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rio xingu hidrelétrica de belo monte terras indígenas
2008-05-28

Os cinco dias do Encontro Xingu Vivo Para Sempre, ocorrido em Altamira (PA) na semana passada, não se resumiram ao incidente em que o engenheiro da Eletrobrás, Paulo Fernando Rezende, acabou ferido por guerreiros do povo Kayapó. Mais de três mil pessoas - entre representantes de organizações indígenas (cerca de 800 de mais de 20 etnias) e de movimentos sociais, ribeirinhos, pequenos agricultores, moradores de áreas urbanas, pesquisadores e ambientalistas - se reuniram para debater questões relacionadas à usina hidrelétrica de Belo Monte.

Incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e no Plano Decenal de Energia (207-2016), Belo Monte está planejada para ter uma potência máxima de 11,1 mil MW, mas a produção média estimada pela Eletrobrás é de 4.796 MW.  Ainda segundo a empresa estatal, a usina responderá por 6,4% do atendimento ao consumo de energia do Brasil em 2020. A área inundada será de 440 km2 e as organizações sociais antecipam a necessidade de remanejamento de cerca de um total de 3,2 mil famílias - duas mil famílias que vivem hoje em condições precárias na periferia de Altamira, 800 famílias da área rural de Vitória do Xingu e de 400 famílias ribeirinhas.

Os impactos previstos dão uma idéia dos diversos aspectos - muito além do caráter "selvagem" dos indígenas - que podem ter influenciado o ataque direto dos índios ao representante do governo, fato esse classificado pelos próprios organizadores do evento de "lamentável, porém isolado e acidental".

"É uma pena que o Brasil só se reporte à Amazônia em cenas tristes", avalia o procurador Felício Pontes Júnior, do Ministério Público Federal (MPF) do Pará, que acompanha a questão indígena há anos na região e esteve presente no encontro. Á noite, no mesmo dia em que o engenheiro foi ferido, Felício teve uma longa conversa com os Kayapó. "Foi a primeira vez em dez anos que alguém do governo federal veio conversar oficialmente sobre o projeto da usina de Belo Monte. Eles esperaram aquele evento como se fosse um momento de diálogo", descreve o procurador da República.

Durante a sua apresentação no último dia 20, Paulo Fernando desqualificou as colocações feitas anteriormente pelo professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Oswaldo Sevá Filho, que questionou a viabilidade econômica do empreendimento. Autor de um livro sobre o tema, o professor da Unicamp sublinhou a drástica diminuição do volume de água do Xingu durante o verão e previu que a usina só terá capacidade de gerar a potência máxima (11,1 mil MW) em apenas três meses do ano. A produção média, prevê, deverá ser bem menor que a anunciada.

Em contraposição, o engenheiro da Eletrobrás salientou que a obra pode gerar até R$ 65 bilhões de compensação financeira anual para os municípios locais e outro mesmo tanto para o Estado do Pará. Declarou que o custo de produção da mesma quantidade de energia elétrica por outras fontes como a energia eólica seria muito mais cara. Para entidades locais, entretanto, o anúncio da obra resulta também em diversos outros problemas que relativizam o repasse desses recursos como o inchaço das cidades da região, a ocupação desordenada da terra, especulação imobiliária e a carência de políticas públicas.

Um dos pontos mais contestados pelos indígenas diz respeito ao impacto da construção da barragem sobre a população de peixes do Rio Xingu. O desequilíbrio do ciclo ecológico com a cheia permanente afetará a vida dos peixes, base para a sobrevivência de indígenas da região. O plano de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) na região da bacia - uma delas inclusive já pronta - também contribui para esse desequilíbrio, de acordo com estudos feitos pelo Instituto Socioambiental (ISA).

Durante a sua explanação, o engenheiro da Eletrobrás salientou a necessidade de abastecimento energético da Região Sudeste e reconheceu ainda que haverá diminuição do volume de águas na Volta Grande do Xingu. Disse, porém, que ainda não há solução para isso e que estudos estão sendo feitos.  Os indígenas tomaram o pronunciamento de Paulo Fernando Rezende, segundo o procurador Felício, como uma "ofensa". "Se o MPF não conseguisse embargar a obra nos últimos sete anos, talvez esse incidente pudesse ter ocorrido de uma forma muito mais grave. E diretamente no canteiro de obras", projeta.

A hipótese levantada pelo procurador não é descartada pelos próprios indígenas, como eles próprios deixam claro no documento que entregaram ao juiz federal Antonio Carlos Campelo, no último dia 21. "Caso os senhores não consigam parar essa obra, nós, povos indígenas da Bacia do Xingu entraremos até os canteiros de obras desses empreendimentos e vamos acabar de nosso modo", colocam os delegados indígenas do Rio Xingu que participaram do encontro em Altamira. "Aconteça o que acontecer, nós, povos indígenas morreremos defendendo as nossas vidas, nossos patrimônios e nossas terras. Dizemos a vocês ainda que haverá conflito entre o empreendedor e os povos indígenas, caso os senhores não parem com essas obras".

Imbróglio legal
Desde 2001, os procuradores federais têm protocolado ações contra a obra. A primeira delas pedia a paralisação do processo porque o Congresso Nacional não havia consultado representantes dos povos indígenas atingidos pela usina, como exige o Parágrafo 3º do Art. 231 da Constituição Federal.

Entre 2001 a 2005, esta foi a principal razão que fez com que o processo de elaboração de estudos de impacto ambiental (EIA) para a construção da usina fosse brecado, lembra Felício. Em 2005, porém, o deputado federal Fernando Ferro (PT-PE) apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1.785/05 que tramitou em apenas cerca de 15 dias na Câmara e no Senado, dando autorização para que o Poder Executivo pudesse concluir o Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) de Belo Monte. "Foi uma das matérias que tramitou mais rapidamente na história do Legislativo brasileiro", comenta o procurador.


"A usina não diz respeito apenas aos direitos dos povos indígenas, mas de todos os cidadãos brasileiros. Há estudos [como o apresentado pelo professor Oswaldo Sevá] que colocam em xeque a viabilidade econômica do projeto e calculam que a barragem passará sete a oito meses durante o ano sem gerar energia. Seria muito dinheiro [por volta de R$ 7 bilhões] gasto numa obra", completa o membro do MPF do Pará. "Nós é que vamos pagar isso por meio dos impostos. É preciso ter certeza se esse projeto de bilhões é mesmo viável".

Além da Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas reconhecem direitos das populações tradicionais e determinam a obrigatoriedade de consulta dos povos indígenas acerca de qualquer medida que possa afetá-los. Mesmo assim, o Estudo de Inventário Hidrelétrico do Rio Xingu está prestes a ser aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sem a devida consulta aos povos indígenas. 

A Eletrobrás alega que 21 reuniões com comunidades locais já foram realizadas, que mantém uma agenda de consultas em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e que o próximo passo dentro do cronograma previsto é justamente ouvir os povos indígenas. Destaca ainda que mantém programas como o Waimiri Atroari e o Parakanã (Eletronorte/Funai) e que dá apoio financeiro para a manutenção de áreas de proteção ambiental.

Por seu turno, sem que os impactos estejam minimamente definidos, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, já anunciou também na semana passada que o leilão da usina de Belo Monte será realizado no primeiro semestre de 2009. O ministro chamou inclusive o projeto de "jóia da coroa" do PAC, enquanto o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, declarou que o leilão de Belo Monte deverá ser mais concorrido que as usinas do Rio Madeira, em Rondônia, porque "as empresas terão mais tempo para se preparar para a disputa".

Futuro
O Encontro Xingu Vivo Para Sempre, explica Ana Paula de Souza, uma das principais organizadoras do evento e coordenadora da Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), reuniu indígenas, ribeirinhos, produtores familiares e populações urbanas para discutir não só a hidrelétrica de Belo Monte, mas também um projeto de desenvolvimento mais amplo para a região. "Foi um marco histórico nesse sentido. O encontro realizado em 1989 [em que os indígenas também deixaram claro que eram contra a construção do projeto que na época era chamado de Kararaô] foi mais puxado pelas comunidades indígenas. Desta vez, houve a junção dos diversos povos".

As proposições apresentadas no documento final do Encontro, complementa Ana Paula, não trazem nada de novo: pede-se a discussão mais ampla do projeto de desenvolvimento para a região do Xingu, com base no combate à grilagem de terras e ao desmatamento da floresta, na proteção das Unidades de Conservação (UCs) e das Terras Indígenas (TIs), entre outros pontos. Ela conta que a idéia agora é construir uma articulação a partir dos participantes do debate numa espécie de comitê de bacia. "Mas ainda não sabemos como isso pode funcionar. Não temos um formato fechado".

"Não é simplesmente colocar quem é contra ou quem é a favor da usina. O governo diz que é uma maravilha e coloca a população na parede. Não pode ser assim. Esse debate não pode ter caráter plebiscitário", coloca Ana Paula. "O dispositivo das audiências públicas cumpre parte da discussão, mas é a ponta do processo. O governo não está fazendo o principal, que é ouvir a população não só sobre a obra, mas sobre o futuro e o projeto de desenvolvimento para a região. É preciso discutir as questões separadamente, com profundidade", frisa a coordenadora da FVPP. "O que os diversos povos querem é algo muito simplório: debater o futuro de suas vidas".

Segundo Ana Paula, a forma como as populações locais estão sendo tratadas - sob ameaça, sem que se levem em conta as condições para a sobrevivência e reprodução dos povos - já é "uma violência". "Se a sociedade não for firme, não será nem ouvida. Aceitamos o fato de que a questão da energia é um gargalo, mas por que a sociedade não pode ser convidada a participar das propostas? Minimizando a participação, aumenta-se a tendência ao conflito". Para ela, portanto, o recado de que a questão precisa ser discutida de forma mais aberta, transmitido pelas organizações que participaram do evento em Altamira (PA), foi dado. "Hoje, a bola está no campo do governo".

Guerra de liminares
A liminar do MPF que pedia mais uma vez o embargo do processo diante da ausência do processo de licitação para a elaboração do EIA foi derrubada às vésperas do encontro pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, depois que a Eletrobrás descartou a previsão de sigilo dos dados. "No campo do direito ambiental, que é um direito difuso, mão cabe a confidencialidade. Mas por que se deve aceitar que esse estudo seja entregue nas mãos de três empreiteiras [Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez] em consórcio? Isso é um grave erro jurídico", analisa Felício.

O procurador Marco Antonio Almeida, o mesmo que pediu abertura de inquérito para apuração da agressão ao engenheiro da Eletrobrás, já entrou com outro recurso pedindo novamente a suspensão do processo. "A hidrelétrica de Belo Monte talvez seja uma das mais estudadas sem ter sido construída. E os exemplos concretos existentes hoje são nefastos. A área inundada em Tucuruí foi 130% maior que a planejada. Balbina é terrível. Não há um exemplo em que as coisas deram certo", recorda Felício. Fontes do governo vêem na ação dos procuradores uma "tática de guerrilha" para barrar o projeto.

Diferentemente das polêmicas das usinas do Rio Madeira, em Rondônia, e do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, no Nordeste, o procurador federal vê uma sociedade civil mais combativa e resistente na região, haja vista a quantidade de casos de assassinatos de defensores de direitos humanos que ocorreu na região ao longo dos últimos anos. "Altamira não é para amadores. O debate político precisa se abrir mais, não apenas no seu conteúdo, mas também na forma", recomenda. "O governo não quis ver o que é óbvio. E pode acontecer algo mais grave".

(Por Maurício Hashizume, Repórter Brasil, 27/05/2008)


 


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