Maior importador mundial de farinha de trigo, que subiu mais de 100% nos últimos meses, o Egito é um dos países mais afetados pela alta do preços de alimentos no mercado internacional. O problema ainda é agravado pela corrupção no sistema de subsídios do governo à produção de pão destinado à população mais pobre, de acordo com secretário para grãos da FAO, Abdul Abbassian.
"O sistema de subsídio criou um problema, porque os padeiros adquiriram a farinha por um preço baixo, talvez 10% do valor de mercado, e muito dessa farinha foi desviada", disse Abbassian à BBC Brasil. "O setor que produz pão subsidiado se viu então sem farinha, e o resultado foi que as filas se tornaram mais longas, e as pessoas, mais nervosas", afirmou.
Calcula-se que mais da metade dos egípicios vivam abaixo ou próximos da linha da pobreza. A maior parte da população recorre ao pão que é subsidiado pelo governo, muito mais barato do que o não subsidiado. "Deve-se levar em conta, ainda, que as filas já estariam naturalmente mais longas porque, com o aumento do preço da farinha, muitas pessoas que cozinhavam o próprio pão passaram a precisar do produto subsidiado", disse Abbassian. "A combinação desses dois fatores vem causando enormes problemas para o governo egípcio", afirmou Abbassian.
Crise política
Apenas nos meses de março e abril, pelo menos quatro pessoas morreram em incidentes ocorridos em filas, e a crise ganhou repercussões políticas maiores. O presidente do Egito, Hosni Mubarak, que está no poder desde 1981, decretou que o Exército interferisse para resolver o problema.
No ínicio de abril, a repressão a uma greve geral convocada para protestar contra a alta dos preços e a perda de poder de compra dos salários deixou três pessoas mortas, 80 feridas e 400 presas. Uma segunda greve, marcada para o início de maio, foi esvaziada quando, a poucos dias da data, o governo anunciou um aumento de 30% para todos os funcionários públicos.
Na época, a oposição afirmou que "a crise pode ser o início do fim" do governo Mubarak, como disse à BBC Brasil Essan Elarian, um porta-voz da Irmandade Muçulmana, o maior partido opositor ao regime. Muitos analistas, no entanto, apontam para o fato de que, independentemente de quem está no poder, o Egito é dependente de fatores externos. "Existe um limite físico que impede um grande aumento da produção de trigo do país", disse Abbassian, lembrando que apenas as terras às margens do rio Nilo podem ser cultivadas.
(Por Rodrigo Durão Coelho, BBC Brasil, 02/06/2008)