O mercado de agrotóxicos no Brasil, um dos maiores do mundo, atualmente é suprido por 44 empresas, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag). Fertilizantes, corretivos, defensivos e lodo de esgoto são fontes primárias de contaminação do solo e, conseqüentemente, da água, gerando a deposição de metais pesados e compostos orgânicos. O lodo de esgoto, particularmente, vem se disseminando como fonte alternativa de nutrientes na agricultura, devido ao alto teor de matéria orgânica, e como opção de descarte pelas estações de tratamento de esgotos.
Linha de pesquisa teve início em 2001
O professor Hiroshi Aoyama, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, coordena um projeto envolvendo a toxicidade de compostos na água desde 2001. Ele é especialista em fosfatases ácidas – enzimas que degradam fosfato orgânico e liberam fosfato inorgânico. “Este fosfato inorgânico faz a célula crescer e, por isso, a planta absorve o fosfato inorgânico do solo para o seu desenvolvimento. É um mecanismo que se repete em qualquer organismo vivo”.
Segundo o pesquisador, o estudo de algas, microcrustáceos, peixes e de bactérias, oferece informações interessantes sobre os efeitos de poluentes nesses organismos aquáticos, como por exemplo, em relação ao crescimento. “Também é possível isolar uma enzima do organismo para investigar como sua atividade está sendo afetada. Daí, nosso interesse nas fosfatases ácidas, que podem servir como biomarcadores de toxicidade em água”.
A ação tóxica direta sobre um organismo pode resultar em efeitos indiretos, como na falta de alimentos para espécies pertencentes a um nível trófico superior da cadeia. As algas, que ocorrem na superfície de todos os tipos de solo, mas com maior distribuição nas águas, constituem os principais produtores primários de compostos orgânicos de carbono. Por isso, compõem parte fundamental da cadeia alimentar nos ecossistemas aquáticos.
O professor do IB orientou a tese de doutorado de Claudio Martín Jonsson, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente de Jaguariúna há 18 anos, sempre estudando toxicologia aquática, sendo que nesta área tem avaliado os efeitos de agroquímicos e biopesticidas. Na tese, Jonsson focou a alga verde Pseudokirchneriella subcapitata (antes denominada Selenastrum capricornutum), que possui distribuição cosmopolita em solos e corpos d’água. “Escolhemos a alga por se tratar de um organismo que está na base da cadeia alimentar e também pela facilidade de cultivo desta espécie”, esclarece.
Hiroshi Aoyama informa que já existem vários estudos in vitro e in vivo relacionando enzimas de peixes – e mesmo de mamíferos – com poluentes de diversas classes. “Mas ainda faltam informações sobre a toxicidade de poluentes em outros organismos da cadeia alimentar. Já estamos estendendo as pesquisas a Daphnias, microcrustáceos que se alimentam de algas, e que vêm ocupando uma mestranda”.
Estudos in vitro
Claudio Jonsson avaliou in vitro uma lista de 30 compostos encontrados em lodo de esgoto e formulações de agrotóxicos, compreendendo os orgânicos e metais, identificando aqueles responsáveis por uma alta inibição da enzima para estudos específicos. “Testes em que o efeito sobre a enzima ocorre no tubo de ensaio são importantes para entender o mecanismo de ação tóxica dos poluentes e comparar a suscetibilidade da enzima. Também geram dados para possível elaboração de biossensores, havendo trabalhos com fosfatases de outras fontes, imobilizadas em eletrodos, a fim quantificar níveis de pesticidas”.
Aoyama afirma que os testes in vitro com a P. subcapitata levaram a um resultado inesperado em relação ao cobre, que é usado como fungicida e encontrado em resíduos industriais. “Normalmente, ele é um inibidor do sistema enzimático, mas no nosso caso o efeito foi oposto: o metal ativou o sistema, quando pré-encubado na presença da enzima. Observamos uma interação muito forte, em que o cobre protege a enzima da desnaturação térmica. Ocorrem ainda diminuições da energia de ativação e do valor da constante de Michaelis”.
Por isso, na tentativa de mimetizar os efeitos dos agentes tóxicos quanto à sua ação simultânea, os pesquisadores também se preocuparam em misturar poluentes para verificar se, juntos, apresentam efeitos aditivos, sinérgicos ou antagônicos (quando um suprime o efeito do outro). Para Claudio Jonsson, trata-se de um aspecto a ser considerado na legislação. “Os limites máximos permissíveis de poluentes na água são, quase sempre, baseados apenas no composto isolado. O lodo traz vários agentes, sendo provável que as ações combinadas de alguns deles apresentem efeito sinérgico”.
De acordo com Hiroshi Aoyama, a alteração da atividade fosfatásica pelo mercúrio poderia servir como um biomarcador, visto que este metal, contrário do cobre, inibe o sistema enzimático impedindo que a alga cresça. Apesar de seu uso estar diminuindo, ele pode estar presente em concentrações significativas no lodo. Algas e invertebrados aquáticos possuem grande capacidade de acumular o metal e transferi-lo para níveis superiores da cadeia. Os peixes também assimilam mercúrio, retendo-o em seus tecidos.
Estudos in vivo
Para estudos in vivo, conforme a explicação do docente do Departamento de Bioquímica, primeiramente se expõe a alga em concentrações conhecidas do poluente, por determinado período, e só depois se extrai a enzima para verificar se sua atividade foi alterada. É a partir de dados de ensaios in vivo que se estabelecem limites permissíveis de um poluente na água.
Claudio Jonsson ressalva, entretanto, que a legislação do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) enumera limites apenas para aproximadamente 50 compostos orgânicos, quando existem no mercado perto de 280 princípios ativos com ação praguicida. “Há um amplo campo para se pesquisar. Valores demonstrando o efeito destes compostos contribuiriam para o estabelecimento de concentrações seguras na água”.
O pesquisador da Embrapa acrescenta que os níveis máximos na legislação baseiam-se em avaliações de crescimento e de mortalidade de organismos, quando os testes de alterações enzimáticas são bem mais sensíveis, respondendo, na maioria das vezes, a menores concentrações de poluentes. “Esses agentes levam a uma perturbação na reação bioquímica do organismo. A detecção com antecedência desta perturbação possibilita adotar critérios de proteção. A alteração da atividade de uma enzima serve como um biomarcador na avaliação da saúde ambiental”.
Docente estuda enzimas há mais de três décadas
O professor Hiroshi Aoyama tem as enzimas como objetos de estudo desde o doutorado pela USP, em 1974. Nada mais natural, portanto, que seja o coordenador do Laboratório de Enzimologia abrigado no Departamento de Bioquímica do IB. Numa descrição simplória, enzimas são catalisadores biológicos, substâncias que aceleram uma reação química e sem as quais a reação ocorreria muito lentamente.
Aoyama obteve o pós-doutorado em Bordeaux (França), entre 1982 e 1984, com um estudo cinético sobre DNA polimerases e transcriptase reversa, tema com o qual continuou envolvido na Unicamp até 1998. Passou a focar as fosfatases ácidas em 1992, o que faz até hoje. Primeiramente com pesquisas acerca da purificação e caracterização cinética de fosfatases ácidas de órgãos de animais e vegetais, orientando várias teses de mestrado e doutorado. Desde 2001, vem se dedicando a esta classe de enzimas na toxicidade da água – projeto da tese doutorado defendida por Cláudio Jonsson em 2005.
Paralelamente, em colaboração com a professora Carmen Veríssima Ferreira, colega de departamento, Hiroshi Aoyama ocupa-se da proteína tirosina fosfatase na sinalização celular. “Estamos verificando, por exemplo, a participação desta classe de enzimas na ação de determinados compostos naturais no mecanismo de morte de células cancerígenas. É uma pesquisa básica, mas que no futuro pode apresentar fins terapêuticos”.
Ainda em ensaios in vivo, Hiroshi Aoyama avalia o efeito de compostos naturais, como flavonóides, na reversão do tumor de Walker em ratos, assim como na sobrevida dos animais. Constou-se que flavonóides, efetivamente, contribuem para conter o crescimento do tumor, mas o professor do IB reitera que as pesquisas são muito preliminares e que inúmeras fases ainda precisam ser superadas até que seja possível disponibilizar algum composto, como um quimioterápico.
(Por Luiz Sugimoto, Jornal da Unicamp, 29/05/2008)