Ação prende 40 suspeitos em seis cidades mato-grossenses e em uma de Rondônia
Segundo polícia, esquema para extrair, transportar e beneficiar ilegalmente madeira de terra indígena envolvia servidores públicos
A Polícia Federal desarticulou ontem um esquema que aliciava índios e funcionários públicos para extrair, transportar e beneficiar ilegalmente grandes quantidades de madeira da terra indígena Vale do Guaporé, da etnia nhambiquara, localizada entre os municípios de Comodoro e Nova Lacerda, na região oeste de Mato Grosso (400 km de Cuiabá).
A operação, chamada de Caipora -em referência ao espírito que protege as florestas, mas que pode ser corrompido por presentes oferecidos pelos invasores-, envolveu 237 agentes da PF e o cumprimento de 54 mandados de busca e apreensão e de 47 de prisão em seis municípios de Mato Grosso (Cuiabá, Cáceres, Pontes e Lacerda, Nova Lacerda, Conquista Doeste e Comodoro) e um de Rondônia (Vilhena).
Até a conclusão desta edição, 40 pessoas já haviam sido presas. Entre elas, um índio, madeireiros e fazendeiros, além de sete servidores públicos suspeitos de envolvimento com o esquema: três fiscais da Funai (Fundação Nacional do Índio), dois agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal), um policial militar e um ex-diretor da Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) na região.
Segundo a PF, eles recebiam propina para facilitar a extração ilegal e a posterior distribuição para madeireiras. No caso dos servidores da Funai, diz a PF, os três suspeitos recebiam pagamentos mensais para franquear aos madeireiros o acesso livre à reserva indígena. Eles também alertavam os invasores sobre a possibilidade de operações de fiscalização.
O mesmo tipo de acordo envolvia os servidores da PM, PRF e Sema, aponta a investigação. "Mediante pagamento de propina, colaboram com o esquema, alertando os madeireiros sobre eventuais fiscalizações, ou se omitindo na fiscalização sobre a origem da madeira nos pátios", diz nota da PF.
Índios
O índio preso -seu nome não foi divulgado- foi o único nhambiquara considerado como um integrante de fato do esquema. Outros índios, segundo a PF, foram aliciados com presentes (carros, motos e gêneros alimentícios) e permitiam a exploração ilegal dentro das terras da reserva, mas não tinham articulação com a quadrilha.
Muitos atuavam como "olheiros", vasculhando as matas em busca de espécies de maior valor comercial. O acesso dos madeireiros era facilitado por proprietários de fazendas nas imediações da reserva. Segundo a PF, as áreas eram usadas também como depósitos temporários de madeiras extraídas ilegalmente.
Há indícios de que as madeireiras que atuam na região utilizam planos de manejo de fazendas localizadas no entorno da reserva para justificarem a madeira que comercializam e estocam nos pátios, diz a PF.
Com 245 mil hectares, a terra indígena Vale do Guaporé foi homologada em 1985. A investigação da PF revelou que o esquema desmatou 5.888 hectares. A estimativa não inclui os trechos que sofreram apenas o corte seletivo -quando somente algumas árvores de maior valor comercial são retiradas, em processo que não aparece em imagens de satélite.
Segundo a PF, isso permite supor que "a área devastada seja muito maior". Os envolvidos serão indiciados por formação de quadrilha, extração ilegal de madeira, furto qualificado, corrupção ativa, corrupção passiva, prevaricação e receptação.
(Por Rodrigo Vargas, Folha de São Paulo, 29/05/2008)