ele diz. "Então, a 50 quilômetros de distância, se encontram distritos esquecidos cujas fazendas apresentam um terço ou um quarto de sua produtividade."
Apesar da existência de grandes sistemas fluviais e algumas áreas terem alta precipitação, grande parte da agricultura no continente depende de chuvas não confiáveis: menos de 5% da terra cultivada é irrigada na África, em comparação a 40% no Sul da Ásia.
Levará algum tempo para que novas tecnologias sejam desenvolvidas. A capacidade de pesquisa agrícola da África recebeu quase tão pouca atenção quanto seus solos nas últimas décadas, com seus governos carentes de recursos cortando pesadamente o financiamento de ciência básica. E dada a dessemelhança das condições agronômicas no continente às de outros lugares, não é fácil aproveitar avanços científicos desenvolvidos para outros mercados.
Um dos projetos da AATF, por exemplo, visa desenvolver um "milho de uso eficiente de água" capaz de tolerar períodos mais longos de seca, uma característica que se tornará cada vez mais importante se, como parece ser o caso, a mudança climática tornar as chuvas mais variáveis. A fundação usará pesquisa básica doada pela Monsanto, o grupo de agronegócio com sede nos Estados Unidos. O Centro Internacional de Melhoramento do Milho e Trigo no México, um instituto de pesquisa sem fins lucrativos que teve um grande papel na primeira revolução verde, a transplantará para variedades de milho de grande rendimento adaptadas a ambientes tropicais. As variedades então serão distribuídas para empresas de sementes africanas sem pagamento de royalties. Mas Bokanga diz que levará cinco ou seis anos até que as variedades estejam disponíveis para serem testadas no campo.
Mais adiante, a revolução verde terá que enfrentar uma das questões mais controversas no mundo agrícola: os produtos transgênicos. Os países africanos têm sido lentos na adoção de transgênicos. A África do Sul é o único país que aprovou uma variedade de transgênico, apesar de Burkina Fasso estar prestes a aprovar uma variedade de algodão, após seu amplo uso na Índia, e o Egito estar analisando um milho transgênico.
Parte da aversão aos transgênicos na África, entre governos assim como ativistas, é visceral. Em 2002, a Zâmbia se recusou a aceitar um grão transgênico como ajuda de emergência em meio a uma crise alimentar, temendo uma possível contaminação da agricultura local. O governo até mesmo rejeitou ofertas da União Européia, que tem suas próprias reservas em relação aos transgênicos, de moer o grão antes de distribuí-lo, para impedi-lo de ingressar no sistema agrícola.
Mas Bokanga diz que a oposição é exagerada e que os agricultores são muito mal informados em vez de firmemente contrários. "Não é verdade que todos os governos africanos são contrários à adoção de transgênicos", ele disse. "Há muitos oponentes da biotecnologia que fazem muito estardalhaço e dominam a mídia local, e então a mídia externa acha que os agricultores são contrários. A maioria dos agricultores não sabe nada sobre transgênicos."
Para aqueles preocupados com o impacto ambiental, ele aponta que milho transgênico resistente a herbicida permitirá uma "agricultura de plantio direto", boa para o solo, no qual não há necessidade de revolver a terra para se livrar das ervas daninhas. Mas dada a necessidade de realização de testes e de protocolos de segurança -uma tarefa que testará seriamente a capacidade de alguns dos Estados africanos- a adoção disseminada de transgênicos, particularmente para produção de alimentos, parece pelo menos uma década distante.
Enquanto isso, muito pode ser feito para ampliar o uso da tecnologia existente. Em muitos países africanos, particularmente os mais pobres, não é que fertilizantes ou sementes híbridas melhores não existam. É que uma combinação de pobreza, um setor privado atrasado e um mercado fraco os impedem de chegar aos agricultores.
Grande parte do aparato de apoio agrícola que os governos africanos usavam nos anos 70 -conselhos estatais de comercialização para os quais os agricultores vendiam seus produtos, subsídios para fertilizantes e sementes, reservas estratégicas de grãos para o caso de crises de alimentos, preços mantidos por intervenção oficial- foram desmontados, freqüentemente a pedido do Banco Mundial e de outros doadores de ajuda, que os consideravam esbanjadores, propensos a corrupção ou danosos. (Mas instituições semelhantes persistem nos setores agrícolas europeu e americano.) Mas o vácuo deixado pela saída do Estado freqüentemente não foi preenchido pelo setor privado, deixando os agricultores desconectados dos mercados doméstico e internacional.
A Agra, por exemplo, está gastando US$ 40,5 milhões para estabelecer uma rede de 10 mil fornecedores para venda de fertilizantes e outros insumos nas áreas rurais. Alguns países, como Maláui, no sul da África, estão experimentando com subsídios voltados ao mercado, projetados para complementar e estimular em vez de substituir o setor privado.
Mas há mais envolvido no impacto de uma revolução verde sobre a pobreza e a disponibilidade de alimentos do que um aumento da produção. A forma como o crescimento ocorre, e a melhor forma de distribuir seus benefícios, também são motivo de debate.
Jon Maguire, um administrador de fundo de investimento britânico, iniciou o fundo Africa Invest após visitar Maláui e encontrar aldeões incapazes de gerar uma colheita por falta de chuva, apesar de viverem à beira do Lago Maláui. "Eu perguntei por que não investiam na irrigação e eles me disseram que nenhum dinheiro circulava nas aldeias há três anos", ele disse. Sem ter nenhum conhecimento de agricultura, ele levantou US$ 16 milhões em um fundo, contratou administradores agrícolas locais e comprou US$ 3,5 milhões em irrigadores e outros sistemas de irrigação.
Sua operação agora administra mais de 1.000 hectares de fazendas, com outras 9 mil famílias de pequenos produtores contratadas para fornecerem produtos. Elas vendem pimentão-doce e pimenta piri-piri para o mercado externo, incluindo a Espanha. "Os espanhóis ficaram impressionados com a qualidade do pimentão-doce", ele disse. No ano que vem, sua operação pretende comprar o que ele diz ser a primeira colhedora combinada de Maláui.
A solução de Maguire é fazendas grandes, voltadas para exportação, com investimento pesado em irrigação. "A base toda do desenvolvimento agrícola tem sido: como ajudar o pequeno agricultor?", ele disse. "Você nunca resolverá os problemas da África assim. É preciso uma rotatividade de pequenos e médios empreendimentos ao redor de grandes fazendas que estarão conectadas à economia global. Nossos pequenos produtores agora conseguem um pouco do preço mundial e se beneficiam da crise do preço dos alimentos."
Muitos agrônomos discordam. Glenn Denning, diretor do Centro de Metas de Desenvolvimento do Milênio no Quênia, disse que em países muito pobres como Maláui, o primeiro passo é melhorar a produção e a condição dos pequenos agricultores, que precisam assegurar suas próprias necessidades alimentares antes de diversificarem. "Os pequenos agricultores provaram que podem competir se dispuserem dos insumos certos", ele disse. "Foi o que aconteceu na revolução verde asiática." Os superávits aumentarão e os agricultores poderão então passar para cultivos comerciais. Uma maior produção de grãos básicos por parte dos pequenos agricultores também beneficiará os pobres urbanos e os sem terra, aumentando a oferta e moderando os preços dos alimentos.
De fato, a forma como as tecnologias novas e existentes interagem com as economias e sociedades da África é crítico, não apenas para que uma revolução verde funcione tecnicamente, mas para que também leve amplos benefícios para os pobres da África. Andrew Dorward, um acadêmico da Escola de Estudos Orientais e Africanos, em Londres, disse que a adoção de transgênicos resistentes a herbicidas seria, por exemplo, desastroso para muitos lares pobres: as plantações provocariam o fim da eliminação manual de ervas daninhas, que é uma grande fonte de renda para muitos.
Os críticos de esquerda da idéia de uma revolução verde não duvidam que a África pode aumentar a produtividade com novas sementes e insumos, mas dizem que os benefícios irão para grandes corporações e produtores rurais ricos. Raj Patel, um membro do Instituto para o Alimento e Política de Desenvolvimento nos Estados Unidos, de inclinação esquerdista, disse recentemente a um comitê do Congresso que projetos como o Agra, "apesar de talvez bem-intencionados, são modelos de investimento tecnológico inexplicável e insustentável". Ele pediu por "programas que estimulem a adoção e pesquisa de métodos agroecológicos localmente apropriados e democraticamente controlados".
Pergunte a cinco pessoas diferentes no debate da revolução verde e você terá sete respostas diferentes. A África precisa de fornecedores agrícolas privados. A África precisa de água. A África precisa de estradas. A África precisa de transgênicos. A África precisa de grandes produtores rurais. A África precisa dos pequenos produtores rurais. A realidade parece ser a de que em um continente tão diverso, a África provavelmente precisará de todos eles -e mais.
(Por Alan Beattie, Financial Times, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 03/06/2008)