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garimpo de diamante garimpo desertificação
2008-06-03

Maria Rocha tem 83 anos, 48 quilos e está cheia de papel-moeda. Começou a encontrar escondidas pela casa notas amareladas, esverdeadas, rotas, depois que o marido morreu. Grandes maços de cruzados, cruzeiros (em suas três variedades), cruzeiros reais e cruzados novos são o legado deixado pelas décadas de garimpo de diamantes de José Padeiro, seu falecido, na região de Gilbués, extremo sul do Piauí, metade do caminho entre Teresina e Brasília.

Quase Maranhão, quase Bahia, quase Tocantins, inteira Piauí, Gilbués possui um deserto sob o tapete da sala. Hoje, 37 mil hectares de solos subúmidos secos, ou 10% do total do município, são devorados por um processo erosivo que acompanhou o crescimento descontrolado da cidade, financiado pelo diamante entre os anos 40 e 70. Pecuária intensiva e agricultura predatória implantadas pelos novos moradores comprometeram um solo singularmente frágil.

A Organização das Nações Unidas chama de desertificação e classifica a região centrada em Gilbués como um dos casos mais críticos do mundo. Cientistas brasileiros entendem que a definição deve ser outra, uma vez que o nível de chuvas da região e as características do solo diferem daqueles dos desertos. Apesar disso, não existem divergências entre os teóricos sobre a seriedade do problema. A maioria dos moradores ignora o processo. Não existe qualquer programa municipal ou federal para lidar com a situação e a presença estadual é tímida e está paralisada.

“Deserto? Qualquê, aqui a vida inteira foi assim, a terra pelada, descabelada”, afirma uma completamente lúcida Rochinha, em sua sala, na vizinha cidade de Monte Alegre. “Tem sim, minha mãe, é que é um processo muito lento, a gente nem percebe”, rebate o filho Joanísio. “Ah, nem na vida nem na morte isso aqui vai mudar”, teima aquela que é a primeira professora oficial dos dois municípios. Rochinha nasceu em 1925 numa casa bem ali embaixo, atrás da igreja, e lembra certeira do primeiro diamante encontrado na região, cavado na corrida de um boi na fazenda Goianinha, em janeiro de 1946. Um vaqueiro arrochava atrás de gado nesses meios de mundo quando viu a pedra brilhando no chão. A carreira que a rês deu mexeu com o cascalho e a pedra subiu pras vistas do homem. Entendeu que aquilo era diferente e, sem saber o que fazer, deu para o patrão, que vendeu no Rio de Janeiro. Quando a notícia estourou foi uma frevura e o mundo se encheu.

As memórias fluem como blocos, gravadas em peça única pela espetacularidade que alguns dias acordam e resolvem trazer para a roça. Foi em 8 de junho de 1946. Na véspera, Paletó estava em uma barbearia em Miguel Calmon, Bahia, quando ouviu no rádio que faiscou diamante para as bandas de Gilbués. No dia seguinte subiu em seu avião e veio para a cidade. Chegou durante a Festa do Divino, viu as bandeirolas na rua e achou que ali era campo de pouso. O povo todo embaixo esparramado olhando o avião caindo em cima e achou que fosse morrer. Correram para dentro da igreja. Paletó subiu para desviar das pessoas e rodeou atrás de pouso. A única possibilidade era a rua, agora vazia. Mas o povo saiu da igreja para ver ele voando. Nova tentativa de pouso, nova corrida pra dentro da igreja, nova arremetida. Ficou assim até alguém apontar para ele uma terra malhada ali perto. Quando sentou, todo mundo queria encostar nele, ver o metal de perto.

Em pouco tempo Gilbués explodiu de gente. Era só umas quatro casas aqui e ali e umas outras mais acolá. Em 1955, Monte Alegre se emancipou. Toda porta era uma bodega, se não tinha nada para vender, ao menos tinha cana. A Varig operava dois vôos por semana, carregando para todos os cantos do Brasil as cerca de 40 mil almas que residiam entre as fronteiras da cidade e seus diamantes. Até que as manchas do minério foram rareando, os donos das fazendas foram fechando as portas com medo da erosão e principalmente dos buracos que engoliam gado. Aí veio Brasília e os retirantes todos se arribaram para lá. A cidade minguou até seus atuais 10,5 mil habitantes, que trabalham principalmente na roça. Poucos garimpeiros artesanais permanecem. Em contrapartida, uma mineradora industrial engole campos inteiros de cascalho, vertendo areia para os rios e jóias para os acionistas.

Waldemar Fialho, de 54 anos, é um dos poucos que insistem na exploração artesanal. Não tem idéia de quantos diamantes pegou nesta vida. Camadas de pó amarelo e lama marrom sobrepõem mãos que peneiram a mesma terra de sua infância. Aprendeu com seu pai, que ainda está vivo, o ofício: comece cavando verticalmente a cisterna até encontrar o cascalho. Tem vezes que dá 30, 50, 80 palmos de fundura. Passou da metade e o caboclo já está suando de derramar água no chão. Rompa horizontalmente o cascalho, abrindo um túnel em linha reta atrás do diamante que se deita por esse mundo todinho. Um companheiro na superfície retira baldes cheios de cascalho e remove as pedras maiores. Após o primeiro filtro, leve tudo ao olho-d’água mais próximo e comece a peneirar. Despeje e vasculhe o conteúdo da peneira atrás das jóias. É fácil encontrá-las, seu brilho mata o de todas as outras pedras e quando pega é meio mundo de farra. Waldemar Fialho sabe que o garimpo não liga para economização, gosta mesmo é da putada, da perversidade, da frescura. Farra, cana, rapariga.

O diamante trouxe gente, aviões, carros e prédios para Gilbués. Deixou veias abertas e erosão crítica no solo. De dinheiro mesmo, sobrou uma bolsinha de chita cheia de notas velhas guardadas no criado-mudo ao lado da cama de Maria Rocha.

(Por Breno Castro Alves, Carta Capital, 30/05/2008)


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