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trabalho escravo
2008-05-29
Para chegar à Fazenda Bandeirante, localizada em São Félix do Xingu (PA), grupo móvel enfrentou 200 km de estrada difícil e demorou 14 horas. Empregador conseguiu retirar 15 pessoas antes da chegada da fiscalização

Terminou nesta quarta-feira (28) a operação do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que encontrou 38 pessoas submetidas à escravidão na Fazenda Bandeirante, situada num local de dificílimo acesso no município de São Félix do Xingu (PA), no sudeste paraense. Outros 15 trabalhadores que também labutavam na propriedade foram tirados do local pelo fazendeiro antes da chegada dos fiscais, no dia 17 de maio.

A manobra do empregador foi relatada por três trabalhadores que estavam entre essas 15 pessoas. Eles procuraram a equipe fiscalizatória depois do ocorrido, na cidade de São Félix, e relataram que a caminhonete que os levava chegou a se esconder no mato para esperar a passagem dos veículos do grupo móvel rumo a Fazenda Bandeirante. As outras pessoas que também foram "retiradas" pelo fazendeiro já haviam sido levados para Xambioá (TO).

Para chegar até a propriedade, a equipe percorreu uma distância total de cerca de 200 km desde o centro do município de São Félix do Xingu. Além de vencer as estradas de terra em grande parte do trecho, atravessou a balsa do Rio Xingu e passou por uma ponte de madeira submersa. A fiscalização levou 14 horas para chegar ao local. Foi necessário um trator para desatolar os veículos em alguns trechos. Devido às péssimas condições do caminho, os libertados foram retirados por helicópteros do Exército no sábado (24). Na sexta-feira (23), um trabalhador foi picado por escorpião e levado de avião fretado - pago pelo empregador - ao hospital municipal. De acordo com integrantes do grupo móvel, ele foi socorrido a tempo e já teve alta.

Depois de uma semana de iniciada a ação, Ernoel Rodrigues Júnior se apresentou à fiscalização como empregador responsável. Ele concordou em pagar as verbas rescisórias (cerca de R$ 75 mil). Membros do grupo móvel ainda investiga se seria ele mesmo o verdadeiro empregador, pois há informações de que o dono seria um fazendeiro conhecido como "Bruno".

Nesta quarta-feira (28), o conjunto de 41 pessoas - 38 libertados e mais três que se apresentaram depois - receberam os direitos trabalhistas devidos e parcelas do seguro-desemprego. Entre os libertados, há dois jovens (um de 15 e outro de 17 anos) e uma adolescente de 16 anos. Grande parte dos libertados é de Xambioá; enquanto os demais são de vilas de São Félix.

Carlos Leonardo Silva, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) que fez parte da operação do grupo móvel, promete ajuizar uma ação civil pública no Ofício do MPT em Marabá (PA), por danos morais coletivos.

A Repórter Brasil tentou por dois dias entrar em contato por telefone com o advogado do empregador que se apresentou ao grupo móvel, Ernoel Rodrigues Júnior, mas o telefone estava desligado ou fora de área.

Desmatamento
A Fazenda Bandeirante tem cerca de 200 alqueires (área equivalente a 979 hectares), segundo informação do dito proprietário. De acordo com o auditor fiscal do trabalho Gilberto Monte Braga, sub-coordenador da operação, a fazenda estava sendo preparada para a atividade pecuária. "Não tinha nada [sendo produzido]. Era desmatamento mesmo. Inclusive havia muita reclamação de mosquitos, escorpiões e formigões. Além do trabalhador picado pelo escorpião, muitos relataram coceiras, picadas e acidentes de trabalho com queda de galhos", descreve o funcionário do MTE.

O grupo móvel foi advertido de que a propriedade poderia estar dentro de uma Área de Preservação Ambiental (APA), o que poderia tornar ainda mais graves as infrações cometidas pelo dono da propriedade. O procurador Leonardo já encaminhou ofício a colegas do Estado do Pará para checar o dado, "até para poder interditar a produção se for necessário". Coordenador da ação, o auditor fiscal Benedito de Lima e Silva conta que encaminhou uma notificação ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para que o desmatamento e a localização fossem averiguadas.

São Félix do Xingu tem um alto índice de ocorrência de trabalho escravo. Entre 2002 e 2007, esse tipo de crime foi flagrado pelo menos nove vezes na localidade, que também está na lista de 36 municípios prioritários para ações de prevenção e controle do desmatamento da Amazônia por parte do governo federal. Levantamento da Repórter Brasil mostra que existe uma coincidência entre esses dois fenômenos

Condições
Os libertados derrubavam árvores e faziam o chamado roço de juquira (preparação para o pasto) e chegaram entre março e abril deste ano. Desde então, ninguém recebeu salário regularmente. Segundo o coordenador Gilberto, havia dois contratos verbais por produção: um pagamento maior pelo roço significaria um desconto da alimentação; em outro modelo, o preço do alqueire roçado era menor, mas a comida era fornecida gratuitamente. "De qualquer jeito, o sujeito ganhava pouco", resume o fiscal. Os trabalhadores comiam arroz e feijão: se quisessem comer carne, teriam de caçar na mata.

Havia descontos ilegais de comida, que era comprada nas vilas próximas e repassada aos trabalhadores, e de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como botas e luvas. Eles estavam alojados em cinco barracos de madeira, lona e palha, três dos quais localizados completamente dentro da floresta. Tampouco havia banheiro ou eletricidade. Toda a água - para beber, cozinhar e lavar roupa - vinha de um igarapé barrento.

De acordo com os relatos colhidos pela fiscalização, todos tinham medo de reclamar porque o fazendeiro e o segurança da propriedade andavam armados. O trabalhador denunciante que conseguiu fugir da Bandeirante caminhou durante seis dias pela mata e por estradas de terra até chegar ao posto da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Tucumã (PA).

A mesma equipe que esteve na Fazenda Bandeirante fiscalizou, no último dia 16 de maio, uma propriedade vizinha chamada Fazenda Nova Esperança, de onde foram resgatados cinco trabalhadores que faziam o roço de juquira. As rescisões já foram pagas e chegaram a quase R$ 16 mil.

(Por Beatriz Camargo, Repórter Brasil, 29/05/2008)

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