Nos 120 anos da abolição, conheça como vivem descendentes de escravos em algumas das 17 comunidades negras da região
No Brasil Colonial, quilombo era o nome dado a lugares onde se concentravam escravos fujões. Era um termo usado pelas estruturas policiais da época para denominar terras ocupadas por negros que tentavam, arbitrariamente, libertar-se. Hoje, a expressão serve para dar nome a territórios reconhecidos como "terra de negros", locais onde moram pessoas que se identificam como descendentes de escravos (fugitivos ou não).
No meio rural da região central do Estado, longe dos centros urbanos, há comunidades remanescentes de quilombos. Nas 35 cidades de cobertura do Diário, são 17. De um modo geral, a vida desses moradores está voltada para a agricultura, mas não necessariamente para uma exploração comercial da terra.
O professor doutor em antropologia José Carlos Gomes dos Anjos, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o calendário da abolição não tem a ver com a liberdade dos negros do Brasil. Segundo ele, que pesquisa, entre outros temas, assuntos relativos a comunidades quilombolas, os "senhores" usavam de mecanismos para manter os escravos. Um deles era doar terras de menor valor aos negros, criando, assim, um compromisso moral. Assim foram fundados muitos dos quilombos rurais que existem até hoje.
- Os negros acabavam trabalhando para os mesmos senhores como pagamento pelas terras. A idéia de que seriam livres para vender a mão-de-obra foi uma grande ilusão, na maior parte dos casos - afirma o professor.
Aldo Antônio Rodrigues, 79 anos, morador de Rincão Santo Inácio, em Nova Palma, confirma a tese do doutor:
- Os primeiros moradores que vieram morar aqui tinham a idéia de trabalhar por conta. Mas a maioria ficou com medo, porque não sabia se virar sozinho. A miséria também era grande. Então, o pessoal acabava trabalhando como agregado para os outros. Nem era por dinheiro. Era por comida, por um agasalho usado... No fim, continuou todo mundo escravo.
Reflexos do passado presentes no dia-a-dia
Passados 120 anos da assinatura da Lei Áurea, que tornou "livres" todos os escravos do Brasil (a maioria trazida de regiões da África onde hoje ficam países como Congo, Angola, Nigéria, Mauritânia e Serra Leoa), o MIX mostra as peculiaridades das comunidades quilombolas aqui da região e como os reflexos do passado repercutem no dia-a-dia dos seus moradores. A reportagem tentou entrevistar pessoas que, de uma forma ou de outra, retratem a realidade de suas comunidades. O leitor está convidado a conhecê-los, nas próximas páginas.
(Por Bianca Backes, Diário de Santa Maria, 24/05/2008)