Quase 200 países acertaram na sexta-feira (30) a suspensão do projeto de acrescentar nutrientes aos oceanos para combater o aquecimento global ao incentivar o crescimento de algas que absorvem gás carbônico. O acordo inesperado surgiu 12 dias depois de discussões travadas em uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) chamada Convenção sobre Diversidade Biológica. O Brasil, a Austrália e a China opuseram-se à adoção da medida, barrando o polêmico plano da "fertilização dos oceanos".
Os adversários da idéia argumentam que o processo pouco testado implica riscos desconhecidos que poderiam ameaçar a vida marinha ao tornar os oceanos, por exemplo, mais ácidos. Os defensores do plano dizem que ele poderia representar uma nova arma na luta contra o aquecimento global. O ministro alemão do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel, que presidiu as negociações, anunciou o acordo no último dia da conferência, em meio à qual cerca de 5.000 delegados de 191 países tentaram chegar a um consenso sobre formas de proteger a vida animal e vegetal em terra firme.
"Trata-se de uma idéia muito estranha a de que a tecnologia pode solucionar tudo. Isso é muito arriscado e mostra o que os seres humanos estão dispostos a fazer. Fico feliz com o fato de termos chegado a uma moratória de fato", afirmou o ministro a repórteres. Durante a conferência, delegados e ambientalistas declararam por diversas vezes que as ações da humanidade e a emissão de gases do efeito estufa provocavam o mais grave surto de extinção de seres vivos desde que os dinossauros desapareceram da face da Terra, 65 milhões de anos atrás.
Três espécies desaparecem a cada hora, afirmaram. Esse fato possui graves consequências econômicas e serviu para aumentar ainda mais a inquietação gerada pelo recente e acentuado aumento do preço dos alimentos -- especialistas afirmam que a fauna e a flora selvagens são essenciais para a sustentabilidade de longo prazo das safras. Segundo Gabriel, a conferência havia tido sucesso ao colocar a questão da biodiversidade na agenda política de vários países. Na opinião de ativistas, no entanto, o progresso nessa área caminha de forma lenta demais.
Lesma
"A cúpula de biodiversidade da ONU avança de centímetro em centímetro como uma lesma, e isso enquanto os animais e as plantas vêm sendo eliminados a uma grande velocidade", disse Martin Kaiser, chefe da delegação do Greenpeace no encontro, realizado em Bonn. A moratória sobre o plano de fertilização dos oceanos representava uma das poucas áreas em que algum tipo de medida foi adotado.
Os delegados aprovaram um documento que, segundo disseram, seria repassado à Convenção de Londres para oferecer diretrizes a respeito da questão da fertilização. A Convenção de Londres, que regulamenta o despejo de materiais nos mares, diz que a fertilização dos oceanos só deveria ser iniciada quando os cientistas conseguirem determinar melhor o impacto dessa medida.
Várias empresas tentam desenvolver a idéia, e a Climos, dos EUA, avalia a possibilidade de colocar enchimentos de ferro nos oceanos a fim de incentivar o crescimento das algas.
Entre as outras possibilidades aventadas, inclui-se a de adicionar à água grandes quantidades de nitrogênio, um ingrediente usado em muitos fertilizantes para o solo. Um risco citado é o de que o dióxido de carbono acrescentado aos mares os tornará mais ácidos, fazendo com que ostras, caranguejos e lagostas tenham maior dificuldade para formar suas carapaças protetoras.
Isso tornaria esses animais mais vulneráveis à ação de predadores e interromperia a cadeia alimentar dos oceanos. "Parece que houve um reconhecimento dos riscos envolvidos na reengenharia dos oceanos e do fato de que isso poderia criar um precedente perigoso. Alguns delegados ficaram horrorizados ao ouvir a respeito desse plano", disse à Reuters Pat Mooney, da entidade ambientalista ETC Group.
(Estadão Online, Ambiente Brasil, 31/05/2008)