Com mais de 200 povos indígenas e uma diversidade de comunidades locais (como quilombolas, caiçaras e seringueiros), o Brasil reúne um inestimável acervo de conhecimentos tradicionais sobre a conservação e uso da biodiversidade. Exatamente por isso, é um dos países mais interessados na criação de um mecanismo legal, internacional, para proteger o uso dessas práticas, bem como punir sua apropriação indevida. Esse é um dos principais assuntos em discussão durante a 9ª Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que acontece até o dia 30 de maio, em Bonn, na Alemanha.
As discussões giram em torno da implementação do Artigo 8(j) da CDB, que obriga os países signatários a "respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais relevantes à conservação e utilização sustentável da diversidade biológica". O artigo também encoraja "a repartição justa e equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas". O problema é como levar o discurso para a prática.
A expectativa da delegação brasileira é que na COP-9 possa se chegar a um consenso em torno de um "código de conduta", voluntário, para todas as pessoas que usam recursos oriundos de comunidades tradicionais, e que garanta o respeito ao patrimônio cultural e intelectual das mesmas. Esse código seria uma base para o estabelecimento, a médio prazo, de um regime internacional sui generis, um regime novo, para proteção desses conhecimentos. O regime deverá conter, por exemplo, diretrizes sobre consentimento prévio informado e termos mutuamente acordados entre as partes.
O uso de conhecimentos tradicionais é visado não apenas por suas propriedades, mas por acelerar o desenvolvimento de produtos e reduzir o volume de investimentos em pesquisas por parte das empresas. De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, de cada 10 mil amostras de substâncias analisadas, apenas uma demonstra utilidade, o que faz com que uma pesquisa para lançamento de um novo produto possa levar até 15 anos, com custos entre US$ 230 milhões e US$ 500 milhões. Pesquisas apontam que 75% dos 120 compostos ativos amplamente utilizados pela medicina apresentam correlação positiva com o uso tradicional das plantas das quais derivam.
Anteprojeto em consulta pública até julho O reconhecimento da necessidade de proteção da sociodiversidade, intrinsecamente associada à biodiversidade, está consagrado também na legislação interna brasileira. O Governo Federal está em processo de consulta pública ao Anteprojeto de Lei (APL) sobre Acesso a Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Repartição de Benefícios. O prazo termina em 13 de julho. O APL deverá substituir a Medida Provisória 2.186-16, de 2001 e dispõe sobre a coleta de material biológico; o acesso aos recursos genéticos e seus derivados, para pesquisa científica ou tecnológica, bioprospecção ou elaboração ou desenvolvimento de produtos comerciais; a remessa e o transporte de material biológico; o acesso e a proteção aos conhecimentos tradicionais associados e aos direitos dos agricultores; além de abordar a repartição de benefícios resultantes do uso da biodiversidade.
(Por Gisele Teixeira,
MMA, 21/05/2008)