Por anos, cientistas tiveram uma idéia para domar o aquecimento global. Eles queriam pegar o dióxido de carbono emitido pelas usinas elétricas a carvão e bombeá-lo de volta ao solo. O presidente Bush é a favor e, de fato, passou anos falando das virtudes do "carvão limpo". Todos os três candidatos presidenciais a sucedê-lo defendem essa abordagem. Assim como muitos membros do Congresso. As empresas de carvão são a favor. Muitos ambientalistas são a favor. Executivos de companhias elétricas estão praticamente implorando pela tecnologia.
Mas ficou claro nos últimos meses que o esforço do país para desenvolver a técnica está muito atrasado. Em janeiro, o governo cancelou seu apoio àquele que supostamente seria um projeto vitrine, uma usina em local cuidadosamente escolhido, no Estado de Illinois, onde havia carvão, acesso à rede elétrica e tipo de solo que aqueles que apóiam a idéia disseram que poderia prender o dióxido de carbono por eras.
Talvez ainda pior, nos últimos poucos meses, projetos na Flórida, Virgínia Ocidental, Ohio, Minnesota e no Estado de Washington, que facilitariam a captura do dióxido de carbono, foram cancelados ou arremessados em um limbo regulatório. "É uma confusão total", disse Daniel M. Kammen, diretor do Laboratório de Energia Renovável e Apropriada da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
"O carvão teve um ano difícil", disse John Lavelle, chefe de uma divisão da General Electric (GE) que produz equipamento para processamento de carvão em uma forma a partir da qual o carbono pode ser capturado. Muitos destes projetos foram atrapalhados pela pressão de curto prazo dos custos crescentes de construção. Mas cientistas dizem que o resultado, a menos que a situação possa ser revertida, será um desastre a longo prazo.
Os planos para combate do aquecimento global geralmente presumem que a continuidade do uso do carvão por usinas elétricas é inevitável por pelo menos várias décadas. Portanto, a partir de 2020, as previsões são de que o dióxido de carbono emitido pelas novas usinas elétricas terá que ser capturado e armazenado no subsolo, para reduzir a quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera. Mas, por mais simples que a idéia possa soar, pesquisa considerável ainda é necessária para assegurar que a técnica é segura, eficaz e de preço acessível.
Os cientistas precisam imaginar que tipo de formações rochosas e de solo são as melhores para absorver o dióxido de carbono. Eles precisam assegurar que o gás não escapará de volta para a superfície. Eles precisam encontrar os projetos ideais para as novas usinas elétricas para que possam cortar custos. E algumas questões legais complexas precisam ser resolvidas, como quem será responsabilizado caso um projeto polua os lençóis freáticos ou cause danos longe da usina elétrica.
Grandes corporações sentem a possibilidade de um novo negócio lucrativo, e a GE assinou uma parceria na quarta-feira com a Schlumberger, empresa de serviços para campos de petróleo, para promover a tecnologia de captura e seqüestro de carbono.
Mas apenas um punhado de projetos pequenos sobrevivem e os recentes cancelamentos significam que grande parte deste trabalho está suspenso, gerando dúvidas sobre se a técnica estará pronta antes das próximas duas décadas. E sem ela, "nós não teremos muita chance de estabilizar o clima", disse John Thompson, que supervisiona os trabalhos na área para a Força-Tarefa do Ar Limpo, um grupo ambiental.
O temor é de que as companhias elétricas, carentes de técnicas químicas comprovadas para captura do dióxido de carbono e métodos comprovados para bombeá-lo para o subsolo, construirão a próxima geração de usinas a carvão usando a tecnologia existente. Isso asseguraria o lançamento de vastas quantidades de gases do aquecimento global na atmosfera por décadas.
O fracasso de maior destaque envolveu um projeto conhecido como FutureGen, que o próprio presidente Bush anunciou em 2003: um consórcio de companhias elétricas, com subsídios do governo, construiria uma usina em Mattoon, Illinois, para testar as técnicas mais avançadas para conversão do carvão em um gás, captura dos poluentes e queima do gás para obtenção de eletricidade. O dióxido de carbono seria comprimido e bombeado para o subsolo em camadas profundas do solo. Aparelhos de monitoramento testariam qualquer escape do gás para a atmosfera.
Mas em janeiro, o governo se retirou após os custos projetados terem quase dobrado, para US$ 1,8 bilhão. O governo temia que os custos subiriam ainda mais. Um esforço bipartidário está em andamento no Capitólio para salvar o FutureGen, mas o projeto está respirando por aparelhos.
"O FutureGen precisa ser construído", disse Thompson. Para Clarence Albright Jr., subsecretário do Departamento de Energia, o governo teve que mudar sua posição, para "limitar a exposição do contribuinte à escalada do custo". Tentando se recuperar, o Departamento de Energia está tentando fechar um acordo com uma companhia elétrica que já esteja planejando uma nova usina. O governo ofereceria subsídios para adição de uma área da usina dedicada à captura e injeção de dióxido de carbono, desde que a companhia elétrica arque com grande parte do risco dos estouros de orçamento.
Não se sabe se alguma companhia elétrica concordaria com um acordo desses. As companhias elétricas, de fato, estão ocupadas evitando usinas elétricas a carvão de todo tipo, em meio ao aumento dos custos e pressão política. Os executivos do setor elétrico dizem não ter conhecimento de alguma usina que se qualificaria para um subsídio do Departamento de Energia enquanto o projeto é desenvolvido.
Mais preocupante para os especialistas em aquecimento global, as companhias elétricas começaram recentemente a abandonar seus compromissos com um tipo de usina há muito vista como útil, um passo intermediário na direção de um carvão mais limpo.
Em usinas deste tipo, o carvão seria gaseificado e poluentes como mercúrio, enxofre e fuligem seriam removidos antes da queima. As usinas seriam altamente eficientes e emitiriam menos dióxido de carbono para um volume determinado de eletricidade produzida, mas elas não injetariam o dióxido de carbono no solo.
Duas usinas de gaseificação de carvão estão operando nos Estados Unidos, na Flórida e em Indiana, mas estas primeiras usinas, construídas nos anos 90, são atormentadas por problemas técnicos e altos custos. As companhias elétricas, na esperança de consertar os problemas, anunciaram planos de seguir em frente com outras usinas na Flórida, Indiana, Texas, Virgínia Ocidental, Minnesota, no Estado de Washington e Ohio.
Muitos cientistas viam esta tecnologia como a próxima geração de usinas elétricas -e as consideravam um passo crucial à frente, já que permitiriam aos engenheiros resolverem as falhas com a gaseificação do carvão ao longo dos próximos poucos anos, bem a tempo de uma geração de usinas elétricas nos anos 2020, que incorporariam tanto o carvão gaseificado quanto a captura de dióxido de carbono.
Mas ao longo do ano passado, as companhias elétricas cancelaram a maioria de seus projetos de gaseificação, às vezes sob pressão dos reguladores estaduais do setor elétrico, preocupados com a escalada dos custos de construção. Em todo o mundo, a alta dos preços do aço, cobre e outros materiais estão pressionando para cima os custos de construção.
Até mesmo este passo intermediário para um carvão mais limpo está estagnado. Mas a situação não está perdida. Uma nova proposta de gaseificação sobrevive nos Estados Unidos, a da Duke Energy para uma usina em Edwardsport, Indiana. O projeto poderá no final incluir equipamento para capturar 20% a 50% de seu carbono e injetá-lo no solo.
Em Wisconsin, engenheiros estão testando um método que poderá permitir a instalação de maquinário para captura de dióxido de carbono nos fundos de usinas elétricas convencionais; Suécia, Austrália e Dinamarca estão planejando testes semelhantes. E engenheiros alemães estão explorando outra possibilidade, uma que envolve a queima de carvão em oxigênio puro, o que produziria uma emissão limpa de gases que poderia ser injetada no solo.
Mas nenhum projeto está em estágio avançado, e ainda não se sabe se as técnicas para captura e armazenamento de dióxido de carbono estarão disponíveis a tempo.
O Instituto de Pesquisa de Energia Elétrica, um consórcio do setor elétrico, estimou que levará até 15 anos para ir do início de uma usina piloto até provar o funcionamento da tecnologia. O instituto estabeleceu uma meta de ter os testes em grande escala concluídos até 2020. "Há um ano, esta era uma meta agressiva", disse Steven R. Specker, presidente do instituto. "Um ano se passou, de forma que agora é uma meta ainda mais agressiva."
(Por Matthew L. Wald, The New York Times, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 30/05/2008)