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terras indígenas direitos indígenas
2008-05-29
Os povos indígenas há muito tempo não eram pauta assídua nos grandes jornais do país.  Viraram notícia ao lutar por suas terras em Raposa Serra do Sol e agora porque “agrediram” um técnico da Eletrobrás que foi ao Xingu apresentar o projeto da Usina hidrelétrica de Belo Monte.  São os índios que estão errados?  Que impactos a usina de Belo Monte trará para os índios da região?  Para Iremar Antonio Ferreira, “é claro e notório o impacto sobre o Parque indígena do Xingu, onde há dezenas de povos contatados ou não que ali habitam”.  Nesta entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line, Iremar discute a proposta da usina de Belo Monte e analisa o leilão que define as obras sobre a usina de Jirau, que faz parte do complexo do Rio Madeira.

Iremar Antonio Ferreira é graduado em História e possui especialização na mesma área, pela Universidade Federal de Rondônia (UFR).  Seu mestrado em Desenvolvimento Regional também foi realizado na UFR.  Atualmente, é educador popular do Instituto Paulo Freire (IPF) e coordenador de campo do Projeto Geração de Energia com base em Óleos Vegetais na Resex do Rio Ouro Preto.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em sua opinião, como o governo dará continuidade ao processo das hidrelétricas do Rio Madeira e de Belo Monte sem Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente?

Iremar Antonio Ferreira – O governo federal tinha na ministra Marina Silva, além de uma porta-voz dos movimentos sociais, uma representação simbólica desta causa social e ambiental da Amazônia.  Sem ela, nós estamos percebendo que vai para um viés tecnicista a tentativa de facilitar os trâmites.  Esse é um discurso não só do novo ministro, Carlos Minc, mas também do presidente Lula e isso nos deixa preocupados, porque as questões técnicas estão suplantadas, ou seja, não estão considerando as realidades sociais e ambientais desses povos e comunidades ameaçadas por tais empreendimentos.  Isso também preocupa porque o ponto de vista técnico, por mais que se preveja diminuir os trâmites burocráticos, não atende, portanto, às demandas locais e abre um precedente, que é uma variação política do precedente técnico.

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre o resultado do leilão da hidrelétrica de Jirau?

Iremar Antonio Ferreira – Não só para mim, mas para os movimentos sociais, as entidades que acompanham criticamente esse processo, o resultado é drástico.  Esse projeto trazia uma série de problemas que vínhamos denunciando e, de repente, teve um vencedor com mudança de proposta, ou seja, que alterou todo o projeto.  Isso é preocupante porque coloca abaixo toda uma discussão já estabelecida, com todas as controvérsias que vieram no seu conjunto.  Então, na nossa leitura, o Ibama deveria chamar para si a responsabilidade e exigir, a partir de um novo termo de referência, novos estudos sobre todas as possibilidades de impactos negativos ou positivos, de viabilidades… em torno dessa mudança que propôs a Suez.

IHU On-Line - O que os movimentos sociais pretendem fazer a partir de agora para renegociar a construção dessa usina?

Iremar Antonio Ferreira – O primeiro ponto que vamos exigir é que não é possível simplesmente “tocar o barco com o casco furado”, ou seja, a alteração fura o “casco do barco”.  Além disso, é preciso fazer uma reforma, mas que por si só não resolve.  É necessário que haja novos estudos, novos termos de referência e nós vamos, portanto, trabalhar nesse sentido.  Vamos acionar pelas formas jurídicas, que é o meio legal ao qual a sociedade tem recorrido em função de o espaço técnico não permitir essa discussão ou não ter possibilidades para fazê-la.  Não é possível aceitarmos a alteração no jogo desta forma, ainda mais que ele já estava negativo na percepção das populações.  Diante desse cenário, nós estamos, mais do que nunca, contrários a essa proposta, porque nós temos exemplos de sobra na Amazônia de que o sistema de barramento com o sistema de turbina leva a alagações monstruosas.  Se já tínhamos dúvidas com relação à proposta anterior, imagine agora com essa proposta que altera o processo.

IHU On-Line – A Bolívia era contra a construção dessa usina.  Alguma articulação está sendo feita com o país vizinho para impedir a construção das usinas?

Iremar Antonio Ferreira – Temos sempre participado de discussões com os companheiros bolivianos, principalmente aqueles que estão organizados em torno da liga do meio ambiente da Bolívia.  Dentro desse contexto, eles têm participado das nossas discussões e levantado questões relacionadas às bacias hidrográficas, porque, por exemplo, a barragem de Jirau atinge, desde a proposta anterior, o lado boliviano.  Com essa possibilidade de mudança, a discussão também é alterada, muda a compreensão do projeto até então e logo as exigências, que, com certeza, virão pelo lado da Bolívia, requerem uma preocupação maior.  As entidades estão articuladas em torno disso.

IHU On-Line – Quais são os impactos que a usina de Belo Monte vai causar ao meio ambiente?

Iremar Antonio Ferreira – Eu estava nesse momento dialogando com um jornalista da crítica de Manaus.  Nós tratávamos partindo da agressão ocorrida ao técnico da Eletrobrás.  Há 20 anos, essa proposta tem gerado inúmeros problemas e polêmicas, principalmente junto aos indígenas daquela região, porque é claro e notório o impacto sobre o Parque Indígena do Xingu, onde há dezenas de povos contatados ou não que ali habitam.  Já existe, por parte dos movimentos indígenas, uma leitura desses problemas, ou seja, ela é real e a proposta nova ou recauchutada que vem para Belo Monte não revela esses problemas, apenas os minimiza, incidindo sobre terras indígenas e áreas que são santuários daqueles povos, diretamente ligados ao Xingu.  Essa discussão irá render muito e essa terra não pode ser suplantada pela opinião do ministro de Minas e Energia, que diz que no ano que vem vão leiloar as obras.  A resistência dos povos do Xingu será forte, porque o problema incide muito direto sobre o dia-a-dia deles.  A situação, pensando apenas nos indígenas, é crítica; imagine os outros povos.  Nos últimos acontecimentos ocorridos em função dos eventos dos povos do Xingu, percebemos que a revolta é grande dos povos, porque eles continuam desinformados tanto quanto os povos do Madeira.  Para a construção das usinas do Rio Madeira, algumas famílias estão sendo instigadas a deixar suas casas até o final de agosto.  Enquanto isso, não há discussão alguma sendo feita sobre indenização, realocamentos, direitos etc. A desinformação é o principal fator de indignação.

Lá na região da usina de Belo Monte há muitos povos indígenas, então não é possível achar que dialogar com apenas um grupo resolve o problema.  É o mesmo caos do Madeira, pois temos povos que tiveram reuniões com o pessoal das empreiteiras, mas também há povos que não debateram.  Esses povos desinformados são os que estão isolados, que sofrem ameaças e que serão impactados diretamente.  No Xingu, há uma grande movimentação, até pelo contexto de discussão de décadas.  Isso faz com que a pressão seja maior.  Se a discussão não for feita com todo mundo, não há possibilidade de tocar uma idéia dessas.  Com tantos povos, é preciso prever reações diversas, como foi essa do fato condenado amplamente pela imprensa.  A agressão não é bem vista, mas é preciso compreender os motivos pelo qual chegaram a ela, ou seja, quem o agredido representava.  Ele representa um empreendimento que vai agredir as terras dos índios.  Condenamos a agressão, mas é preciso compreender também o que a agressão representa quando os índios se sentem ameaçados na integridade do seu território.

IHU On-Line – Segundo os pesquisadores da Eletrobrás, a usina de Belo Monte trará desenvolvimento para a região.  Os índios são contra.  Quais são os objetivos dos índios para a região?

Iremar Antonio Ferreira – É difícil falar pelos índios, mas é importante olharmos para a sua história secular no país, ou seja, nós tivemos uma redução da sua população muito drástica.  Eles sempre cederam para que pudéssemos ir avançando.  Isso porque a nossa forma de fazer progresso é sempre avançar sobre as áreas florestadas, sobre as que ainda estão intactas e, principalmente, sobre aquelas onde estão os povos indígenas.  O que os povos indígenas de Belo Monte e da região de Amazônia defendem é o direito ao pouquinho que lhes restou.  Isso é sério, um direito mínimo de continuar a vida enquanto povos indígenas.  Não podemos torná-los mais mendigos nas cidades.  Quebrar esse modo de vida é um crime.

Que tipo de modo de vida esses povos querem?  O que eles querem é que o desenvolvimento que eles conseguiram construir deve ser respeitado e é com esse modelo que eles têm conseguido resistir até hoje.  Qual é o modelo que queremos levar para lá?  Essa é uma outra questão que leva ao embate.  O modelo que queremos levar para lá eles conhecem, ou seja, é aumentar cada vez mais as favelas nas cidades, os problemas de saúde.  Isso eles não querem.  O nosso modelo de desenvolvimento não lhes serve.  Pelo contrário, é o modelo de desenvolvimento dos povos indígenas que deveria ser seguido por nós.  É possível termos desenvolvimento, sem ganância, se diminuirmos nosso padrão de consumo.  O que leva cada vez mais a esse desenvolvimento desenfreado é nosso padrão de consumo, do qual ninguém quer abrir mão.

(IHU On-Line, Amazonia.org.br, 28/05/2008)


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