Incra aguarda parecer da Advocacia Geral da União para definir restrições à aquisição de terras por empresas de capital externo
Consultor-geral da AGU diz que empresas estrangeiras têm adquirido "grandes extensões de terras" sem qualquer tipo de restrição
O governo federal vai fechar o cerco à "invasão estrangeira" na Amazônia. Até a próxima semana, o Incra terá em mãos uma solução jurídica para dificultar a compra de terras por empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro. Um parecer da Advocacia Geral da União vai fixar limites para essa aquisição, o que hoje não existe.
As regras, que passam a vigorar tão logo fique pronto o parecer, vão valer para todo Brasil. Mas o alvo principal é a Amazônia, onde estão 55% das propriedades do país registradas em nome de estrangeiros: são 3,1 milhões de hectares dos 5,5 milhões de hectares cadastrados no Incra por pessoas físicas e jurídicas de outras nacionalidades. A presença estrangeira pode ser ainda maior, já que os proprietários não são obrigados a identificar a nacionalidade na hora do registro.
"É preciso estabelecer regras urgentes porque há uma disputa mundial pelas terras brasileiras", diz Rolf Hackbart, presidente do Incra. Ele tem repetido que as medidas são necessárias não por uma "questão de xenofobia, mas de soberania".
O desejo do presidente Lula de transformar o Brasil na solução para a crise de alimentos e pólo mundial do biocombustível tem relação direta com as alterações. Segundo Hackbart, o interesse estrangeiro pelas terras nacionais cresceu com a estabilidade econômica do país e a necessidade de produzir alimentos e biocombustíveis.
Faltam porém mecanismos legais para interferir no volume e estoque de terras comprados ou arrendados por empresas com sede no Brasil comandadas por estrangeiros. Desde 1998, o Incra controla apenas a aquisição de imóveis rurais de empresas sem sede ou pessoas físicas não residentes no país.
Caberá à AGU apresentar, na próxima semana, um parecer revisado para restringir a aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras controladas por estrangeiros. O consultor-geral do órgão, Ronaldo Jorge, é o responsável por buscar uma solução jurídica "em nome da soberania nacional".
Desde o ano passado a AGU está revendo o próprio parecer, assinado em 1998 pelo então advogado-geral Geraldo Quintão. Na ocasião a norma foi criada para preencher lacunas na legislação abertas com o fim, na Constituição, da diferença entre empresa nacional de capital estrangeiro e de capital nacional. O parecer eliminou a necessidade de autorização para empresas de estrangeiros com sede no Brasil comprarem imóveis rurais no Brasil.
Em audiência no Senado, em março, o consultor-geral da AGU explicou que o parecer está sendo revisto porque os órgãos governamentais não podem mais controlar as aquisições desse tipo. "Com isso, as empresas estrangeiras se associam a empresas brasileiras, tendo controle do capital social, e adquirem grandes extensões de terras sem que se possa estabelecer qualquer tipo de restrição", disse Ronaldo Jorge.
A Folha apurou que há dois caminhos para dificultar a compra de terras por estrangeiros. A AGU pode revogar o parecer em vigor e fazer valer a legislação de 1971, que diz que estrangeiros não podem ter mais que 25% das terras num só município e precisam registrar a compra com certidão pública. A AGU pode também alegar que, apesar das mudanças na Constituição, permanecem inalterados os artigos da lei 5.709/71 que estendem a empresas controladas pelo capital estrangeiro as mesmas restrições para pessoas jurídicas e físicas do exterior.
A AGU deve indicar ainda a necessidade do Congresso disciplinar os investimentos estrangeiros no país por meio de projeto de lei. Seria a solução para por fim ao fenômeno dos estrangeiros que compram terras usando "laranjas".
(Por Fernando Odilla, Folha de São Paulo, 29/05/2008)