Presidente da estatal diz que país pode ter auto-suficiência no refino a partir de 2015, o que turbinaria saldo comercial
Gabrielli diz que novas descobertas podem deixar empresa como a 5ª maior do setor e admite ação política no preço do combustível
O Brasil deverá se tornar auto-suficiente na produção de derivados de petróleo a partir de 2015, com a construção de mais quatro novas refinarias -duas em curso e outras duas em estudo, elevando o total de unidades no Brasil para 15.
"Se nós tivermos essas [15] refinarias em 2015, seremos provavelmente auto-suficientes", disse à Folha o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, 58. Segundo ele, a capacidade de refino deverá passar de 1,9 milhão de barris por dia para 3,6 milhões.
Hoje, o Brasil produz petróleo acima de suas necessidades, mas de um tipo pesado, que não gera a gasolina e o diesel suficientes para atender à demanda interna, obrigando a empresa a importá-los, o que reduz o saldo comercial.
Uma delas, confirmou Gabrielli, deve ser no Maranhão, terra do atual ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a quem a estatal está ligada. Ele diz, porém, que é "uma coincidência positiva" a escolha do Estado do ministro. Quanto à quarta refinaria, diz que ainda não haveria definição.
Petista, professor da Universidade Federal da Bahia, Gabrielli avalia que o preço do petróleo vai se manter elevado pelos próximos quatro a cinco anos, variando entre US$ 80 e US$ 120 o barril. "É uma realidade definitiva", diz ele.
Segundo Gabrielli, a estatal não tem outro caminho senão continuar investindo na Bolívia, apesar da instabilidade no vizinho. "A Bolívia representa hoje 50% da oferta de gás no Brasil. Você quer parar São Paulo? Nós não queremos também; então precisamos do gás da Bolívia."
Para Gabrielli, não houve interferência política no reajuste dos combustíveis, que ficou quase três anos congelado apesar da forte alta do petróleo: "É importante discutir com o governo os impactos macroeconômicos", defendeu. A seguir, trechos da entrevista na última terça-feira em seu gabinete, em Brasília, antes de a estatal confirmar nova descoberta na bacia de Santos.
FOLHA - O presidente Lula disse há poucos dias que, em breve, haverá eleição direta para presidente da Petrobras e ele indicaria o novo presidente do país, tentando dimensionar a importância da estatal no futuro. Que futuro é esse?
JOSÉ SERGIO GABRIELLI - Nós somos uma empresa que tem, talvez, uma perspectiva de crescimento da produção de petróleo e de gás maior do que a de todas as empresas do mundo. Isso antes das descobertas que fizemos nas áreas de Tupi, do pré-sal. Mais importante que o crescimento da produção de petróleo é que nós temos a perspectiva de crescer no refino, estamos construindo neste momento duas refinarias [Comperj e Abreu Lima] e podemos construir uma terceira e uma quarta refinarias até 2015. Teremos 15, hoje temos 11.
FOLHA - Quais são essas novas?
GABRIELLI - Estão em construção a refinaria de Pernambuco, o Comperj (RJ), uma refinaria petroquímica, e estamos fechando os estudos de uma refinaria premium, provavelmente no Maranhão. Uma refinaria para a produção de diesel de alta qualidade, gasolina de altíssima qualidade, voltada mais para a exportação, aproveitando a localização para exportar para Estados Unidos e Europa.
FOLHA - Pesa aí o fato de o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, ser do Maranhão?
GABRIELLI - É uma coincidência positiva, mas não é uma escolha porque ele é o ministro, nem deveria ser uma decisão de não ser lá porque ele é ministro. É tecnicamente adequada pela localização estratégica.
FOLHA - O sr. acha que pode acontecer o cenário traçado por alguns analistas de o barril custar US$ 200?
GABRIELLI - Temos hoje um crescimento da demanda na faixa de 1,8%, 1,9% ao ano. A oferta está crescendo na faixa de 1,6%, 1,8%. Então, estão caminhando quase igual. Por aí, não se espera nenhuma mudança brusca de preço.
FOLHA - Então por que os preços não param de subir?
GABRIELLI - Porque as expectativas passam a ser mais relevantes. Com taxas de juros baixas, os agentes financeiros vão para cima do preço do petróleo. Virou uma aplicação financeira que você ganha na volatilidade. Nossa expectativa é que o preço permaneça alto, com enorme volatilidade.
FOLHA - Em que patamar, US$ 100 o barril?
GABRIELLI - Numa faixa maior de variação, talvez entre US$ 80 e US$ 120, nos próximos quatro a cinco anos. É uma realidade definitiva. Preço de petróleo barato dificilmente teremos num horizonte visível de quatro a cinco anos.
FOLHA - Mesmo com a alta do barril, hoje na casa de US$ 100, a Petrobras demorou mais de dois anos para reajustar o preço da gasolina e do diesel. Houve interferência política no controle desses preços?
GABRIELLI - Se pegar o preço do barril em reais, só nos últimos três meses realmente teve diferença entre o preço da Petrobras e o internacional, por conta da depreciação do dólar.
FOLHA - Mas a empresa deixou de ganhar com o atraso no reajuste?
GABRIELLI - É muito difícil de fazer essa conta. Se tivesse isso, o que aconteceria com a economia em termos de crescimento do país?
FOLHA - Mas o sr. considera normal discutir preço no Planalto, pedir o aval?
GABRIELLI - É importante discutir com o governo os impactos macroeconômicos. Porque a Petrobras é uma empresa grande. Você não acha que as decisões da Exxon são discutidas com o governo americano, onde ela vai, onde não vai?
FOLHA - Há previsão de quando um dos megacampos poderá produzir?
GABRIELLI - Perfuração, já estamos fazendo. Produção, em Tupi, num teste de longa duração, de 20 mil a 30 mil barris por dia, a partir de março de 2009, para testar fluxo, capacidade de produção, coletar dados, que leva de seis a oito meses. Em finais de 2010, devemos iniciar o projeto piloto de Tupi, com 100 mil barris por dia.
FOLHA - Com os investimentos em refinarias, quando o Brasil terá auto-suficiência propriamente dita?
GABRIELLI - Se tivermos essas refinarias em 2015, seremos provavelmente auto-suficientes, se a nossa projeção de demanda se confirmar.
FOLHA - Em quanto vai aumentar a capacidade de refino?
GABRIELLI - Temos hoje capacidade de 1,9 milhão de barris por dia. Deveremos ir para alguma coisa próxima de 3,6 milhões. Os nossos problemas principais são diesel e nafta.
FOLHA - O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse que, se as empresas não investirem em gás, as reservas serão retomadas pelo país. O que o senhor acha disso? É complicado investir em um país como a Bolívia?
GABRIELLI - Nós precisamos investir na Bolívia. A Bolívia representa hoje 50% da oferta de gás no Brasil. Você quer parar São Paulo? Nós não queremos também, então precisamos do gás da Bolívia. Não tem jeito, não podemos fugir dela.
FOLHA - Quando a gente pode fugir dela?
GABRIELLI - Até 2019 não fugiremos dela. Não tem jeito. No máximo, a gente reduz o nosso grau de dependência, aumentando a produção nacional.
FOLHA - Então não adianta ter uma posição de rompimento?
GABRIELLI - Rompimento é um tiro no pé. Precisamos do gás, e eles sabem disso. E eles precisam de nós. É uma dependência mútua.
FOLHA - Qual a perspectiva da empresa nos investimentos em álcool?
GABRIELLI - A Petrobras quer ser um "player" importante na logística e na comercialização, principalmente para exportação. Não queremos disputar a produção com produtores nacionais nem queremos disputar o mercado interno.
FOLHA - Qual a ambição do sr., em que posição quer deixar a Petrobras?
GABRIELLI - Nossa meta estratégica é ser uma das cinco maiores empresas de energia do mundo.
FOLHA - Hoje, onde estamos?
GABRIELLI - Somos hoje, no ranking de todas as empresas de petróleo, a 14ª, a 15ª das empresas de energia. Se nós pegarmos só as empresas com ações em Bolsa, somos a sétima.
(Por Valdo Cruz e Humberto Medina, Folha de São Paulo, 23/05/2008)