A agricultura está tomando uma porção cada vez maior do planeta, especialmente agora que as plantas não são cultivadas apenas como alimentos, mas também -como a cana-de-açúcar e óleo de palma- para produção de biocombustível. Este mês, a chanceler alemã Angela Merkel assinou um acordo de energia em Brasília com o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o acordo, o Brasil poderá continuar fornecendo biocombustível para a Alemanha desde que cumpra certos padrões ambientais. Mas para muitos grupos de proteção ambiental, o acordo é apenas outro prego no caixão da Floresta Amazônica.
Além disso, a destruição da natureza e o aquecimento global tendem a reforçar um ao outro. Quando o nível dos mares se elevar e os mangues desaparecerem, as costas se tornarão mais expostas aos elementos do que antes. À medida que o dióxido de carbono continua acidificando os oceanos, as estruturas de cálcio dos corais, moluscos e mariscos se tornam frágeis.
Em jogo está a sobrevivência de espécies exóticas como o abutre de cabeça vermelha, o cardinal de Bangai, o boto-do-porto do Golfo da Califórnia, a cascavel de Santa Catalina e o gavial indiano. Mas a sobrevivência da humanidade como espécie também está em jogo, como ilustrou o exemplo do recente ciclone em Mianmar. Se os mangues que antes protegiam a costa birmanesa estivessem intactos, a enchente provavelmente seria muito menos devastadora.
Sem os corais, muitos tipos de peixes não existiriam, porque os recifes protegem os peixes enquanto amadurecem. A flora e a fauna dos oceanos contêm drogas com potencial de curar o câncer no valor, segundo estimativas dos economistas, de até US$ 1 bilhão por ano.
Muitas das coisas que a humanidade considera caras e desejáveis também fazem parte da biodiversidade, como filé de rodovalho, móveis de teca para jardim e caviar de esturjão russo. Mas também valorizamos o canto do rouxinol, o perfume do lilás, a vista de montanhas virgens, campinas vazias e florestas densas.
As partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), cientes destas riquezas, esperam desacelerar "significativamente" a perda de ecossistemas e espécies até 2010. Mas o que realmente significa este "objetivo suficientemente vago", perguntou sarcasticamente Jochen Flasbarth, chefe de proteção da natureza do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (BMU).
Na conferência em Bonn, cerca de 6 mil especialistas estão debatendo exatamente esta questão. Idealmente, eles darão significado a palavras e frases fora isso vazias, mas no pior cenário a conferência terminará com pouco mais que declarações insípidas de intenção. As partes só podem adotar as resoluções por consenso, e não há mecanismo para aplicar pressão nos obstrucionistas.
Apesar das dificuldades potenciais, algumas das abordagens discutidas na conferência ao menos são promissoras:
-Uma das metas é criar uma rede global de santuários com habitats representativos.
-Usado o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) como modelo, os delegados esperam estabelecer um painel de especialistas para a convenção sobre biodiversidade, que reunirá representantes das comunidades cientifica e política.
-A agenda pede por um equilíbrio justo de interesses entre os países em desenvolvimento, com sua diversidade abundante, e os países industrializados, que querem explorar estes recursos.
-Os especialistas pretendem buscar novos mecanismos para pagar pela proteção da diversidade. Sem novos recursos ou financiamento, todas as negociações serão apenas conversa vazia.
"Esta conferência lida com interesses econômicos", disse o ministro do meio ambiente alemão, Sigmar Gabriel. Segundo Gabriel, é crítico atribuirmos "um custo mensurável para a perda (do meio ambiente)", ou correremos o risco "de apagar dados do disco rígido da natureza". A chanceler Angela Merkel já indicou que anunciaria um aumento significativo da verba do governo alemão para proteção das florestas mundiais quando aparecesse na conferência na quarta-feira (28/05) . A Noruega, que investe US$ 500 milhões por ano, é seu referencial. Em casa, o governo em Berlim está pedindo aos Estados alemães, responsáveis pelas questões domésticas de proteção ambiental, que permitam que 10% das florestas de propriedade dos Estados e municípios retornem à natureza.
Gabriel, o ministro do meio ambiente, também planeja apresentar os resultados iniciais de um estudo, iniciado em colaboração com a União Européia (UE), sobre os custos globais da perda de espécies e habitats. Segundo um trecho obtido pela "Spiegel" do documento -intitulado "A Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade"- a perda de biodiversidade custa ao mundo 6% do produto mundial bruto. Os países pobres são os mais duramente atingidos. O custo anual da perda de espécies e habitats representa até metade de sua força econômica já modesta.
"Proteger a diversidade é muito mais barato do que permitir sua destruição", disse o economista indiano Pavan Sukhdev, que Gabriel e Stavros Dimas, o comissário de meio ambiente da UE, convenceram a chefiar o estudo. A biodiversidade -e os esforços para preservá-la- poderia se tornar um negócio enorme no futuro. Os novos conservacionistas esperam vender florestas intactas porque armazenam o gás dióxido de carbono (CO2) do efeito estufa. Eles também esperam ver as drogas desenvolvidas a partir de criaturas como moluscos da espécie Conus e corais produzirem grandes lucros no futuro. Os últimos oásis de diversidade também deverão atrair mais e mais ecoturistas abastados.
"Bonn tem que pressionar por um avanço", disse Achim Steiner, chefe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Até hoje, segundo Steiner, as promessas feitas na Cúpula da Terra do Rio há 16 anos, onde tanto a Convenção sobre Mudança Climática quanto a Convenção sobre Diversidade Biológica nasceram, "ainda não foram cumpridas ou foram sistematicamente quebradas".
A biodiversidade é mais do que apenas a diversidade de espécies de plantas e animais. Ela abrange toda uma cornucópia de habitats, assim como a informação genética oculta, como um tesouro biológico, em muitos organismos que ainda precisam ser estudados. Especialistas estimam que o inventário do planeta inclui entre 10 e 20 milhões de espécies de animais, plantas, fungos e micróbios. Mas esta diversidade não está distribuída de forma igual. A vida está concentrada nos chamados "hot spots", que incluem regiões como a costa mediterrânea, os Andes tropicais e as Filipinas.
E o futuro da diversidade não é promissor. Veja o exemplo da Alemanha. Segundo um estudo publicado em abril pela Agência Federal Alemã para Conservação da Natureza (BfN), intitulado "Fatos sobre a Natureza 2008", 36% de todas as espécies animais estudadas na Alemanha estão ameaçadas. Mais de dois terços dos habitats alemães são considerados ameaçados. As reservas naturais correspondem a apenas 3,3% da área total do país. Todo dia, 113 hectares de terra desaparecem sob asfalto e concreto.
A situação global é igualmente alarmante. No ano passado, a União Internacional para Conservação da Natureza (Iucn) listou 16.297 espécies de plantas e animais como ameaçadas, incluindo quase um terço de todos os anfíbios, uma em oito espécies de pássaros e quase um quarto de todas as espécies de mamíferos. Para desenvolver sua lista, a Iucn avaliou mais de 41 mil espécies. As que estão na lista de ameaçadas correspondem a perto de 40% do total. Continua - leia a parte 3
(Por Philip Bethge, Rafaela von Bredow e Christian Schwägerl, Deutsche Welle, tradução de George El Khouri Andolfato, UOL, 29/05/2008)