Revista: Quais os principais desafios do jornalismo ambiental brasileiro?
Adalberto Marcondes: O jornalismo ambiental tem muitos desafios pela frente. No entanto, dois deles são fundamentais para sua existência, a qualificação e o financiamento. É comum se imaginar que o jornalista ambiental é um profissional que tem de estar em dia com fatos da natureza e só. Esta é uma visão simplista em um mundo em transformação. O fato é que o jornalista que atua com pautas ambientais deve estar preparado para tratar de temas tão diversos como biodiversidade, efeito estufa, camada de ozônio, agenda marrom, tecnologias ambientais empresariais, água e saneamento, ISO 14.000, indicadores de sustentabilidade, ISO 26.000, energia em todas as suas formas, além de processos de produção dos mais diversos itens industriais, como papel e celulose, e seus impactos socioambientais. E isto é apenas uma pincelada no universo de conhecimento específico onde deve transitar este profissional. A transversalidade que deve existir nas pautas ambientais presentes nos veículos de comunicação começa no jornalista.
O segundo grande desafio é a construção dos espaços editoriais onde as pautas ambientais transformam-se em matérias. Tanto em mídias especializadas, como nas mídias tradicionais. Nas redações dos grandes meios a presença da pauta ambiental ainda é escassa e, muitas vezes, inconsistente. No caso das mídias especializadas o desafio é encontrar recursos financeiros para manter os projetos editoriais em pé. O financiamento das mídias ambientais é um debate recorrente entre os editores desta área e está longe de ser resolvido. Muitas das mais importantes publicações ambientais do Brasil existem apenas por teimosia de seus editores.
Revista: A seu ver, por que as agências e anunciantes e também o Governo ainda não reconheceram o papel relevante das mídias ambientais? As mídias enfrentam problemas sérios de sustentabilidade? Qual pode ser a saída?
Adalberto Marcondes: O problema neste caso não está em relação às mídias ambientais, mas sim em relação ao modelo de financiamento da informação no Brasil, ou à falta dele. A Constituição brasileira prevê o direito à informação do cidadão brasileiro, mas não oferece a contrapartida de garantias a este direito. Existem mecanismos que de certa forma coíbem a censura, mas não existem mecanismos que garantam que uma informação relevante realmente chegue à sociedade.
O governo tem trabalhado com a perspectiva de um sistema público de informação e comunicação, reforçando muito as agências oficiais de notícias e as emissoras públicas de rádio e TV. No entanto, existe um problema de credibilidade em relação a este sistema, uma vez que quem produz esta informação tem compromissos claros com o Estado. Em teoria é possível ter um sistema de informação independente financiado pelo contribuinte, mas o Brasil está longe de ser um bom exemplo nesta área.
Por outro lado existem veículos de comunicação mantidos por organizações privadas, que se propõem a atuar como contraponto à informação pública. Alguns destes veículos prestam relevantes serviços, outros nem tanto. Bom, chegamos então às agências de publicidade e às verbas de publicidade do governo. Eu acredito que o problema está na falta de critérios para a aplicação das verbas publicitárias. Os objetivos da publicidade são, em sua maioria, antagônicos aos objetivos do desenvolvimento sustentável.
Empresas e governos deveriam reservar parte de seus recursos de publicidade para uma aplicação com juízo de valor sobre os conteúdos que estão financiando para a sociedade. Isto quer dizer que as mídias que receberiam o recurso seriam avaliadas pela qualidade e relevância de sua produção jornalística em relação a objetivos consistentes de desenvolvimento de longo prazo. Um exemplo seriam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que são bastante abrangentes sob o ponto de vista socioambiental e dentro do tripé da sustentabilidade: ambiental, social e econômico.
Com estes recursos muitas das mídias que hoje atuam com estas pautas, mas são economicamente frágeis, poderiam se estruturar profissionalmente e fortalecer o conhecimento social sobre os impactos e qualidades das ações voltadas para a sustentabilidade.
Revista: Como você avalia a contribuição das escolas de comunicação para a formação dos futuros jornalistas e comunicadores ambientais? Elas têm feito o "serviço de casa"? O que está faltando?
Adalberto Marcondes: Meu conhecimento sobre o que está acontecendo diretamente dentro das escolas de jornalismo é um tanto restrito. No entanto, tenho contato com estudantes e com profissionais recém formados que procuram a Envolverde para realizar seus TCC ou em busca de oportunidades de trabalho. Tenho me surpreendido com a qualidade de alguns estudantes e de algumas propostas de TCC. Isto, porém, tem me parecido mais iniciativas dos próprios estudantes do que das escolas em geral.
Creio que a faculdade de jornalismo não deve ser vista de forma maniqueísta em relação a temas socioambientais. O papel da faculdade é dar ao aluno uma cultura geral abrangente e a capacidade de colher informações, processá-las e formar seu próprio juízo de valor. A especialização deve ficar por conta de cursos complementares. Como disse antes, o tema ambiental na pauta jornalística é muito mais abrangente do que um simples curso possa esclarecer. O mais importante é o profissional ter a capacidade de formar um quadro de conhecimentos e processos que lhe permita construir a transversalidade do tema ambiental. Creio que nunca antes foi exigido do jornalista tanta inteligência e capacidade de processamento de informações.
Revista: Quais as pautas relevantes mas geralmente ausentes ou pouco trabalhadas na cobertura ambiental no Brasil?
Adalberto Marcondes: As pautas estão quase todas nas mídias, o que não está é a transversalidade. A inter-relação entre os temas que mostram que a maioria das pautas tem uma vertente ambiental. A mídia ainda tende a trabalhar como se a realidade coubesse em escaninhos. Cada tema vai para uma gavetinha e é tratado separadamente. Quando fala em energia não interliga a questão entre o modelo de geração e a utilização da energia e seus processos de geração, assim como os impactos socioambientais que provocam.
Nesta linha está em debate hoje a necessidade futura de energia no Brasil para o crescimento econômico. Neste quesito as restrições de caráter ambiental estão sendo tratadas como um "entrave ao desenvolvimento", mas não se discute que modelo de desenvolvimento é este que precisa de cada vez mais energia, a ponto de precisar pagar um preço ambiental cada vez mais exorbitante. Ou seja, OK, vamos precisar de energia, mas, para quê? Esta resposta genérica "para o desenvolvimento", não pode ser aceita sem questionamentos. É preciso decompor o uso desta energia em suas diversas utilizações e ver se a sociedade precisa ou quer estes usos.
O modelo de desenvolvimento está no cerne da questão ambiental e os jornalistas ainda não estão, em grande parte, preparados para questionar este modelo. Então, se há pautas relevantes que estão fora da mídia, são as que questionam de forma consistente o modelo de desenvolvimento que vem sendo mantido e estimulado no Brasil e no restante do mundo, baseado na produção cada vez maior de energia e o uso imoderado de recursos naturais e estimulado por demandas fictícias de necessidades de consumo.
Revista: Como conciliar o jornalismo e o marketing ambiental sem que o primeiro abra mão da independência e do seu espírito crítico?
Adalberto Marcondes: Este é um ponto delicado, onde a objetividade perde-se em um labirinto de passionalidade, passivos e interpretações. O que precisamos compreender aqui são os motivos das empresas. A principal e mais relevante motivação de uma empresa é o lucro. As empresas que não se movem nesta direção são vistas como anomalias do sistema e tendem a ser excluídas, não importa os serviços de valor agregado que possuam.
Neste ponto da história, no entanto, muitas empresas estão percebendo que o lucro pode cessar no médio e longo prazo. Esta percepção faz com que mudem sua atuação presente. Mas não apenas por isso. Os maiores investidores nas bolsas de valores globais neste momento são os grandes fundos de pensão. Estes fundos têm uma percepção do lucro espalhado no tempo, porque têm como obrigação garantir que uma senhora atualmente com 70 anos receba sua pensão até os 94, quando o benefício poderá se extinguir por morte ou ainda ser entendido para algum dependente. Ou seja, não importa mais o lucro rápido e carregado de riscos. É melhor o lucro seguro, espalhado no tempo e sem passivos de nenhuma ordem, seja ambiental, trabalhista ou qualquer outro.
Portanto, por mais desconfiança que tenhamos a respeito das motivações das empresas, temos também de reconhecer que estamos em um momento histórico de transição. A maior parte das grandes empresas globais surgiram a partir da segunda metade do século XX. São, portanto, muito novas sob o ponto de vista histórico. Chegaram até aqui em uma ferrenha disputa por acumulação de capital. Bom, agora precisam parar de agir como adolescentes imortais e precisam olhar para o futuro, como fazem todos os adultos. Mas a maturidade não chegou para todos e nem garante uma homogeneidade de olhar.
Voltando ao marketing. Existem empresas interessadas em vender imagem, marketing puro e simples. Outras estão construindo reputação. Mais duradoura e valiosa. Como isto interfere nas mídias onde elas colocam seus anúncios, depende da reputação de cada veículo.
Revista: Quais os planos da Envolverde para 2007 e para o futuro?
Adalberto Marcondes: A Envolverde nasceu em 1995 apenas para apoiar um projeto de comunicação, o Terramérica, realizado em toda a América Latina pelo Pnuma e Pnud. Lá se vão 12 anos de seu surgimento informal, 11 anos de sua formalização como empresa e 10 anos de sua existência na internet. Neste tempo todo trabalhamos para encontrar um modelo de negócios e nosso rumo editorial. 2006 foi um ano de consolidação de alguns de nossos rumos, conquistamos o Prêmio Ethos de Jornalismo, e estruturamos melhor nosso formato de atuação jornalística. Isso se somou ao sucesso do 1º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que realizamos em outubro de 2005. De certa forma nos deu a dimensão da relevância do trabalho que nossa pequena equipe realiza.
Sob o ponto de vista de estruturação da empresa, uma espada foi retirada de cima de nossas cabeças no final de 2006. Carregávamos o passivo de uma multa da prefeitura de São Paulo pelo não recolhimento de ISS, tributo em relação ao qual a Envolverde tem imunidade constitucional. Conseguimos provar isto na Justiça e todas as pendências sobre a empresa foram removidas. Isto nos deu muito mais tranqüilidade para planejar as ações que serão desenvolvidas em 2007, e são muitas. Sob o ponto de vista de produto, a Envolverde vai lançar no primeiro trimestre o Monitor Envolverde da Mídia - Meio Ambiente, RSE e Desenvolvimento Sustentável. É um serviço que monitora a presença destes temas nos 60 principais jornais e revistas de todos os estados brasileiros. Será uma importante ferramenta para quem precisa de um olhar atento sobre os temas abordados, mas também uma radiografia de como a mídia está tratando estes temas no dia a dia.
A Envolverde consolida, também, sua vocação de capacitação de profissionais de comunicação para a atuação em pautas socioambientais. Em 2006 organizamos a capacitação de profissionais para a cobertura da COP 8 em Curitiba e este ano estamos organizando o 2º Fórum Paulista de Jornalismo Ambiental. Para trabalhar com os temas relacionados à capacitação profissional estamos criando o Instituto Envolverde, uma OSCIP que terá como missão o desenvolvimento do jornalismo pela sustentabilidade.
Como mídia, a Envolverde quer continuar a merecer a confiança de cada vez mais leitores. Hoje são 52 mil assinantes que recebem diariamente nosso boletim "Manchetes de Hoje" e Mais de 80 mil sites que reproduzem nosso material, já que trabalhamos a maior parte de nossos textos com direitos autorais livres (copyleft).
Temos 2 milhões de acessos totais ao site por mês e devemos migrar o site para o portal IG, o que nos dará um pouco mais de visibilidade entre os leitores brasileiros.
Revista: Fale um pouco sobre a proposta da contribuição cidadã e como as pessoas ou organizações podem participar desta campanha.
Adalberto Marcondes: Uma de nossas grandes dificuldades ao longo de todos estes anos sempre foi encontrar um modelo de financiamento para o nosso trabalho. Como a Envolverde tem como meta primária a democratização da informação, não dava para restringir o acesso ao site e cobrar por senhas, este tipo de coisa. No entanto, cada vez mais percebíamos que nosso maior "capital" são os leitores, pessoas e organizações que têm na Envolverde uma fonte de informação e conhecimento relevante.
No final de 2006 decidimos que este valor intangível dos serviços prestados pela Envolverde precisava ter um preço. Mas como fazer? Então criamos o conceito da Assinatura Cidadã, onde cada leitor coloca o preço que ele acredita ser justo dentro dos benefícios que recebe e que cabe em seu orçamento. O simples fato de preencher nosso cadastro e dar sua opinião sobre o site, mesmo que não possa oferecer uma contribuição financeira, já é o reconhecimento do valor de nosso trabalho.
Pessoas e organizações podem entrar no site da Envolverde e preencher um formulário de Assinante Cidadão e decidir com quanto desejam contribuir. É muito simples e nos ajuda a manter nossa estrutura funcionando. A maioria das mídias ambientais que atuam no Brasil enfrenta permanentes dificuldades em financiar suas operações, e a Envolverde não foge à regra.
Revista: O jornalismo ambiental no Brasil tem futuro? Que aspectos positivos podemos destacar na área nesse momento e que poderão contribuir para um futuro melhor ?
Adalberto Marcondes: O jornalismo está em um dos melhores momentos de sua história. Temos tecnologias fantásticas para a difusão de notícias e informações, como a internet e as Novas tecnologias de informação digital no rádio e na televisão. Pela primeira vez o jornalista pode realmente ser um profissional liberal e exercer sua profissão da forma como melhor lhe convier.
A multiplicação dos canais de comunicação dá ao jornalista um horizonte de permanente desafios. Mas, assim como em outras carreiras, acabou a era da segurança da carteira assinada. O jornalista também deve enfrentar este mundo mutante, que deixou um modelo industrial para trás e ainda não se consolidou de fato como um modelo de sociedade da informação. A informação e o conhecimento ainda não encontraram uma maneira eficiente de se valorar.
O jornalista tem neste cenário de Sociedade da Informação uma vantagem competitiva decisiva: ele está preparado para lidar com a informação. A internet rompeu com todas as fronteiras do planeta e é um dos dois principais ambientes da batalha da informação: TV e a Internet.
A parcela da sociedade global que se utiliza da linguagem escrita para obter informação tem na internet seu habitat. Os visuais ficam com a TV. De qualquer forma, quem está preparado para trabalhar com informação são os jornalistas. Que sorte a nossa viver para presenciar este salto da humanidade. É quase como ser um dos pioneiros que andaram de trem ou de navios a vapor. Mas tudo isto são apenas ferramentas para se trabalhar. Precisamos saber que modelo de desenvolvimento queremos. A enxada não decide o cultivo.
Adalberto Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, uma referência na área em nosso país. Nesta entrevista, ele fala sobre os desafios e o futuro do jornalismo ambiental, resgata um pouco da trajetória e dos planos da sua empresa e define formas de financiamento às mídias ambientais. Reforça o papel fundamental da Web na divulgação e no debate das questões ambientais.
O jornalista Adalberto Wodianer Marcondes é graduado pela ECA-USP e tem especialização em Ciências Ambientais. A maior parte da carreira na grande imprensa foi dedicada ao jornalismo econômico, passou pelas redações das agência France Presse, Dinheiro Vivo e Estado, atuou nas revistas IstoÉ, Exame e Dirigente Industrial, e nos jornais Gazeta Mercantil e DCI. Desde 1995 dedica-se ao jornalismo ambiental através da Agência Envolverde. Foi fundador e é atual coordenador da EcoMídias - Associação Brasileira de Mídias Ambientais, é moderador de Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais e membro do Grupo de Trabalho em Comunicação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Foi responsável pela coordenação do 1º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que aconteceu na cidade de Santos, em 2005.
(Portal do Meio Ambiente, 29/05/2008)