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desmatamento da amazônia passivos do agronegócio
2008-05-26
Gilberto Câmara, cientista que dirige a agência espacial brasileira, fica mais à vontade analisando dados de satélite sobre a Amazônia do que quando forçado a estar no centro das atenções.

Mas desde janeiro, Câmara está no meio de um pé-de-guerra político entre cientistas e poderosos interesses econômicos no Brasil. Tudo começou quando ele e seus colegas engenheiros divulgaram um relatório que mostrava que o desmatamento na porção brasileira da floresta tropical havia crescido novamente depois de dois anos de declínio.

Desde então, Câmara, que dirige o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, viu-se obrigado a defender as descobertas de sua organização contra um dos homens mais ricos e poderosos do Brasil: Blairo Maggi, governador do maior Estado agrícola do país, o Mato Grosso, e empresário conhecido como o "Rei da Soja".

Maggi ficou tão preocupado com o relatório - que desencadeou duras medidas de repressão aos negócios em seu Estado - que pediu, e conseguiu, uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os riscos não poderiam ser maiores para Lula. A administração da Amazônia sempre foi um assunto delicado, com muitos brasileiros temendo que os poderes mundiais tentem impor suas normas sobre a floresta tropical. Mas nos últimos anos, o debate em relação à Amazônia se intensificou, com muitos outros países vendo a preservação da floresta tropical intacta como a chave para controlar o aquecimento global. Ao mesmo tempo, a economia brasileira decolou - em grande parte por causa dos empreendimentos que estão pedindo mais terras da Amazônia para plantações e pastos, e mais árvores para a exploração de madeira.

Lula passou os últimos anos caminhando numa linha tênue, tentando manter a imagem de primeiro presidente "verde" do Brasil, o que lhe valeu o reconhecimento internacional, sem ameaçar a indústria agrícola brasileira numa época de aumento de preços dos grãos e da carne.

As descobertas de Câmara tornaram o equilíbrio do presidente mais difícil e transformaram a disputa que vinha fermentando há tempos entre os empresários e ambientalistas em todo o mundo quase em uma guerra. Não ajudou em nada o fato de que o relatório, divulgado em janeiro, baseava-se amplamente numa medida relativamente nova de desmatamento chamada desmatamento progressivo, que é amplamente aceita pela comunidade ambientalista mas que Maggi alega ser uma mentira. O Instituto de Pesquisa Espacial, Inpe, argumenta que a desaceleração do desmatamento, que faz com que partes da floresta sejam reduzidas aos poucos e não de uma só vez, pode ser tão devastador quanto.

As críticas preocuparam os cientistas dentro e fora do Brasil, incluindo Câmara. "A ciência", diz ele, "não deveria se curvar ao poder."

A resposta do presidente foi mais amena; ele disse a Maggi que o Inpe iria rever seu trabalho. Mas o cientista disse que o instituto não foi pressionado para modificar seu posicionamento.

"Não é a primeira vez no mundo em que as pessoas contestam números porque não gostam deles", diz Thomas E. Lovejoy, presidente do grupo de pesquisas ambientais The Heinz Center, em Washington. "Mas é a primeira vez que isso acontece no Brasil. A pressão dos interesses econômicos agrícolas está de fato fazendo diferença em Brasília".

O Inpe relatou em janeiro que o desmatamento havia aumentado cerca de 11.150 quilômetros quadrados entre agosto e dezembro do ano passado. Esse número está a caminho de exceder os quase 18 mil quilômetros quadrados registrados entre agosto de 2006 e agosto de 2007.

Os dados do instituto também mostraram que 54% do desmatamento havia ocorrido no Mato Grosso, o Estado de Maggi, onde os cientistas disseram que os fazendeiros e madeireiras estão avançando cada vez mais para dentro da floresta.

Parte do desmatamento é ilegal. Os proprietários podem desmatar apenas 20% de suas terras na floresta. Mesmo assim, o relatório foi uma dor de cabeça para o governo. Lula havia ganhado atenção internacional nos últimos anos por causa do crescimento do programa de biocombustíveis do país e por causa da queda de dois anos no desmatamento.

Agora que o Inpe está sendo atacado, os ambientalistas se preocupam publicamente que o presidente possa se render às pressões do agronegócio. A comunidade ambiental ficou ainda mais alarmada quando Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e respeitada defensora da floresta tropical, renunciou ao cargo esse mês. Ao deixar o governo, ela notou a pressão por parte de governadores orientados para a indústria, incluindo Maggi, para reverter as medidas de repressão do governo federal contra a destruição da floresta.

Lula respondeu ao relatório do Inpe com novas e duras medidas, incluindo a imposição de restrições de crédito para os envolvidos no desmatamento ilegal e criando uma operação policial combinada chamada Arco de Fogo, que conduz vistorias-surpresa para pegar madeireiros ilegais.

O Inpe usa dois satélites para obter seus dados, um que cruza a Amazônia inteira a cada 15 dias e outro que cruza a região a cada mês.

A agência tem dois sistemas para medir o desmatamento. Um satélite anual chamado Prodes mede áreas de desmatamento tão pequenas quanto 15 acres, enquanto um sistema de baixa resolução chamada Deter foi projetado para mapear áreas maiores que 60 acres em tempo real, fornecendo informações para as autoridades agirem rapidamente para evitar mais desmatamento.

A controvérsia em relação aos números do Inpe está centrada na informação fornecida pelo Deter. No passado, diz Câmara, o instituto detectava principalmente os vastos trechos de terra desmatada em suas análises. Mas os pesquisadores ambientais vinham pedindo há anos para que os pesquisadores dos satélites expandissem o monitoramento para incluir as áreas desmatadas pelos madeireiros e pelo fogo de superfície, e não somente as áreas que haviam sido totalmente cortadas. O Inpe usa o termo degradação progressiva para se referir ao processo sistêmico de degradação florestal cada vez mais comum na Amazônia nos anos recentes. O instituto começou a incluir esses dados em sua análise em 2005, disse Câmara.

O último alerta de desmatamento mostrou que cerca de um terço das novas áreas desmatadas estavam em degradação progressiva, e mais de 75% estavam "severamente degradadas", disse ele.

"Temos de nos perguntar o que acontece entre a floresta e o corte total", diz Câmara, que tem 52 anos e trabalha no instituto há 26. "Tendo em mente que se você vai fazer um trabalho de prevenção e fiscalização, precisa estar lá o mais rápido possível."

Em outras palavras, se os fazendeiros, madeireiras e outros estiverem desmatando ilegalmente, mesmo que devagar, o governo tem uma chance maior de pegá-los antes que uma grande área de floresta seja afetada se o satélite identificar as áreas que estão sendo reduzidas. "Estamos satisfeitos com a tecnologia que temos", diz ele. "É o maior uso de dados remotos para a proteção ambiental de forma sistemática em todo o mundo".

Mas para Maggi, que governa o Estado que se tornou uma locomotiva do crescimento da indústria agrícola brasileira, foi difícil aceitar a notícia de que o Mato Grosso era novamente o pior agressor da floresta. Enquanto é elogiado por muitos por ter sido pioneiro na expansão do Brasil no mercado mundial de soja, sua posição pró-indústria e suas ações como presidente de um negócio crescente de soja tornaram-no alvo freqüente de ambientalistas.

O Greenpeace deu a ele o Prêmio Moto-Serra de Ouro em 2005 por ter sido o brasileiro que mais contribuiu com a destruição da floresta tropical.

O chefe de gabinete de Maggi, Alexander Torres Maia, não respondeu às ligações para comentar a reportagem, nem a uma lista de perguntas enviadas por e-mail na semana passada.

Nos anos recentes, Maggi atenuou sua defesa explícita dos direitos dos empresários por necessidade política.

Mas isso não impediu seu governo de questionar os dados dos satélites. Autoridades do Mato Grosso dizem que a secretaria de meio ambiente do Estado nunca ouviu falar em desmatamento progressivo.

"Podíamos ver que isso não era desmatamento, era a queima de campos e desmatamento antigo", disse o secretário de meio ambiente do Mato Grosso, Luis Henrique Chaves Daldegan, em entrevista.

A secretaria do meio ambiente do Mato Grosso trabalhou para reunir evidências para provar que o Inpe havia superestimado o desmatamento no Estado. Técnicos compararam as imagens de satélite desde 2000, viajaram para locais em que havia controvérsias e fotografaram a paisagem atual. Segundo Daldegan, as fotos provam que as áreas que o Inpe diz terem sido desmatadas recentemente foram na verdade desmatadas no passado, desde 2000.

Em 25 de março, a secretaria do Estado forneceu a Câmara um relatório detalhado que incluía 854 fotos de áreas no Mato Grosso que o Inpe havia incluído em seus números. O relatório sustentava que apenas 10% das áreas haviam sido desmatadas recentemente.

Apesar de os ministros terem publicamente apoiado o Inpe na disputa, Lula instruiu o instituto para que respondesse a contestação do Mato Grosso até 5 de maio.

Mesmo antes da reunião entre Maggi e o presidente para discutir a frustração do governador com o Inpe e suas descobertas, Câmara colocou 10 dos 50 especialistas que produziram a análise de desmatamento para trabalhar na análise das fotos e dados do Mato Grosso. Eles trabalharam intensamente por seis semanas, disse ele, às vezes carimbando suas análises de fotos depois da meia-noite.

"Havia claramente uma necessidade de urgência", disse Câmara.

Ao final, o Inpe disse que 96% de sua avaliação inicial estava correta.

"O Inpe está muito orgulhoso, e as pressões internas foram quase tão grandes quanto as pressões externas para mostrar que a ciência iria vencer", disse Câmara. Ele, todavia, concordou em usar satélites de alta-resolução no futuro para melhorar a credibilidade da análise do instituto. Daldegan disse que ainda não está satisfeito.

"Não achamos que é o fim da história", disse Câmara. "Mas eles não pediram para que parássemos de fornecer esses dados. Então isso já foi um avanço."

(Por Alexei Barrionuevo,  The New York Times, UOL, 26/05/2008)


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