Depois de impor restrições à propaganda de tabaco, álcool e alimentos, a burocracia da União Européia agora se volta contra os carros movidos a gasolina. Uma série de imposições aos comerciais de veículos foram propostas pelo órgão, com o objetivo de estimular a produção de modelos mais econômicos. A idéia enfrenta resistência. Montadoras alemãs e conglomerados de mídia alertam que, dessa vez, o impacto financeiro pode ser devastador.
O paradoxo começa na própria Comissão Européia. Apenas alguns poucos VIPs podem deixar o carro no estacionamento do imenso prédio Berlaymont, em Bruxelas, sede da UE. Sedãs de luxo da Audi, BMW, Jaguar e Mercedes se enfileiram. No inverno, os motoristas deixam os motores ligados para se aquecerem e no verão também, para manter o ar-condicionado funcionando.
O espetáculo é especialmente curioso às quartas-feiras, quando o presidente da Comissão Européia, José Manuel Barroso, e os 26 comissários da UE reúnem-se para debater os problemas do clima e o que fazer para salvar o planeta.
Para desestimular essa prática, o comissário para o meio ambiente, Stavros Dimas, escolheu como carro oficial um híbrido japonês, famoso pelas baixas emissões de gás carbônico. Ele é exceção. Seus colegas comissários não vêem razão para mudar suas preferências automotivas. "Trabalhamos muito", diz um deles, "e precisamos de carros grandes, confortáveis e rápidos".
Embora não tenham interesse em discutir quando se trata dos seus próprios carros de luxo, os comissários pretendem cuidar do assunto de maneira que vai afetar todo mundo na Europa. Os legisladores da UE pretendem restringir e regulamentar a publicidade de carros, esperando que, assim, muita gente comece a se desinteressar dos grandes carros e acabe preferindo modelos mais econômicos.
A Comissão planeja anunciar suas novas propostas no final do mês e, em 5 de junho, discuti-las com políticos e representantes do setor automotivo. Apesar de os detalhes ainda provocarem controvérsias dentro da própria Comissão, a direção geral é clara. O ponto central é exigir que, em todos os anúncios em revistas e jornais, cartazes e comerciais de TV, seja sublinhado nitidamente o consumo de gasolina e o volume de emissões de CO2 por quilômetro rodado no caso de veículos de grande porte. Referências à rapidez ou ao "prazer de dirigir" serão desaprovadas. De acordo com um documento da UE, o plano tem por fim nada mais do que "reformular a sociedade" e "mudar os hábitos de consumo e produção".
As montadoras italianas e francesas que trabalham com carros de pequeno porte devem receber o projeto de braços abertos. Por outro lado, as montadoras alemãs - e o setor de propaganda que depende delas - devem batalhar contra. Executivos do setor editorial, como Bernd Kundrun, presidente da Gruner+Jahr, temem "conseqüências dramáticas" para a mídia impressa se a propaganda automotiva for eliminada. Num mercado publicitário já fraco, os comerciais de carros representam cerca de 20% das receitas publicitárias de muitas revistas.
Há muitos bons argumentos para reduzir rápida e substancialmente o consumo de gasolina e a emissão de gases tóxicos a partir de carros. Os reservatórios de petróleo podem eventualmente secar, além de o gás carbônico contribuir para a catástrofe no clima e meio ambiente. Mesmo assim, é muito polêmica a abordagem da UE para resolver o problema.
As preocupações não se aplicam só aos carros. Com o objetivo de melhorar sua imagem entre os cidadão em temas como consumo e proteção ambiental, a Comissão de Bruxelas está assumindo mais e mais competências. Restrições a propaganda, produção e venda de brinquedos, tabaco, álcool e muitos alimentos também estão em vigor ou serão anunciadas em breve.
De cereais matinais a Coca-Cola, tudo está sendo classificado como bom ou ruim para os cidadãos, que aparentemente perderam a habilidade de julgar por si próprios. De acordo com o porta-voz da Associação Alemã das Empresas de Publicidade, Volker Nickel, Bruxelas está promovendo um "gigante programa de reeducação para consumidores e produtores".
Há quem discorde do modo como isso é feito. O professor de direito na Universidade de Tübingen, na Alemanha, Wernhard Möschel, afirma que a UE trata os consumidores como "idiotas" que precisam de "supervisão". "É como se as pessoas não soubessem a diferença entre vinho branco e tinto", afirma.
(O Estado de São Paulo, 26/05/2008)