Parte I - As dunas
Num período em que o desequilíbrio ambiental torna-se cada vez mais evidente, o futuro da humanidade aponta para a necessidade de reagir e conscientizar
Rio Grande - Conciliar a preservação ambiental com os usos inerentes ao desenvolvimento humano é um desafio. Na maioria das vezes, o empenho é feito para remediar problemas surgidos no passado. Em Rio Grande, a urbanização da área balneária aprendeu a respeitar o cordão de dunas e a população, hoje, é a maior fiscalizadora desse processo. É o resultado de um trabalho de conscientização e apropriação do bem público como um espaço de importância compartilhada, que vai além da beleza e da relevância turística.
A praia do Cassino possui um dos mais conservados sistemas do cordão de dunas frontais. O ambiente, sujeito à alta energia de ondas, ventos e correntes, é reconhecido como instrumento de proteção contra os avanços da maré, as ressacas e as ventanias. Fenômenos provocados pelo aquecimento global podem intensificar esses fatores, mas a cidade está protegida, a urbanização não avançou. Áreas de preservação e urbana estão bem definidas.
O passado
Mas nem sempre foi assim. “As dunas do balneário Cassino são a prova da recuperação do sistema”, disse o pesquisador Renato Carvalho. Segundo ele, nas décadas de 70 e 80 o cordão foi bastante modificado pelas retiradas sistemáticas e furtivas de areia para o uso em construções civis. Também existiram ocupações irregulares e as dunas eram degradadas pelo impacto do homem. “Em alguns locais o cordão atingiu níveis extremos de extinção, areias adentraram nos campos interiores, porque foi bastante modificado. O pastoreio, abertura de número excessivo de ruas para acesso à praia e o depósito de lixo também contribuíram para essa situação”, recordou.
Enquanto grande parte dos municípios optou por criar avenidas beira-mar e retiraram as dunas, Rio Grande percebeu a necessidade de reverter a situação. “Essas cidades hoje sofrem com a perda da área de praia. O que se vê é o mar comendo a areia e destruindo patrimônios. Não se mantém o equilíbrio de rendimentos”, comentou Carvalho.
A virada
Cientes de que as atividades humanas estavam incompatíveis com o importante desempenho das dunas como proteção costeira e de preservação da vida selvagem, pesquisadores elaboraram um programa de ações coordenadas de recuperação das dunas. O Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema) desenvolveu um plano-piloto em 1986. A meta era recuperar uma área de 800 metros, da qual o cordão de dunas havia sido retirado.
Com o uso de galhos, resultantes de podas, foi gerado o acúmulo de areia e, após um ano, o cordão frontal estava recuperado. Com a cobertura vegetal nativa, os combros foram restabelecidos e afixados.
Devido ao sucesso obtido, em 1989 a prefeitura solicitou um parecer técnico, que deu origem ao Projeto Dunas Costeiras. A meta passou a ser a conservação do sistema e a recuperação dos locais degradados, como forma de resgatar a identidade e as funções ecológicas do cordão. A ação foi voltada para a área entre o molhe oeste e o balneário Atlântico Sul.
A partir de 1994, foram fechados os acessos excessivos que existiam na praia e interrompiam o cordão. Das 17 ruas, numa extensão de 2,5 mil metros, restaram cinco, que permanecem até hoje, um a cada 500 metros, respeitando o grau de urbanização. Com a recuperação da condição natural, o trabalho passou a ser de harmonização e conscientização da comunidade. Projetos de educação ambiental foram colocados em prática. “Hoje, o trabalho é de manutenção. Conservamos a biodiversidade. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) exige que todos os municípios tenham dunas, possuam um plano de manejo. Nós já tínhamos o nosso mesmo antes disso e só precisamos colocar no papel”, destacou o pesquisador.
O resultado
Toda esta dedicação resulta no equilíbrio entre a natureza e o desenvolvimento econômico do município. “Atualmente a comunidade é a maior defensora e atua como fiscal. Quando realizamos manejos autorizados, recebemos reclamações”, relatou.
Para amenizar os impactos do homem, uma passarela foi construída numa das áreas de maior movimento para o acesso à praia. O projeto é analisado para que sejam construídas outras ou elaboradas trilhas, que possibilitem um caminho guiado entre as dunas.
Alguns problemas ainda persistem. Os mais graves são o depósito de lixo domiciliar e restos de construção civil sobre as dunas ou no mar. Para que os bons resultados sejam perpetuados, a área precisa estar sob constante fiscalização preventiva e informativa, o que é realizado pelo monitoramento ambiental.Quando necessários são acionados os órgãos competentes.
Plano de manejo
O plano de manejo é um instrumento para compatibilizar a área de preservação permanente e os usos que a urbanização impõe. A meta é cuidar, preservar e gerenciar a situação das dunas e mantê-las na sua forma original dentro do ecossistema.
Fauna
Nas dunas, vivem mamíferos, répteis, aves e insetos. Nesse ecossistema de praia arenosa já foram avistadas 217 espécies de aves, entre elas 11 espécies residentes - aquelas que completam o ciclo reprodutivo e utilizam a dunas para fazer seus ninhos.
Também é possível encontrar sapos, jararacas das dunas, lagartos e visitantes ocasionais como o tatu e o graxaim. Dentre os animais, o que mais chama atenção é o tuco-tuco, um pequeno mamífero roedor que existe apenas nessa região e é vulnerável à extinção. Entre os mais facilmente avistados estão as corujas, gaviões, carcarás e maçaricos.
Flora
A vegetação que se desenvolve sobre as dunas é composta principalmente por plantas rasteiras que desempenham importante papel na sua fixação. Elas sustentam a areia arrastada pelo vento com suas raízes fibrosas. Se a vegetação é retirada, as dunas são destruídas, porque a areia se torna instável e move-se com o vento. Estas plantas são adaptadas às condições de pouca água, extrema salinidade e ao constante atrito dos grãos de areia. No cordão de dunas do Cassino podem ser encontradas 71 espécies vegetais.
O que são as dunas
Dunas são feições naturais cuja formação se deve a três elementos: vento, areia e vegetação. Possuem vegetação típica e rica fauna. As dunas costeiras são sistemas dinâmicos e funcionais, que possuem a função ambiental de proteger campos, banhados, marismas, cursos d’água e zonas urbanas, contra os efeitos das marés altas, ventos e invasão de areia inconsolidada.
Essas áreas de preservação permanente servem como depósito de areia para substituir a areia erodida por ondas ou levada por tempestade. Além disso, exercem uma barreira contra a penetração da água salgada no nível freático, mediante a pressão da armazenagem de água doce. São bons reservatórios de água doce, porque a água da chuva penetra e acumula facilmente através dos poros existentes entre os grãos de areia.
(Por Débora Lucas, Diário Popular, 01/06/2008)