O Sindiágua do Rio Grande do Sul lançou sábado (24/05), na Assembléia Legislativa, uma campanha de abaixo-assinado para apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) proibindo a privatização da água no Estado. A emenda acrescenta um parágrafo ao artigo 7º do Capítulo I da Constituição Estadual, com o seguinte texto: “As águas estaduais são bens ambientais de uso comum do povo e não podem ser objeto de quaisquer forma de privatização”.
O Sindiágua representa os servidores da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e, conforme o presidente da entidade, Rui Porto, a campanha foi deflagrada porque prefeitos da Fronteira Oeste vêm sendo assediados pela Odebrecht. Com a Lei 11.445/2007, as empresas estaduais estão obrigadas a renovar seus contratos com as prefeituras, de maneira a dar mais transparência à gestão do setor, com participação e controle público.
Aproveitando-se disso, acrescenta Porto, a Odebrechet estaria incentivando as municipalidades a não renovarem seus contratos com a Corsan para ficar com as concessões da exploração da água para ela. Por coincidência ou não, naquela região passa o rio Uruguai, um dos maiores rios do país. Também está lá o maior e mais acessível lençol do Aqüífero Guarani, com água de excelente qualidade e a pouca profundidade, de fácil extração.
“É sabido pelas organizações internacionais que a água vai ser o principal problema da humanidade no futuro próximo”, diz Porto. “Hoje essa é uma preocupação real da humanidade e a ONU já admite que até 2025 cerca de 3,5 bilhões de pessoas (a metade da população atual do planeta) não terão água tratada. Atualmente 2 bilhões já estão sem água potável”.
Em função disso, o sindicato está convencido que as grandes corporações internacionais estão se voltando para este recurso, vendo nele um promissor negócio para os tempos de escassez. “Sempre alguém lucra com a crise”, lembra o presidente. Os países árabes já gastam boa parte dos seus ganhos com petróleo na importação de água. No Bahreim, por exemplo, um litro custa R$ 42,00. O mercado potencial mundial é estimado em 400 milhões de dólares/ano. “É natural que os grandes grupos privados voltem os olhos para a água como um altíssimo lucro futuro”, diz o dirigente.
Argentina, Bolívia, Uruguai
Ele adverte que, com o controle da água, as empresas privadas vão poder decidir a quantidade de água que vão liberar para consumo, para quem, quando e a que preço, comprometendo o abastecimento, a irrigação das plantações e a própria sobrevivência das pessoas, que não terão a quem reclamar ou serão atendidas por secretárias eletrônicas, como já acontece com as empresas de telefonia.
Os exemplos negativos de privatização no mundo são muitos, Em Córdoba, Tucumán e Buenos Aires, a empresa francesa Vivendi Universal ganhou a conecessão. O serviço prestado era tão ruim que no décimo ano a concessão foi retomada pelo poder público, mas a empresa está cobrando uma indenização de 600 milhões de dólares dos argentinos pelo rompimento de contrato e lucros cessantes.
Já em Cochabamba, na Bolívia, a Bechtel United Utilities tinha o compromisso de fornecer água aos bairros pobres, mas além de não cumprir essa parte, a população ainda estava proibida de abrir poços e até de coletar água da chuva (!!), o que provocou a “Guerra da Água”. A população fechou estradas, realizou protestos durante mesese e expulsou a empresa.
“É isso que queremos evitar no Rio Grande do Sul”, afirma Porto. No Uruguai a situação se encaminhou de forma diferente. Na última eleição presidencial foi realizado um plebiscito e por mais de 65% dos votos a população rejeitou qualquer possibilidade de privatização da água.
Sinal Vermelho
Na Fronteira Oeste gaúcha, contudo, a Prefeitura de São Borja chegou a organizar uma consulta popular para a população opinar sobre o serviço prestado pela Corsan. A consulta foi suspensa judicialmente e o caso está na Justiça. O Sindiágua tem gravado em vídeo populares sendo buscados em casa para votar, pessoas votando duas vezes, mesários indicando como votar, entre outras irregularidades.
Isto serviu para ligar o sinal vermelho da entidade e encaminhar a proposta de emenda constitucional. A idéia é entregar a PEC aos deputados gaúchos em novembro, com dois milhões de assinaturas (um terço dos eleitores, praticamente), transformando a campanha numa pressão sobre os candidatos a prefeito e vereador para que se posicionem sobre o tema.
Mais adiante, poderá ser realizada uma campanha nacional para uma emenda à Cosntituição Federal no mesmo sentido, adianta o presidente. “O Brasil dispõe de 8,5% de toda a água doce disponível, portanto é uma questão de soberania nacional preservarmos e mantermos a água sob controle público para as gerações futuras”, diz o manifesto de divulgação da PEC.
(Por Ulisses Nenê, EcoAgência, 26/05/2008)