Para o belga Olivier De Schutter, biocombustível de cana é menos nocivo ao ambiente que o de milho
Depois da tempestade causada por seu antecessor, que classificou a produção de biocombustíveis de "crime contra a humanidade", o novo relator para o Direito à Alimentação das Nações Unidas defendeu ontem um olhar diferente para o álcool brasileiro. Para o belga Olivier De Schutter, o combustível de cana-de-açúcar causa menos danos ao ambiente e tem menor impacto no preço dos alimentos que outros.
De Schutter participou da sessão especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para debater a crise mundial de alimentos. Foi seu primeiro pronunciamento no conselho desde que, há três semanas, assumiu o cargo que era do sociólogo suíço Jean Ziegler.
"Os agrocombustíveis têm sido um dos principais fatores que levaram à alta no preço das commodities agrícolas, devido à competição entre alimentos, ração e escassa terra arável", disse De Schutter.
Segundo ele, todo o aumento da produção de milho nos EUA desde 2004 foi dedicado à produção de combustível. Neste ano, acrescentou, 25% do milho produzido pelos americanos será para o álcool. Quanto à UE, chamou de "irrealista" a meta de converter toda a sua frota a veículos movidos a biocombustíveis até 2020, além de um incentivo à especulação.
"Abandonando essa meta estaremos enviando um forte sinal aos mercados de que os preços de grãos não subirão infinitamente, o que desencorajará a especulação nos mercados de futuros", recomendou.
Depois, em conversa com jornalistas, De Schutter poupou o combustível produzido no Brasil. "Acho importante fazer uma distinção entre os diferentes tipos de agrocombustíveis [...] Minha preocupação é com o produzido de milho."
Para ele, há diferença por ao menos dois motivos: primeiro, porque a produção de cana gera mais empregos que a de outros biocombustíveis, com um impacto social positivo. Além disso, afirmou, o etanol de cana é menos prejudicial ao ambiente porque precisa de menos energia para ser produzido, gerando menos gases poluentes.
Sérgio Florêncio, embaixador do Brasil em Genebra, lamentou que não tenha havido mais menções durante a sessão de ontem aos subsídios agrícolas concedidos pelos países ricos. Para o Itamaraty, eles são um dos principais motivos do encarecimento dos alimentos.
Ele disse que o país tem "um amplo material" que comprova que o álcool tem papel menor na escalada dos preços e que ele será enviado a De Schutter. O belga, porém, disse não estar totalmente convencido. "A forma como a cana compete com alimentos por terras escassas pode ser um problema."
(Por Marcelo Ninio, Folha de São Paulo, 23/05/2008)