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alta no preço dos alimentos segurança alimentar
2008-06-03

A humanidade estava prestes a passar fome e, segundo as previsões apocalípticas da década de 1960, a batalha para alimentar todos os seres humanos já estava perdida. A fome era comum em alguns dos países mais densamente povoados do mundo. As previsões da catástrofe malthusiana alcançaram a lista dos livros mais vendidos com "The Population Bomb"  ("A Bomba Populacional"), de Paul R. Ehrlich, segundo o qual, por volta dos anos 70 e 80, as vítimas da fome chegariam à casa das centenas de milhões.

Mas a engenhosidade humana impediu o desastre. Um programa maciço de investimento em pesquisa e infra-estrutura agrícolas -apoiado avidamente pelos Estados Unidos, devido ao medo embasado pela guerra fria de que os países famintos pudessem cair na esfera de influência da União Soviética- gerou uma explosão da produtividade no campo. Nações que jamais sonharam em serem capazes de atingir a auto-suficiência alimentar tornaram-se exportadoras de alimentos.

Esses esforços, liderados por Norman Borlaug, um agrônomo norte-americano que mais tarde recebeu o Prêmio Nobel da Paz, resultaram na criação de sementes altamente produtivas e no aumento excepcional do uso de irrigação, fertilizantes e pesticidas nos países em desenvolvimento.

Por volta de 1968 o salto da produtividade agrícola era tão evidente -a Índia, por exemplo, teve uma safra de trigo recorde, assim como as Filipinas no caso do arroz- que William Gaud, administrador da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), afirmou que o mundo testemunhava a "gênese de uma nova revolução".

"Não se trata de uma revolução vermelha violenta como a dos soviéticos, e tampouco de uma revolução branca como a do xá do Irã", disse Gaud em um discurso proferido 40 anos atrás. "Eu a chamo de revolução verde", acrescentou, criando assim um termo que sobreviveu ao seu autor.

Entretanto, assim como as suas congêneres de todas as tendências, a revolução verde acabou perdendo força. Hoje em dia, o mundo está novamente em situação delicada, já que os preços dos alimentos dispararam, provocando rebeliões em diversos países, do Haiti a Bangladesh. Porém, desta vez, as tentativas de aumentar a oferta de alimentos -e o apoio político de Washington e outras capitais- parecem bem mais débeis. Ao mesmo tempo, a tarefa de incrementar a produtividade tornou-se mais difícil devido aos preços recordes do petróleo, que tornam os fertilizantes mais caros.

Das dezenas de entrevistas com autoridades e especialistas em questões agrícolas emerge um consenso: mesmo que a atual crise de alimentos seja o resultado de múltiplos fatores, tais como a demanda por biocombustíveis ou um clima planetário marcado por extremos, as suas raízes encontram-se no enfraquecimento da revolução verde: "A base da crise atual é a desaceleração da produtividade agrícola", afirma Leenart Bage, presidente do Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento Agrícola, em Roma.

Sob vários aspectos, a revolução verde foi uma vítima do seu próprio sucesso. O aumento da produção de alimentos a partir do início da década de 1960 foi tão grande que não só afastou o espectro da fome mundial, como também abriu o caminho para quase 40 anos de oferta barata e abundante de comida. Por exemplo, a produtividade de trigo por hectare saltou de menos de 500 quilogramas para os quase 3.000 quilogramas atuais. De fato, durante a maior parte da década de 1990 o problema não era excesso de comida, sendo que na Europa falava-se de "montanhas" de grãos e de "lagos" de leite e vinho.

Akinwumi Adesina, vice-presidente da Aliança por uma Revolução Verde na África, diz que a cornucópia de comida barata gerou um profundo senso de complacência. "Passou-se a pensar que o apoio à pesquisa agrícola não era mais necessário para incrementar ainda mais a produtividade, já que havia comida de sobra e os preços caíam".

Como resultado, o investimento em pesquisa e infra-estrutura agrícolas caiu drasticamente. Organizações multilaterais como o Banco Mundial e países ricos que atuam como doadores individuais reduziram a parcela dos seus gastos com agricultura destinada à assistência para o desenvolvimento para menos de 3% do total em 2005. Em 1979 esta proporção era de 18%, de acordo com a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento. Em termos monetários, até mesmo após o ajuste relativo à inflação, o auxílio à agricultura caiu para menos da metade, passando dos US$ 8 bilhões registrados em 1979 para US$ 3 bilhões em 2005.

Embora o financiamento do setor privado à pesquisa agrícola tenha aumentado, os preços reduzidos dos alimentos nos mercados mundiais significavam que esse trabalho focava-se geralmente em inovações cujo objetivo era reduzir os custos, e não aumentar o volume das safras. De acordo com Ronald Trostle, do serviço de pesquisas econômicas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, as pesquisas financiadas pelo governo sempre foram aquelas com maior probabilidade de concentrarem-se em inovações que aumentariam o volume das colheitas, especialmente naquelas partes do mundo onde os agricultores não têm condições de pagar royalties sobre novas variedades de sementes.

O menor investimento traduziu-se em desaceleração do aumento da produtividade. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, as safras de grãos aumentaram anualmente, em média, 1,1% de 1990 a 2007.
A média anual no período 1970-1990 foi de 2%. O impacto sobre o aumento das safras de alimentos básicos importantes, como o trigo e o arroz, foi ainda mais intenso. No que se refere a estas culturas, o ritmo de crescimento das safras caiu de 10%, no início da década de 1960, para o índice atual de cerca de 1% ao ano.

A redução do aumento da produtividade não poderia ter surgido em um pior momento. A demanda por alimentos está crescendo nesta década, à medida que a população mundial aumenta e uma classe média em expansão em países como a China consome mais proteínas na forma de produtos como a carne e o leite. O desenvolvimento da indústria de biocombustíveis fez aumentar ainda mais a demanda, e neste ano o setor consumirá um terço da safra de milho dos Estados Unidos.

Agora, pela primeira vez desde a década de 1970, o mundo está vagarosamente consumindo as suas reservas de alimentos, já que a cada ano consome-se mais do que se produz. Outro motivo para as reservas estarem atingindo níveis baixos recordes, ao mesmo tempo em que os preços disparam, são os problemas climáticos, incluindo secas. "Este era um acidente esperando para acontecer", afirma Adesina.

Os elaboradores de políticas estão despertando para a gravidade da situação. Manmohan Singh, o primeiro-ministro da Índia, declarou
recentemente: "Há a sensação persistente de que a primeira revolução verde perdeu o rumo". Ele prosseguiu, afirmando que o mundo necessita de uma segunda transformação do gênero para resolver a crise dos alimentos.
"A comunidade e as agências globais precisam articular uma resposta coletiva que conduza a um salto substancial da produtividade e do tamanho das colheitas, de forma que o espectro da falta de comida volte a sumir do horizonte".

Isto estará no topo da agenda da reunião de cúpula da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que teve início nesta segunda-feira (02/06) e que deverá contar com a participação de 40 chefes de Estado e de governo.

Jacques Diouf, presidente da FAO, diz que este é um momento
raro: "Pela primeira vez em 25 anos, um incentivo fundamental -os elevados preços dos alimentos básicos- está presente para estimular o setor agrícola. Os governos, apoiados pelos seus parceiros internacionais, têm agora que fazer o investimento público necessário e criar um ambiente favorável para os investimentos privados". Ou, conforme disse recentemente o secretário da Agricultura dos Estados Unidos, Ed Schafer: "Se os países não aumentarem as safras, as pessoas passarão fome. É simples assim".

Mas reproduzir a primeira revolução verde será difícil. Cada um dos três pilares sobre os quais ela foi construída -tecnologia de sementes, irrigação e o uso generalizado de fertilizantes e pesticidas- parecem ser, atualmente, menos sólidos. Mais uma vez, isto é, em grande parte, o reflexo do legado da forma como os problemas foram enfrentados pela primeira vez.

Quando milhões de vidas corriam risco devido à fome e necessitava-se rapidamente de resultados, os cientistas e os governantes concentraram-se no aumento da produção a qualquer custo. Tom Mew, que foi o principal cientista do Instituto Internacional de Pesquisas Sobre o Arroz, em Los Baños, nas Filipinas, na década de 1960, reconheceu essa tendência em um discurso feito alguns anos atrás: "Foi uma escolha difícil, de forma que nos concentramos na agricultura de alta produtividade que garantiria alimentos para todos".

O resultado é um sistema agrícola global que hoje em dia é altamente intensivo e baseia-se na disponibilidade de energia barata e prontamente disponível para ser utilizada em cada parte da cadeia de produção: tanto diretamente, como combustível, quando indiretamente, para a fabricação de fertilizantes e pesticidas. Mas com os preços do petróleo em alta, o custo de certos fertilizantes saltou para mais de US$ 1.000 a tonelada. Há dois anos esse custo era de US$ 300 a tonelada. Além disso, o uso de fertilizantes e pesticidas químicos enfrenta oposição pública.

A revolução verde original também exigiu enormes quantidades de água para irrigação -um recurso que está tornando-se mais e mais escasso devido à mudança climática e ao rápido crescimento das cidades e das operações industriais, especialmente no mundo em desenvolvimento.

Finalmente, depois que o aperfeiçoamento da tecnologia de sementes da década de 1960 resultou em maiores colheitas, bem como em maior resistência a secas e insetos, os cientistas estão se aproximando do limite daquilo que podem fazer por meio de técnicas naturais. O próximo passo -o uso de organismos geneticamente modificados- encontra forte oposição, especialmente na Europa, mas também, por exemplo, em alguns países africanos.

Em suma, os ganhos fáceis já foram obtidos, exceto na África. Shivaji Pandey, que esteve envolvido na primeira revolução verde e agora lidera a divisão de produção de plantas da FAO, em Roma, diz que o mundo necessita de uma revolução verde "mais inteligente".

"Precisaremos incrementar a produção agrícola com menos água e com um uso mais eficiente de fertilizantes", diz ele. Alexander Evans, do Centro de Cooperação Internacional da Universidade de Nova York, diz que a exigência fundamental é tornar a revolução verde "mais verde". Ele
argumenta: "O processo precisa ser bem mais eficiente sob o ponto de vista da aplicação de insumos".

Os especialistas dizem que, para isso, o setor de gerenciamento da água precisa abandonar a irrigação por inundação de terrenos, relativamente barata, utilizada sobremaneira em alguns países do sudeste asiático, e adotar os sistemas bem mais caros de aspersão e gotejamento. Segundo as autoridades do setor, isso exigiria investimentos com os quais os países em desenvolvimento só poderiam arcar se contassem com o apoio de doadores. "A água será o fator limitante", explica Adesina.

Já os fertilizantes representam um desafio maior. Os técnicos da FAO acreditam ser possível economizar o uso de adubos, especialmente em alguns países do sudeste asiático, por meio de programas que ensinam aos agricultores que quantidade de fertilizantes precisam espalhar nas suas lavoura e o momento de utilizar esses produtos. Mas, segundo os especialistas, o uso de fertilizantes aumentará no longo prazo, principalmente na África, o que significa que os países doadores provavelmente precisarão subsidiar esses produtos químicos para as nações pobres.

Alguns especialistas, como Tom Lumpkin, diretor do Centro Internacional para a Melhoria do Trigo e do Milho, em El Batán, no México, acrescenta que, à luz desta crise, os países precisarão reconsiderar a sua oposição aos organismos geneticamente modificados. "É necessário que a ciência retorne ao setor agrícola", afirma Lumpkin.

Atualmente, 100 milhões de hectares, ou aproximadamente 8% das terras cultivadas em todo o mundo, já são semeados com organismos geneticamente modificados. Os países que apóiam esta tecnologia, como os Estados Unidos e o Brasil, provavelmente enfatizarão ainda mais a sua posição segundo a qual a adoção das culturas geneticamente modificadas poderia ajudar a resolver o problema. Gaddi Vasquez, o embaixador dos Estados Unidos da FAO, em Roma, diz: "A utilização das sementes geneticamente modificadas é uma das formas mais promissoras de aumentar as safras".

Neste ano, o Banco Mundial anunciou que a agricultura está prestes a passar por uma outra revolução tecnológica, que desta vez ocorrerá devido à utilização das ferramentas da biotecnologia. "Mas existe uma grande incerteza quanto à possibilidade de essa revolução tornar-se uma realidade para a produção de alimentos nos países em desenvolvimento devido ao baixo investimento público nessas tecnologias e às controvérsias a respeito dos possíveis riscos", advertiu o banco.

Além dos problemas relativos a sementes, fertilizantes e irrigação, o clima político de hoje é menos propício a transferências monetárias maciças das nações ricas para os países em desenvolvimento. Atualmente ninguém teme uma tomada de poder por comunistas; o investimento necessário precisaria ser feito como uma simples tentativa de melhorar as vidas de milhões de seres humanos.

Independentemente do rumo que os elaboradores de políticas para o setor decidam seguir esta semana na reunião da FAO, autoridades e especialistas concordam que o mundo precisa se mobilizar rapidamente para aliviar a atual crise -e prevenir outra nos próximos anos. Na semana passada a Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento e a FAO afirmaram no seu documento "Cenário Agrícola 2008-2017" que os investimentos públicos e privados em inovação e no aumento de produtividade agrícola "melhorariam bastante as perspectivas de fornecimento de alimentos ao contribuir para ampliar a base de produção e reduzir a possibilidade de disparadas constantes dos preços".

Mas o tempo para a ação é exíguo. Robert Zeigler, diretor do Instituto Internacional de Pesquisas sobre o Arroz, afirma que levará décadas para que se desenvolvam variedades de sementes e construa-se a infra-estrutura necessárias para uma segunda revolução verde: "Na verdade, deveríamos ter começado dez anos atrás para evitar os problemas de hoje", afirma Zeigler.
(Por Javier Blas, Financial Times, UOL, 03/06/2008)

 


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