É obrigatória a adição de 2% do produto ao diesel, mas o índice saltará para 3% no segundo semestre
Entrevista: Irineu Boff, diretor da Oleoplan, usina de Veranópolis, analisa as perspectivas mundiais para o segmento
Veranópolis - A Oleoplan é uma das recentes usinas instaladas no Brasil para a produção de biodiesel, considerado o produto do futuro, mas apontado também como um dos vilões para a crise mundial dos alimentos, já que parte dos grãos seria abocanhada pela atividade. O diretor da empresa serrana, Irineu Boff, discorda da tese de que o combustível verde representa uma ameaça à oferta de produtos no mundo. Pelo contrário, a alta dos preços, impulsionada pelo aumento da demanda, seria um estímulo a mais para os agricultores, avalia.
O empresário é otimista com as perspectivas mundiais que se descortinam para o segmento dos biocombustíveis, em função de serem menos poluentes, mas admite que há dificuldades no caminho.
- O setor tem futuro, mas com os tropeços de uma criança que está aprendendo a caminhar - analisa.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Boff:
Pioneiro: Como situa-se a Oleoplan diante das perspectivas mundiais para o setor de biocombustíveis?
Irineu Boff: A Oleoplan é uma indústria tradicional da moagem de soja, o nosso biodiesel. A Oleoplan entrou para o ramo de biodiesel, após anos de estudos, e o momento era muito oportuno e continua sendo. Acreditamos que o setor de biocombustíveis terá um mercado para ele. À medida que o petróleo vai escasseando e ficando cada vez mais caro, mais se consolida a possibilidade econômica da participação da bioenergia. Isso pelo lado econômico, sem contar o lado ambiental. As dificuldades são inerentes ao processo de criação de uma nova atividade.
Pioneiro: O mercado nacional tem condições de absorver todo o biodiesel gerado pelas usinas?
Boff: O consumo no Brasil ainda é de apenas 2% obrigatório de adição no diesel, porém a capacidade das usinas instaladas no país é muito maior do que isso. Uma das perspectivas é que melhore, pois no segundo semestre já vai iniciar 3% de mistura obrigatória no diesel, e gradativamente vamos atingir os 5% que está previsto na lei. Passado mais alguns anos, já deve estar resolvida a participação no mercado internacional de biocombustíveis. Hoje, está travada essa participação brasileira, em função de subsídios que outros fabricantes como Argentina e Estados Unidos propiciam aos seus produtores.
Pioneiro: Apesar de receber estímulos, em função de ser menos poluente, o biocombustível está sendo considerado vilão para a alta dos alimentos no mundo. Você concorda com isso?
Boff: Não. O biocombustível, principalmente o biodiesel, só favorece o aumento da produção de alimentos. Grande parte das oleaginosas que é utilizada hoje para o biocombustível, como soja e canola, produz óleo e farelo. Desse farelo, se extraem proteínas que vão direto para a ração animal ou para produtos de frigoríficos. Essa escassez de alimentos não é por motivos de consumo de bionergia. O motivo é que a China está aumentando o consumo. Ela incorpora a cada ano praticamente um Brasil novo dentro dela. Está havendo um desenvolvimento econômico mundial mais rápido do que o crescimento da agricultura. Com os novos preços, provavelmente vai se produzir cada vez mais áreas. O preço será o estímulo para a expansão da produção. Isso pode ter certeza: se tiver remuneração, os agricultores vão responder imediatamente.
Pioneiro: O preço do produto ainda é um entrave à expansão do setor?
Boff: O preço do biodiesel é caro se comparado ao preço do óleo diesel. Mas ele é um produto mais nobre: ele não polui, não faz aquecimento global, tem uma série de vantagens. É um investimento que vale a pena ser feito. Enquanto for mais caro do que o diesel de petróleo, o consumo no Brasil ficará limitado a 5% da obrigação. Acima disso, poucos consumidores terão o desprendimento de ficar pagando mais caro, embora possa ser usado só o biodiesel.
Pioneiro: Mas já há testes no Brasil de veículos, como ônibus, que só usam o produto?
Boff: Os testes só com biodiesel existem há muitos anos em todo o mundo. Na Alemanha, há mais de cinco anos há bombas de biodiesel 100%. E vende. Pode vender um pouco menos agora porque ficou mais caro. O governo alemão não está estimulando tanto porque esse estímulo também era baseado em redução de impostos. Está sendo ajustado esse mercado por lá.
Pioneiro: O cliente da Oleoplan hoje é basicamente a Petrobras?
Boff: Sim. Temos participado dos leilões dentro de uma quantidade razoável. São leilões orientados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), cujo executor é a Petrobras. Hoje todos os produtores autorizados no Brasil estão trabalhando dentro desse mecanismo, de participar de leilões para a Petrobras. Não há outro mercado.
Pioneiro: Como funciona o estímulo à produção de grãos?
Boff: Na Oleoplan, aumentamos o número de parceiros da soja e estamos fomentando junto a produtores outras oleaginosas, como mamona, canola e até uma cultura perene que se chama tungue, que está em fase de testes. No girassol não estamos investindo porque há outras empresas apostando nele. O principal é a soja, as outras duas já tem produção, mas é muito pequena. Um dos motivos que retarda esse processo foi esse novo patamar de preço da soja. Isso ficou muito atrativo para o produtor. Nas outras culturas, há um processo de implantação lento, tem que conquistar o produtor, adaptar uma nova tecnologia para que ele tenha uma boa receita por hectare.
Pioneiro: Que programas a Oleoplan tem para o estímulo rural?
Boff: Um programa é só de assistência técnica. Outro é de assistência técnica e fornecimento de sementes, mas tudo tem um contrato de garantia de preço. Isso é o principal mecanismo: a gente garante a compra por um preço em que o produtor terá boa rentabilidade.
Pioneiro: A empresa tem recebido incentivos tanto do governo federal quanto do gaúcho para investir nesse setor.
Boff: Tem o incentivo federal, que reduz os impostos PIS e Cofins na proporção da aquisição de soja da agricultura familiar. E nós obtivemos do Estado incentivos para equilibrar um pouco com os estímulos conquistados pelo setor nos demais Estados. Por exemplo, nos outros Estados, os principais produtores têm mecanismos de compensação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Aqui no Rio Grande do Sul, é mais ou menos 50% do que os outros Estados conseguem, o que é um bom começo. Mas é difícil de competir porque a soma de incentivos que eles têm é muito maior. Os grandes produtores de biodiesel estão no Centro-Oeste, Mato Grosso, Goiás e Tocantins.
Pioneiro: A escassez de alimentos fez com que a soja e outros grãos recuperassem seu valor no mercado. Isso vai impactar no preço do biodiesel?
Boff: O grão chega mais caro, isso resulta em um óleo de soja mais caro. Mas como o petróleo está subindo de preço, então acaba que tudo anda subindo meio junto.
Pioneiro: O senhor considera que fez um bom negócio investir nesse segmento?
Boff: Sem dúvida, acredito nesse setor. Ele vai ter futuro. Por enquanto, tem os tropeços de uma criança que está crescendo, aprendendo a caminhar.
(Por Silvana Toazza, Pioneiro, 24/05/2008)