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abastecimento de água crise da água
2008-05-29

Para os não iniciados, a imagem é surrealista: homens e meninos saem rapidamente de seus barracos e se aventuram pelos estreitos becos sem pavimentação da favela paquistanesa de Korangi Dhai, antes do amanhecer, munidos de coloridos tubos plásticos e pesadas bombas elétricas. Durante cerca de 15 anos, a única maneira de as famílias que vivem nos assentamentos irregulares de Nursery Town, Francis Town e Joseph Gill Town, que ficam no dentro das Propriedades Industriais e Comerciais de Korangi, tiveram acesso à água para suas necessidades diárias foi fazendo ligações clandestinas nas tubulações principais.

Cerca de 60% dos 16 milhões de habitantes desta cidade portuária residem em assentamentos informais, segundo o urbanista Arif Hasan. Na falta de uma infra-estrutura adequada, muitas comunidades improvisaram os sistemas de esgoto, drenagem e fornecimento hídrico. Em “Compreendendo Carachi”, livro escrito por Hasan, 90% dessas habitações se “conectam ilegalmente a sistemas de fornecimento do governo”. Mas Shahid Gill, morador de 28 anos, refuta essa afirmação. “Cada casa paga 2.500 rúpias (US$ 36) ao conselho da união (menor unidade administrativa), então, como podem ser chamados de ilegais”, perguntou que trabalha em uma organização não-governamental.

Os pontos de ligação ilegal podemos ver vistos como pequenas protuberâncias de borracha, e os canos são visíveis ao longo das redes que correm paralelo às linhas principais. Destas conexões a água é desviada para as casas, usando bombas de sucção que funcionam à base de eletricidade ilegalmente utilizada. Esta estrutura informa que não é oficialmente reconhecida e, portanto, não pode ser integrada aos planos para saneamento e sistemas de fornecimento hídrico que o governo prepara. “Com 16 milhões de habitantes e uma necessidade mínima de 20 galões diários (76 litros) por pessoa, Carachi precisa, pelo menos, de 320 milhões de galões por dia (1.211 bilhão de litros)”, disse Perween Rehman, diretora da área técnica e de pesquisa do Projeto-Piloto Orangi. As indústrias precisam de 123 galões adicionais por dia, acrescentou.

Há duas fontes principais de água para Carachi. Uma é o rio Indus, que fornece 2.441 litros por dia, e a outra é a represa de Hub, com 189 litros. Mas, como a segunda é alimentada com água da chuva, o fornecimento varia entre 114 e 284 litros diários. Entre outros fatores, aproximadamente 15% da água são perdidos devido a vazamentos técnicos, e outros 41% são desviados e fornecidos através de caminhões-pipa. “E esta é uma estimativa muito conservadora”, disse Rehman à IPS.

Assim, as 18 divisões administrativas de Carachi, que se supõe devem obter 1.580 litros por dia da estatal Junta de Água e Saneamento de Carachi¸ recebem apenas 1.109 litros. Também ocorre que a distribuição é desigual. As áreas mais ricas, como Cantonment, recebem 100% ou mesmo 133% do que necessitam (na Autoridade de Habitação de Defesa), enquanto outros devem se se ajeitar com apenas 30% a 57%. Entre outras recomendações, como o fornecimento energético independe das estações de bombeamento para conter as interrupções, Rehman disse que as autoridades deveriam centrar-se em fazer medições, para ajudar a garantir que todas as áreas recebam a quantidade de água que precisam.

“Há 1,17 milhão de consumidores de água em Carachi, dos quais apenas 163 mil pagam regularmente. Não se toma nenhuma medida contra os inadimplentes e a Junta funciona com perda perpétua”, diz a edição 2002 do livro escrito por Hasan. A situação não mudou em nada, afirmou Rehman. Embora os habitantes da favela de Korangi tampouco paguem por sua eletricidade e água, devem trabalhar duramente para fazer as ligações clandestinas. “Não é fácil fazer isso na escuridão da noite, especialmente para quem ainda está sonado”, disse Asif Ayub, um cineasta de 17 anos.

Uma vez feitas as ligações, a água é bombeada para tanques de armazenamento dentro das casas. Com todo um emaranhado de tubulações e cabos, a segurança é uma grande preocupação. “É bastante comum receber um choque elétrico”, disse Shakil Gill, de 28 anos, que se dedicou a essa tarefa por seis anos. Mas, agora, depois de se casar, foi liberado de realizá-la e é seu irmão mais novo que passou a fazer. “Habitualmente é o homem mais jovem da família, mas que seja suficientemente capaz de carregar a pesada engrenagem e instalar os cabos”, acrescentou Kashfi Naeem, de 18 anos, que faz isto desde os 14. “A idéia é que seja alguém que não tenha que se levantar cedo para ir trabalhar”, disse Naeem, que deixou de ir à escola depois da sexta série. Em casas onde não há homens disponíveis para cuidar dessa tarefa, as mulheres intervêm.

O fornecimento hídrico está disponível até seis horas da manhã, em dias alternados, na linha principal da área de Nursery Town. “Costumava ser de dois a seis, e com o fornecimento reduzido é como uma guerra. Cada poucos dias se vê explodir os ânimos”, disse Lawrence, um empregado do saneamento municipal que entra para trabalhar às oito da manhã. E depois há dias em que as tubulações principais seca, ou não existe fornecimento de energia elétrica. “Demoramos quase uma hora para instalar o equipamento. Pode imaginar a frustração? E a carga extra que temos comprado água para aquele dia”, disse Jamaluddin.

Os ocupantes mais empreendedores da favela tiraram proveito dos erráticos fornecimentos e entraram no negócio do fornecimento hídrico. Possuem várias bombas de sucção e grandes tanques de armazenamento. “Quando a água não entra na linha principal, compramos água dessas pessoas”, disse Gill. Além disso, os moradores também compram água dos caminhos-pipa a US$ 3,73 para cada mil galões, embora seja salobra e inadequada para beber, ou de fornecedores individuais, que circulam pelas ruas com água carregada em carroças puxadas por burros e que vendem a US$ 1,49 para cada 25 galões.

(Por Zofeen Ebrahim, IPS, Envolverde, 27/05/2008)


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