Todo mundo sabe que as florestas tropicais são fabulosos tesouros de biodiversidade. E patati, patatá. E tende cada vez mais a saber que esses tesouros estão enterrados em países pobres e atrasados. Ou seja, dependem de verbas miseráveis, governos corruptos e Estados “seqüestrados por quadrilhas”, segundo o biólogo John Terborgh. E por isso têm tudo para desaparecer em 30 ou 40 anos, deixando de souvenir um rastro de parques nacionais falidos.
Terborgh é um cientista curtido em trabalho de campo. Tem autoridade de sobra para dizer o que diz sobre florestas tropicais. Está longe de ser isento. Mas quem acha que, em nosso caso, ele está muito longe da verdade, atire a primeira pedra no sueco Johan Eliasch, acusado pela Agência Brasileira de Inteligência de dizer que, por “apenas US$ 50 bilhões”, se compra a floresta amazônica. Ele é suspeito de fazer o que qualquer madeireira faz - só que ele faz para manter as árvores de pé. Logo, a Polícia Federal pretende investigá-lo.
Nada mais fácil. Eliasch dirige programas contra o desmatamento e a favor de energia limpa no gabinete do primeiro-ministro inglês. Na vida privada, preside a Head, gigante multinacional de equipamentos esportivos. Tem um pé no Brasil, via Brasilinvest. E fundou a Cool Earth, uma ONG que tem 12 mil patrocinadores e nasceu para remediar a desordem climática, recolhendo ricas doações e pagando aos brasileiros para poupar na Amazônia matas ameaçadas de sumir em, no máximo, um ano e meio.
Trata-se, portanto, de uma espécie de bolsa-floresta, bancada por dinheiro alheio. Em princípio, o que Eliasch compra não é bem a Amazônia, nem mesmo a floresta, mas nosso interesse em mantêla onde está. O Brasil merece esses créditos de carbono porque divide com a Indonésia a produção de 10% da fumaça mundial, só com fogo no mato. Juntos, os dois mandam ao ar cerca de 6 bilhões de toneladas de CO2 por ano.
Isso não impede ninguém de aproveitar a proposta para declarar que a Amazônia é nossa. Ela é. Ou será, enquanto existir. Ou o presidente Lula, de avisar que “a Amazônia tem dono”. Tem sim, até demais, privatizada por grilagens como está. Ela não tem governo exatamente por excesso de donos. Mas a última tentativa de controlar o roubo de terras na região foi obra do ministro Raul Jungmann no governo FHC. Jungmann encontrou na ocasião quase 50 milhões de hectares grilados só nos cartórios do Amazonas. Um terço do Estado.
A Amazônia é nossa. Mas, como não foi avisada disso antes de chegarem por lá os tratados de fronteiras, também é boliviana, peruana, equatoriana, colombiana, venezuelana, surinamesa e guianense. Tem vocação natural para programas de conservação transnacional, como se faz no resto do mundo. Seria uma chance de aprendermos alguma coisa com os vizinhos. O Peru tem na Amazônia parques melhores do que os nossos. O presidente Hugo Chávez pode ser o modelo mais caricato do populista fanfarrão na política latino-americana, mas vive falando em plantar um milhão de árvores. De quebra, a Venezuela tem quase metade de seu território em áreas protegidas.
A Amazônia é nossa. O problema é que às vezes parece tão nossa como era a escravidão no século 19, quando o império brasileiro brandiu o tacape da soberania contra a pressão da Inglaterra sobre o tráfico negreiro e o abolicionista Joaquim Nabuco mandava cartas à British and Foreign Anti-Slavery Society, em Brigthon, traindo segredos patrióticos em favor do direito universal. Ou tão nossa quanto foi a tortura na década de 1970, quando o presidente Ernesto Geisel enfrentou a campanha do governo Jimmy Carter em defesa dos direitos humanos.
Convém que a Amazônia seja nossa de outro modo. Porque o estilo tradicional de nosso sentimento hegemônico já se sabe que fim levou.
(Por Marcos Sá Corrêa, O Eco, 28/05/2008)