O sertanista Sydney Possuelo, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), vê as recentes ações violentas de indígenas em Altamira (PA) e Avaí (SP) como um reflexo da “indiferença” com que as reivindicações dos índios têm sido tratadas no País.
De acordo com Possuelo, não há um movimento organizado das nações indígenas para questionar os temas que não lhes agradem, mas manifestações diversas, que aparecem a todo tempo, praticamente, todos os anos.
Eis a entrevista.As ações violentas nos dois Estados não são uma questão do dia de hoje?
Não há um problema atual, mas o recrudescimento de antigas questões que nunca foram resolvidas. Isso leva ao questionamento dos índios e à perda da paciência, com excessos tanto de parte dos índios quanto dos brancos.
Haveria uma falta de negociação do Estado e de particulares com os índios?
Quando se trata de índios, tudo é imposto goela abaixo, porque o Estado tem os meios para fazer valer sua opinião, até com o uso da força. Em Altamira, trata-se de uma discussão antiga que jamais chegou a termo e em São Paulo é algo parecido. Não há discussão ou apresentação dos problemas para que os indígenas possam se posicionar ou, ao menos, ser informados. Não é, claro, privilégio das relações com índios, porque a nossa sociedade também não vive em harmonia.
O caso da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, e as idas e voltas da demarcação são emblemáticos deste problema?
Este é um problema antigo, que vem recrudescendo nos últimos tempos, exatamente por causa das questões legais. Ainda não é emblemático, mas pode vir a ser se o Supremo Tribunal Federal (STF) não reconhecer a demarcação das terras feita pela União.
O que pode acontecer?
A situação ficará muito complicada, bem mais do que agora. Espero que isso não ocorra porque seria um enorme retrocesso e o Brasil andaria na contramão da história. A área foi demarcada, os invasores foram indenizados, mas não saíram. O tempo que leva para essas questões se resolverem conspira contra os índios, já que os invasores se organizam, montam seus ranchos e ganham apoio, exatamente como tem acontecido.
Em outros países, a questão indígena está mais tranqüila, do ponto de vista dos conflitos?
Há casos em que a situação está bem encaminhada. A Austrália e o Canadá destinaram áreas a seus indígenas - no caso do país americano os índios inuits - e fizeram um pedido formal de desculpas dos respectivos governos às nações indígenas, em uma postura digna e antenada com os novos tempos.
(Por Moacir Assunção, O Estado de S. Paulo,
Instituto Humanitas Unisinos, 22/05/2008)