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grupo ebx/eike batista passivos da mineração
2008-05-30

Quando a ex-primeira-dama da França Daniele Mitterand foi pela segunda vez a Conceição do Mato Dentro, no interior de Minas Gerais, o termômetro beirava os 40 graus. Era fevereiro de 2005, e o clima abafado da cidadezinha mineira, hoje com cerca de 18 mil habitantes, não permitiu que madame Mitterand mantivesse a agenda programada. Antecipou sua partida, mas não perdeu a viagem.

Sua visita foi decisiva para que Conceição conseguisse da Unesco o título de reserva mundial da biosfera. Na esteira do reconhecimento internacional, a cidade pôde se firmar como a “capital do ecoturismo” no estado, por conta das cachoeiras, nascentes e trilhas que marcam sua paisagem, encravada na Serra do Espinhaço, divisor de duas bacias hidrográficas de primeira grandeza, a do rio São Francisco e a do rio Doce.

Terra de muitas águas – principal preocupação da ambientalista francesa, viúva do ex-presidente François Mitterand –, mas também de muito minério de ferro. Um bilhão de toneladas, calculam os especialistas, o suficiente para atrair a atenção de uma das maiores mineradoras do mundo, a Anglo American, e a brasileira MMX, do empresário Eike Batista, prestes a iniciar ali um projeto bilionário, também no sentido financeiro, de extração de minério para exportação.

Nos planos da gigante mundial, hoje sócia majoritária no negócio, um mineroduto de 553 quilômetros, cuja licença foi dada pelo Ibama, de Minas até o porto de Açu, atualmente em obras na cidade de São João da Barra, no Rio de Janeiro, de onde a produção seguirá para ser processada em siderúrgicas nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Batizado de MMX Minas-Rio, o projeto escoará aproximadamente 26,5 milhões de toneladas de minério por ano.

Com o aval do governador Aécio Neves, o empreendimento segue adiantado, antecipando-se às licenças ambientais para a mineração, o que causa arrepios em donos de pousadas e ambientalistas locais, preocupados com o impacto negativo que um investimento desse porte poderá trazer à região. Para estes, mineração e ecoturismo não são uma rima, muito menos uma solução para a cidade, uma das mais pobres do estado.

Embalados pelo aquecimento da economia local decorrente das obras de prospecção, comerciantes locais – inclusive os donos dos hotéis e pousadas voltados para o chamado turismo de negócio – consideram que ao menos até aqui os ganhos superam em larga medida as perdas. A prefeitura considera que fez bom negócio, ao retardar o ‘sim’ ao projeto e com isso aumentar seu poder de barganha. Em 10 anos, a população de Conceição deverá passar dos 25 mil habitantes, o que também não será ruim para os negócios ou para os cofres da cidade.

O mesmo não diz quem vive de oferecer apenas o contato com a natureza, o silêncio e a quietude mineira. “Depois do anúncio da chegada da mineradora, tivemos uma boa baixa. No feriado de Corpus Christi do ano passado, eu repassava vagas a pousadas vizinhas. Este ano estou com vagas em aberto”, lamenta Sérgio Taets, proprietário da Pousada Gameleira, a 19 quilômetros da cidade.

“Os empresários tinham que se unir mais. Por estar havendo um fluxo semanal, eles não se preocupam com o futuro. Há uma diferença muito clara entre o turismo de negócio e o ecoturismo”, alerta Taets.

O prefeito de Conceição do Mato Dentro, Sebastião Soares dos Santos (PSDB), demorou para assinar a Declaração de Conformidade com o Empreendimento, fundamental no processo de licenciamento ambiental. Conseguiu que 450 mil reais fossem aplicados na recuperação do único hospital da cidade, que estava em estado crítico. Também obteve a reforma de um colégio, a ser transformado em sede do Senai, para capacitação de mão de obra. Com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ruim, o 665º entre os 853 municípios mineiros, acordos como esse são uma tentativa de reverter o quadro.

“Foi um ato pioneiro no Estado. Ao demorar para dar o aval, a prefeitura conseguiu garantias da empresa”, reconhece a superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), Maria Dalce Ricas, referindo-se a um protocolo de intenções com 54 itens assinado por ambos. Ela critica, contudo, a maneira como a empresa coordenou obras e licenças.

Para o sistema MMX Minas-Rio funcionar plenamente, só falta o licenciamento para as jazidas de Conceição do Mato Dentro. O mineroduto e o porto estão em estágios mais avançados, e não fazem sentido sem o minério da cidadezinha. “O processo é ruim, pois discutimos sobre fato consumado. Por isso, consideramos que a emissão da licença é praticamente irreversível”, avalia Ricas, que não se posiciona contra o empreendimento. Como a prefeitura, espera que o diálogo com a empresa traga também ganhos ambientais à região. “Claro que haverá impactos negativos, pois são 2 mil hectares ocupados. A empresa anunciou que criará uma reserva particular de patrimônio natural, esperamos que tenha no mínimo 20 mil hectares”, afirma.

A superintendente da associação é cética quanto à situação das serras que são reserva da biosfera e têm pontos de interesse como a cachoeira do Tabuleiro, terceira maior do País, com 273 metros de altura. “O reconhecimento da Unesco nos deu projeção, mas o título não foi além desse destaque. Na prática, a Serra do Espinhaço continua sujeita aos mesmos danos. E a mineração ambientalmente responsável não é o maior flagelo ambiental de Minas Gerais”, avalia. Ela menciona as atividades minerais irregulares e sem fiscalização, “um verdadeiro saque”, os incêndios criminosos, o pisoteio de gado e o desmatamento causado pela extração de madeira para fornecer carvão vegetal a mineradoras como os principais problemas da região.

Envolvida no processo de licenciamento, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) constituiu uma equipe multidisciplinar para tratar do assunto. Como o potencial poluidor é considerado alto pela Semad, a secretaria tem um ano para emitir o parecer, prazo que expira em três meses e meio. O parecer final da Semad será apreciado pelo Conselho de Política Ambiental (Copam), formado por integrantes de órgãos estaduais e de organizações civis, que pode decidir contra ou a favor do entendimento da Secretaria.

Ilmar Bastos Santos, subsecretário de Gestão Ambiental Integrada da Semad, garante que a aprovação do mineroduto, pelo Ibama, não terá interferência na avaliação das minas. Santos hesita a mencionar as irregularidades cometidas até aqui nas perfurações para pesquisa do subsolo. Entre abril e maio de 2007, houve denúncia de crimes ambientais cometidos pela MMX, como avançar sobre a mata nativa e não recuperar as áreas atingidas. A empresa foi obrigada a interromper as atividades e só as retomou após assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC).

O diretor-executivo da MMX, Adriano Vaz, atribui as irregularidades à empresa terceirizada que fazia o serviço à época, Geosol. “Havia procedimentos errados, mas fomos notificados e consertamos. Recentemente não houve mais notificações”, diz. “Somos uma empresa bastante ousada. Teoricamente, teríamos que aguardar o licenciamento de todos os projetos para iniciar as obras, mas isso teria um impacto gigantesco no cronograma da obra. O Brasil não pode prescindir de um negócio desse porte. Nós trabalhamos na expectativa de que a licença saia. Uma vez aprovada, vamos trabalhar juntos com a sociedade e com o governo.”

Parcela da sociedade já se mobiliza em sentido contrário aos interesses das mineradoras. Até o momento a empresa realizou a perfuração do solo em mais de 300 pontos, para estudar onde estão as melhores jazidas, objeto de análise por parte do Ministério Público Estadual. Na segunda-feira, 19, a partir de uma ação civil pública do promotor André Luis Arantes, foi concedida liminar suspendendo a autorização para exploração dada à MMX. Também ordenou a vistoria de todas as 343 perfurações, a serem feitas por um perito judicial.

Ruim para o andamento do cronograma empresarial, a decisão certamente dará um alívio à turma de Daniele Mitterand.

(por Phydia de Athayde, Carta Capital, 28/05/2008)



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