A expansão dos biocombustíveis não só está agravando a crise alimentar global como também ameaça expulsar os pequenos lavradores de suas terras, devido à demanda por cultivos intensivos para fins energéticos, segundo relatório a ser apresentado nesta semana numa cúpula da ONU sobre alimentos.
O uso de cultivos alimentícios (como milho, óleo de palma e açúcar) para a produção de etanol e biodiesel é um dos fatores apontados como responsável pelo aumento de preços neste ano, o principal tema da cúpula da FAO (órgão da ONU para alimentação e agricultura), em Roma, de terça (3) a quinta-feira (5). Condenado no ano passado como um "crime contra a humanidade" pelo então relator alimentar da ONU, Jean Ziegler, os biocombustíveis são acusados por muita gente de estarem usando terras que poderiam ser empregadas no cultivo de alimentos.
Tanto os Estados Unidos quanto a União Européia têm políticas oficiais de promoção do uso de biocombustíveis como alternativa ao petróleo. O relatório, publicado na segunda-feira pela FAO e pelo Instituto Internacional para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, cita vários riscos sociais e ambientais dos biocombustíveis, mas isenta-os de serem a principal causa da crise alimentar.
"Os recentes aumentos nos preços alimentares não foram causados primariamente pelos biocombustíveis", disse o texto, citando quebras de safras, estoques baixos e uma maior demanda por alimentos e rações na Ásia. O estudo, intitulado "Alimentando a exclusão? O 'boom' dos biocombustíveis e o acesso dos pobres à terra", diz que o impulso aos biocombustíveis representa uma grave ameaça a milhões de lavradores.
Estima-se que 1 por cento das terras aráveis do mundo seja usada por biocombustíveis, cifra que tende a subir para 2,5 a 3,8 por cento até 2030, dependendo dos incentivos oficiais, segundo dados da Agência Internacional de Energia. Alguns camponeses podem se beneficiar da situação caso tenham terras para produzir matéria-prima para biocombustíveis, mas muitos devem ser expulsos de suas pequenas lavouras para darem espaço a grandes plantações.
"Grupos sociais específicos, como pastores, cultivadores nômades e mulheres, estão especialmente suscetíveis a sofrer a exclusão da terra provocada pelo crescente valor das terras, enquanto as pessoas que já são sem-terra devem ver as barreiras para o acesso à terra crescerem ainda mais", afirma o relatório.
O documento recomenda a adoção de novos padrões para garantir o direito à terra para pessoas pobres, incluindo esquemas de certificação de biocombustíveis que garantam que eles sejam produzidos sem danos ao meio-ambiente ou abusos aos direitos da população local.
(Estadão Online, Ambiente Brasil, 03/06/2008)