93 cidades que ficam na fronteira da Amazônia escapam de restrições para empréstimos por terem territórios no cerrado e no Pantanal
Resolução do BC vinculou crédito rural à regularidade ambiental das fazendas na tentativa de conter ritmo do desmatamento na região
Propriedades instaladas numa área de 155 mil km2 na fronteira do bioma Amazônia escaparam das restrições para tomar empréstimos bancários impostas na tentativa de conter o ritmo acelerado das motosserras na Amazônia. A exclusão dessa área -correspondente a menos de 4% do território atingido pelas medidas de combate ao desmatamento- será anunciada hoje, em Belém, pelo novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
A portaria de Minc será apresentada como uma resposta à pressão do agronegócio contra medidas de combate ao desmatamento. Mas não atenderá às reivindicações do setor, encampadas pelo Ministério da Agricultura, apurou a Folha.
Em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), pede mudanças na resolução 3.545 do Banco Central, que vinculou a concessão de crédito rural às atividades agropecuárias à regularidade ambiental das propriedades. A regra entra em vigor em julho.
"Mantida a restrição ao crédito, nos moldes previstos na resolução, milhares de produtores que estão sendo convocados a regularizar suas propriedades estarão impedidos de acessar o crédito rural já nos próximos meses, o que representará grave prejuízo ao nosso Estado e, conseqüência, ao país", diz, na carta. O texto fala em risco de "estrangulamento e paralisação" do agronegócio.
Apesar de não agradar totalmente a Maggi, a medida a ser anunciada hoje foi determinada pelo presidente Lula como uma forma de tentar acalmá-lo. Ela já estava em estudo antes de Marina Silva deixar o ministério, mas estava sendo retida pela equipe da petista.
Lula foi informado pelo BC de que, se não houvesse uma portaria esclarecendo o caso, vários produtores rurais que não se encaixam nas restrições ficariam sujeitos a elas. Entre as reclamações de Maggi, essa era apenas uma delas.
A resolução do BC, aprovada em fevereiro pelo Conselho Monetário Nacional, regulamenta uma das principais medidas de combate ao desmatamento editadas por Lula.
A norma do BC determina o bloqueio ao crédito aos produtores que não tenham cadastro da propriedade, não comprovem a obediência à legislação ambiental ou que tenham feito desmatamento ilegal.
O alvo da resolução foram os 557 municípios que integram o bioma Amazônia. No entanto, 93 desses municípios, na fronteira do bioma, têm parte de seus territórios no cerrado e no Pantanal. A maioria desses municípios está em Mato Grosso. "A portaria [do Meio Ambiente] não flexibiliza nem um milímetro a resolução do Banco Central, é apenas um esclarecimento", disse ontem João Paulo Capobianco, que comandou o ministério até terça-feira, quando Minc tomou posse da pasta. "A portaria já estava pronta, mas o Minc pediu que deixasse para ele assinar, para que não fosse entendido como flexibilização [do combate ao desmatamento]", completou.
Minc chega hoje da Alemanha e segue para a reunião com os governadores, em Belém. Segundo a Embrapa, os 93 municípios da fronteira do bioma Amazônia têm 41,2% de seu território que já não pertencem ao bioma, cujo limite é fixado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A área que escapou das restrições ao crédito, porém, é pequena em relação aos 4,2 milhões de km2 do bioma.
(Por Marta Salomon, Folha de São Paulo, 30/05/2008)