85% das famílias assentadas entre 1985 e 2006 não possuem licença ambiental
Projetos sofrem com falta de assistência técnica, redes de abastecimento de água potável, energia elétrica e estradas trafegáveis
Levantamento recém-concluído pelo governo federal sobre o passivo dos assentamentos da reforma agrária revela a necessidade de R$ 8 bilhões para sanar todos os problemas de infra-estrutura nos projetos criados entre 1985 e 2006.
Segundo o documento, ao qual a Folha teve acesso, das 747,9 mil famílias assentadas em 7.421 projetos, 85% não contam com licenciamento ambiental, uma co-responsabilidade da União e dos Estados e que, na prática, abre ao lavrador a chance de captar créditos bancários para sua produção.
Há carência também na assistência técnica (83%), em redes de abastecimento de água potável (68%), na energia elétrica (52%) e nas estradas trafegáveis (47%).
Outro exemplo da falta de infra-estrutura está relacionado ao chamado PDA (Plano de Desenvolvimento do Assentamento), estudo que traça as diretrizes do projeto (o que vai ser produzido, por exemplo).
No papel, o PDA é o primeiro passo de um assentamento. Na prática, 158 mil famílias assentadas (21% do total) não têm esse plano, segundo o Plano de Qualificação dos assentamentos, produzido pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Um dos resultados dessa falta de infra-estrutura nos projetos de reforma agrária é o índice de inadimplência. Levantamento do Ministério da Fazenda revela que, dos 362,7 mil contratos de créditos fechados com assentados entre 1999 e meados de 2006 (em especial a linha de estruturação dos lotes), 120,3 mil (33%) estão inadimplentes com a União.
A falta de licenciamento ambiental e de assistência técnica também têm contribuído para que o dinheiro disponível no plano safra da agricultura familiar não seja todo gasto pelos trabalhadores rurais. Dos R$ 12 bilhões disponíveis no atual plano, o governo prevê que no máximo R$ 10 bilhões serão gastos. Isso porque projetos sem assistência técnica são rejeitados pelos bancos, enquanto assentados em projetos sem licenciamento ambiental não têm nem como requisitá-los.
"O agricultor precisa do licenciamento para fazer um novo investimento, como construir uma agroindústria, um curral, ampliar a área de plantio", afirma Paulo Caralo, secretário de Política Agrária e Meio Ambiente da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
O pedido de emissão do licenciamento ambiental precisa ser feito pelo Incra, o que, segundo os Estados, não tem ocorrido. Um exemplo desse "jogo de empurra" está no Pará, onde quase a totalidade das famílias assentadas (99,7%) não tem licenciamento ambiental em seus projetos.
"Hoje o cenário dos projetos de assentamento do Pará é preocupante, uma vez que o Incra não observou aos ditames legais", afirma a Secretaria de Meio Ambiente do Pará, por meio de sua assessoria jurídica.
O presidente do Incra, Rolf Hackbart, diz que o instituto, ao adquirir um imóvel para a reforma agrária, já o recebe degradado. Quanto ao licenciamento, diz que abriu uma negociação com os Estados.
"Elementos"
Segundo o documento do Incra, alguns "elementos" têm interferido diretamente na permanência das famílias nos assentamentos, entre os quais a baixa renda dos assentados, a assistência técnica insuficiente, a utilização de tecnologia inadequada, dificuldades no acesso à água e ausência de saneamento básico e ambiental.
A região Norte concentra a maior parte dos problemas. Nela, 89% das 307 mil famílias assentadas não contam com licenciamento ambiental. Na região dominada pela Amazônia, o índice de famílias sem assistência técnica é de 88% e o daquelas sem água potável, de 68%. No Nordeste, o Maranhão tem mais carências: 87% dos assentados não contam com assistência técnica, enquanto 73% vivem em projetos "isolados", que precisam de construção e recuperação de estradas.
Neste ano, o governo reservou R$ 2 bi para a qualificação dos assentamentos, contra R$ 1,4 bi gastos no ano passado.
(Por Eduardo Scolese, Folha de São Paulo, 26/05/2008)