Documento elaborado pelo Conselho Indígena do Vale do Javari reivindica equipes médicas fixas nas aldeias
Entidades representativas dos povos indígenas do Amazonas criticam ação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no Vale do Javari para tentar conter as mortes entre os índios da região. Em carta assinada por várias entidades, o governo é acusado de agir apenas para aparecer na mídia e não se preocupar em estruturar um sistema de atendimento à saúde dos índios. "Não acreditamos que esse tipo de operação traga resultados. O que a Funasa faz é encobrir os problemas do Vale do Javari com essa ação espalhafatosa", atacou o coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Barbosa Cabral.
A Funasa, em parceria com o Exército, Marinha e Aeronáutica, iniciou, há um mês, uma megaoperação para vacinar os 3,6 mil índios já contatados que vivem na região e fazer uma ampla triagem epidemiológica para direcionar ações de saúde. Os índios da reserva apresentam altos índices de contaminação com malária e hepatite e taxas elevadas de mortalidade infantil.
O diretor do Departamento de Saúde Indígena (Desai) da Funasa, Wanderley Guenka, rebate. "Não há epidemia no Vale do Javari e com esse amplo mapeamento de saúde poderemos atacar de forma mais eficaz o problema", disse Guenka.
Dias antes do início da operação, o Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja) e outras quatro organizações elaboraram a carta SOS Javari. Segundo as entidades, formadas por índios, os povos da região "se encontram sofrendo e as mortes acontecendo silenciosamente, sem que as autoridades se preocupem com tal situação que já se torna uma calamidade pública".
"Crianças e parentes morrem de hepatite A, B, C e D, tuberculose e meningite. Nos últimos 17 anos já sofremos epidemias de cólera, coqueluche e malária tipo falciparum e vivax. O surgimento de meningite já levou dois adolescentes indígenas matis a óbito em dezembro de 2007", denuncia o documento. A carta relata ainda que no Vale do Javari "os índios já tiveram 10 a 15 casos de malárias" e que muitos "sofrem de cirrose e até úlcera por ingerirem tanto medicamento e não têm mais resistência física para outras enfermidades".
As entidades também apontam a falta de um levantamento sobre o quadro de saúde dos índios do Javari e a falta de profissionais fixos nas aldeias. "Pelo visto, as autoridades querem o extermínio definitivo dos nossos povos, por isso permanecem silenciosos, sem se manifestar sobre as mortes dos nossos parentes do Vale do Javari", diz a carta.
O coordenador da Coiab diz que o governo precisa tomar medidas que garantam a permanência de equipes dentro do Vale do Javari, sem rodízio de profissionais. A permanência desses profissionais nas aldeias também é uma cobrança dos próprios índios. O cacique-geral dos índios marubos, Ivinimpapa (nome branco Alfredo), disse que muitos médicos que visitam a região chegam "descontentes" para trabalhar e partem na primeira oportunidade. Guenka afirmou que a situação na região é crítica, mas que o trabalho da operação resultará no controle dessas doenças entre os povos indígenas do Javari.
(Por Ricardo Brandt, O Estado de São Paulo, 26/05/2008)