Em tempos de aquecimento global e mudanças climáticas, a temperatura aumentou mais que o normal na reunião que durou a tarde toda, na sexta-feira, na Comissão Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre (Comam). O motivo foi a presença de representantes da Aracruz Celulose e da Fepam, que foram explicar a licença prévia concedida para a quadriplicação da fábrica, em Guaíba, e detalhes da implementação da obra. O maior temor é com relação à chuva ácida, poluição do ar e da água do Lago Guaíba, que podem afetar quase dois milhões de habitantes da cidade-sede e da capital.
Estava presente Antenor Pacheco, diretor do Semapi, sindicato dos servidores das fundações estaduais, e presidente da Associação dos Servidores da Fundação Estadual de Proteção Ambiental, a Fepam. Ele denunciou perseguições aos técnicos – duas engenheiras químicas, uma meteorologista e uma bióloga, que deram pareceres contrários ao licenciamento da fábrica, pela falta de muitas informações nos documentos de Estudos de Impacto Ambiental e erros muito graves, segundo eles, nos modelos matemáticos que calculam impactos dos poluentes sobre a água do Lago Guaíba e o ar que respiram guaibense e portoalegrenses.
A intervenção de Pacheco e da representante da Fundação Gaia, Káthia Vasconcelos, que apontou o sucateamento da Fepam – boa parte dos equipamentos de monitoramento da qualidade do ar estão quebrados, segundo ela – provocou a irritação, por três vezes, da diretora técnica da Fepam, Maria Elisa Rosa. “Eu não vou discutir isso aqui, esse não é o lugar adequado para se discutir essas questões”, reagiu. Mas foi contestada por Káthia e Pacheco, que apontaram o interesse público envolvido no debate e o comprometimento do meio ambiente que estaria acontecendo em função da atual gestão do órgão.
Chuva Ácida
Com a coordenação do supervisor da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Maurício Fernandes da Silva, a reunião teve a presença de diversas ONGs, um representante da Aracruz, que apresentou o plano de expansão da fábrica, além do pessoal da Fepam. Empresa e Fundação foram convidados a comparecer no Comam em função da denúncia publicada pela EcoAgência de que a Licença Prévia da Aracruz, entre outras estranhezas, fixou limites para poluentes bem acima do permitido na legislação federal.
A Resolução 382 de 2006 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) fixa parâmetros máximos de emissão de poluentes para 13 tipos de atividades econômicas, entre elas a fabricação de celulose e papel (anexo VII). A Fepam descumpriu, no documento que permite à empresa tocar o projeto adiante, os limites para dióxido de enxofre e óxidos nitrosos na caldeira de recuperação, um dos equipamentos da fábrica que emitem gases poluidores do ar.
Eles provocam chuva ácida, devastação da vegetação, comprometimentos dos pulmões, abrindo caminho para outras doenças, e irritações na pele e nos olhos. A chuva ácida é capaz de se deslocar centenas ou milhares de quilômetros pelos ventos. O Brasil, inclusive, já foi acusado de “exportar” essa poluição para o Uruguai, com as emissões da usina termelétrica de Candiota, no Rio Grande do Sul.
Um Erro
O chefe da divisão de controle de poluição industrial da Fepam, Renato das Chagas e Silva, disse que houve um erro na licença prévia e que foi emitida uma nova LP, corrigindo os parâmetros conforme a Resolução do Conama. E assumiu pessoalmente a responsabilidade: “Foi um erro, isso a Fepam assume, eu errei”, admitiu, garantindo que isso foi corrigido num novo documento.
“As exigências (da nova licença prévia) são as que se aplica para essa atividade, se nós pegarmos a realidade da planta que a Aracruz tem hoje e a que ela terá após a ampliação, haverá um ganho a nível de tecnologia e de redução de emissões considerável”, declarou. Uma novidade foi o anúncio da Aracruz de que na nova unidade poderá deixar de usar o carvão que utiliza na Caldeira de Força ou, então, vai adotar um filtro especial que reduziria em 90% as emissões de poluentes desse equipamento.
O diretor do Sindicato, no entanto, afirma que muita coisa ficou sem explicação, principalmente no que diz respeito aos modelos matemáticos que medem a poluição do ar e da água e ao desmantelamento da Fepam. “Esse debate é muito sério para a sociedade, inclusive já entramos no Ministério Público pedindo a suspensão da licença prévia, com base nos pareceres dos técnicos que analisaram o EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental) e que disseram que o mesmo é de qualidade inaceitável”, disse Antenor Pacheco.
Diante das dúvidas que restaram, os participantes decidiram que o Conselho Municipal de Meio Ambiente realizará uma reunião extraordinária, apenas para discussão deste assunto, com participação novamente da Fepam, Aracruz e outros convidados, especialistas no assunto. Por sugestão do vereador Beto Moesh (PP), que até poucos dias era o secretário do Meio Ambiente, também será estudada a possibilidade de uma audiência pública em Porto Alegre.
(Por Ulisses Nenê, EcoAgência, 30/05/2008)