No dia 4 de outubro de 1501 Américo Vespúcio deparou-se com a foz de um magnífico rio. Talvez o navegador não imaginasse a imponência de sua extensão. Talvez não imaginasse também que tal bacia hidrográfica já possuía nome. Era chamado de Opará pelos índios que habitavam a região. Com a chegada dos colonizadores uma nova denominação foi providenciada: São Francisco, o Santo do dia. Começava a exploração do Velho Chico.
O mais nordestino de todos os rios, ironicamente, é mineiro. Sua nascente está localizada no Parque Nacional da Serra da Canastra, no município de São Roque de Minas. Corajosamente suas águas tomam o caminho do norte, rasgando o semi-árido, percorrendo ao todo 2700 quilômetros até a sua foz – de beleza apaixonante – na divisa de Alagoas com Sergipe. 504 municípios são beneficiados pela pujança de sua bacia.
Infelizmente, nem tudo são flores de mandacaru. Mesmo com enorme potencial ainda inexplorado, sobretudo na área do eco-turismo, a destemperada e desordenada ocupação de suas margens e leito estão, aos poucos, ameaçando vencer a guerra de “braço de ferro” com o rio Santo.
Várias queixas, emitidas pelos ribeirinhos e pesquisadores, evidenciam a situação. Pescadores reclamam do assustador decréscimo nas condições de navegabilidade na calha do rio. Novos bancos de areia são vistos freqüentemente. As várzeas – outrora com exuberante ecossistema – atualmente sucumbem junto com as lagoas marginais. Morre soterrado, e de braços dados, o enorme potencial turístico ecológico e educacional que o ambiente propiciava. A produção de pescado em todo o vale também está prejudicada, considerando-se que a área danificada trata-se de local de reprodução de espécies aquáticas. Ao contrário de projetos alto sustentáveis, e de alta viabilidade, alguns agricultores financiam o aterramento de trechos das margens para formação de pastagens.
E não é só. Completam a situação de penúria as construções sem controle nas proximidades, o desmatamento das matas ciliares, a emissão de esgotos, as hidroelétricas e o assoreamento acelerado em diversos pontos. Com tantas intempéries, difícil é entender como o rio São Francisco consegue manter-se majestoso. Aliado a arquitetura, a história e a cultura das cidades ribeirinhas, o Velho Chico continua configurando-se como um belo destino.
Mais recentemente a promessa governamental de transposição de parte das águas do rio Santo ameaça ainda mais a bacia hidrográfica. E o que é pior, pode atrapalhar a exploração consciente do turismo no curso do rio, principalmente nos estados de Alagoas e Sergipe. A preocupação estende-se aos agricultores, que utilizam a irrigação com as águas do rio, e a CHESF, que mantém usinas hidroelétricas em funcionamento ao longo do trajeto do Velho Chico. A própria companhia reconhece o esgotamento da exploração economicamente viável das águas do São Francisco para produção de energia elétrica.
A importância do Rio São Francisco para a região nordeste excede as estatísticas econômicas e de abastecimento de água. O velho Chico, ao longo dos anos, tornou-se um dos personagens míticos do sertão, ao lado de Lampião, do Mandacaru e da Asa Branca. Sua extinção causaria uma grave crise de identidade cultural nos Estados que margeiam suas águas e fariam padecer, antes mesmo de nascerem, projetos de investimentos viáveis para a região.
(Por Tiago Eloy Zaidan,
Portal do Meio Ambiente, 27/5/2008)