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hidrelétrica de pai querê hidreletricas do rio pelotas hidrelétrica barra grande
2008-05-21
Em 1976, quando autoridades norte-americanas negaram permissão para que uma fábrica da Dow Química iniciasse obra de um complexo petroquímico de US$ 500 milhões ao longo do Rio Sacramento, na Califórnia, a expressão NIMBY - "not in my backyard", ou "não no meu jardim"- passou a ser empregada nos Estados Unidos e logo se espalhou para situações semelhantes em todo o mundo. "Não no meu jardim" transformou-se em sinônimo de tudo que as pessoas não querem que aconteça como impacto negativo nas redondezas de suas casas ou cidades. No contexto original, o acrônimo se refere a impactos ambientais: ninguém deseja, por exemplo, efeitos negativos de grandes hidrelétricas sobre comunidades e ecossistemas de rios que passem por suas cidades.

No entanto, todos querem ter mais energia, bem-estar e conforto, o que, para muitos, pode significar a contrapartida de aceitar um grande empreendimento perto de sua casa/cidade. Entra aí uma figura chamada compensação. Aceita-se "pagar um custo socioambiental" por mais conforto. Mas quando esse custo se transforma em má negociação, em acordos não plenamente cumpridos e, principalmente, quando implica uma transformação no tipo de renda econômica de municípios envolvidos, gera-se uma espécie de "NIMBY invertido": ninguém quer abrir mão de áreas "produtivas" para abrigar a sustentação de espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção.

Esta parece ser a realidade que envolve a polêmica que circunda a criação do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Pelotas e dos Campos de Cima da Serra. Trata-se de uma área de 268.195 hectares que envolve 11 municípios catarinenses e três gaúchos, visando compensar danos ambientais do empreendimento da Usina de Barra Grande. Esta hidrelétrica, com capacidade de 690 MW, recebeu licença de operação do Ibama em julho de 2005, mas seu Estudo de Impacto Ambiental, realizado pela empresa Engevix, omitiu a presença de 5.636 hectares de florestas primárias ou em fase avançada de regeneração e 2.686 hectares com vegetação secundária.

A irregularidade somente foi descoberta quando a represa já estava construída. No fim, o consórcio Baesa - formado por Alcoa Alumínio, DME Energética, Camargo Corrêa e CBA, do Grupo Votorantim - foi multado em R$ 10 milhões pelo Ibama. Antes disto, em setembro de 2004, o Baesa firmou um termo com Ministério Público Federal, Advocacia-Geral da União, Ibama, Ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia, no qual deve cumprir vários compromissos com o objetivo de reparar o dano.

Como resultado deste impasse, em que a licença ambiental de operação de Barra Grande foi mantida pela Justiça sob argumento de que a questão chegou à côrte quando a área já estava alagada e de que "o Brasil necessita de energia", o Ministério do Meio Ambiente, a partir de 2006, passou a coordenar estudos para a proposta de criação de uma área de preservação, que é justamente o Refúgio de Vida Silvestre do Rio Pelotas e dos Campos de Cima da Serra.
 
ONGs
As ONGs Núcleo Amigos da Terra (NAT) e Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), que acompanham de perto os impactos de Barra Grande, exigem que a compensação dos danos da hidrelétrica seja realizada em área próxima ao empreendimento. "Na semana passada, enviamos ofício ao Ministério Público Federal em Caxias do Sul (RS) para saber sobre os recursos da compensação. Estamos aguardando uma resposta da procuradora Luciana Guarnieri", afirma Elisângela Paim, coordenadora de Comunicação do NAT. Segundo ela, a Baesa depositou R$ 21 milhões em juízo, referentes ao valor da compensação.

No entanto, um consórcio formado por CPFL Geração de Energia, Alcoa Alumínio S/A, DME e Votorantim, chamado de Grupo Empresarial Pai Querê, está com pedido de licença prévia no Ibama para o licenciamento de mais uma usina no Rio Pelotas, a chamada Pai Querê, com capacidade de 292 MW, cujo EIA está a cargo da Engevix, a mesma que elaborou o respectivo estudo para Barra Grande. O fato é que, havendo licença de operação para Pai Querê, o objetivo de compensação ambiental de Barra Grande em área próxima ao empreendimento, como requerem as ONGs e movimentos sociais representantes de atingidos pela obra, será inviabilizado.

Simplesmente porque a proximidade de ambas as usinas literalmente colocará por água abaixo esta reparação. Basta notar que Barra Grande localiza-se nas seguintes coordenadas geográficas: 27º46´ Sul, 51º13´ Oeste, entre Pinhal da Serra (RS) e Anita Garibaldi (SC); e Pai Querê está projetada para as coordenadas 28º19´ Sul e 50º39´ Oeste, entre Bom Jesus (RS) e Lages (SC). Calculando-se as distâncias entre essas cidades, a máxima não ultrapassaria 220 quilômetros, enquanto que o refúgio ocuparia cerca de 270 hectares, o equivalente a 2,7 quilômetros quadrados.
 
Pressão
Segundo informação dada pelo assessor Fabiano Ferraro, da procuradora de Justiça do MPF de Caxias do Sul Luciana Guarnieri, tramita naquela unidade do MPF um inquérito civil público sobre o andamento do licenciamento de Pai Querê. "O Ministério do Meio Ambiente tem a proposta de um corredor ecológico para aquela área [que seria de Pai Querê], elas foram a apresentadas às comunidades, inclusive há vários pareceres de professores de universidades e de ONGs sobre as características da região", acrescentou Ferraro, informando que a procuradora Luciana "é contrária à Pai Querê, e se o licenciamento for adiante, entrará com ação civil pública".
 
Segundo informações da Imprensa do Ibama RS, técnicos do instituto estiveram na região destinada a Pai Querê há cerca de 20 dias e há uma grande pressão por parte do licenciamento da hidrelétrica a fim de atender metas do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal. Pai Querê também foi uma das ênfases dada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em sua visita ao Rio Grande do Sul, em março último. Na ocasião, ela disse que a hidrelétrica é prioritária no âmbito do PAC.

A Avaliação Integrada de Impacto da Bacia do Rio Uruguai - do qual o Rio Pelotas é um dos formadores, realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE, do MME) em 2005 como uma das condicionantes do termo assinado pelo consórcio Baesa após as irregularidades de Barra Grande, aponta que a criação de um refúgio da vida silvestre não é incompatível com a construção de novos aproveitamentos hidrelétricos. Há duas questões relevantes, no entanto: a definição de onde será localizado o refúgio e o fato de que ele só poderá existir se a Casa Civil da Presidência da República sancionar sua criação.
 
Localização
Segundo estudos realizados por várias universidades - UFRGS, UFSC, PUCRS - e fundações ambientais (Fatma/SC, Fepam/RS), além de ONGs (Ingá), na área proposta para o refúgio estão 20% das espécies de mamíferos que ocorrem na Mata Atlântica - 50% do total de espécies existentes deste bioma no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Localizam-se na região 70% das espécies ameaçadas de extinção citadas em listas regionais (RS), nacionais (Ibama) ou internacionais (da IUCN, União Internacional para Conservação da Natureza). Entre elas estão: puma, jaguatirica, gado-do-mato, veado campeiro, lontra, e aves como gralha azul, papagaio-do-peito-roxo, caminheiro grande, noivinha-do-rabo-preto e papagaio charão. Além disto, existem espécies de peixes novas e não descritas na área. Outros estudos da UFRGS apontam que nessa região estão 1.082 espécies vegetais nativas entre as formações de campos vegetais, entre as quais as seguintes ameaçadas de extinção: pinheiro-brasileiro, xaxim, imbuia, cnela-preta, canela-sassafrás, além de espécies raras como palmeira ibitirá, cetáceas, orquidáceas e bromeliáceas.

Segundo a proposta do MMA para a área do refúgio, dos 268,195 hectares, 47,5% correspondem a áreas de floresta ombrófila mista/densa primária ou secundária em estágio avançado de regeneração ou sucessão; 46,29% são para campos naturais; 3,11% destinam-se a floresta secundária em estágio inicial/médio de sucessão; 1,53% são para a silvicultura; 0,47% para a agricultura e 1,03% para hidrografia.

Os municípios de localização da reserva, em Santa Catarina, são: Capão Alto (3,30% da área municipal), Lages (10,04%), São Joaquim (13,8%), Jacinto Machado (12,1%), Timbé do Sul (53,9%), Morro Grande (54,1%), Bom Jardim da Serra (26,3%), Nova Veneza (16,2%), Siderópolis (13,2%); Treviso (16,7%); Lauro Müller (27,6%). No Rio Grande do Sul, serão abrangidos Bom Jesus (21,8%), Cambará do Sul (8,6%) e São José dos Ausentes(55,8%). Esta área total foi reconhecida pelo Governo Federal como de Extrema Importância Biológica para fins de conservação por meio do Decreto Federal 5.092/2004, atualizado por Portaria do MMA de 09/2007. Todos os municípios abrangidos terão direito a compensações pelo ICMS Ecológico, o qual terá um valor proporcional, por município, ao tamanho e tipo de área protegida.
 
"NIMBY invertido"
Para levar a proposta da criação do refúgio às comunidades dos locais para onde está proposto, recentemente foram realizadas quatro audiências públicas pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) do MMA: dia a 28 de abril, em Bom Jesus (RS); dia 29 de abril, em São José dos Ausentes (RS); dia 30, no Auditório do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) da UFSC, em Lages (SC), e dia 2 de maio, em Timbé do Sul (SC). Segundo uma integrante do Ibama RS que participou de uma dessas audiências, em São José dos Ausentes, está havendo uma massiva rejeição da proposta por parte dos prefeitos. "Eles alegam que vai engessar a economia", observa a técnica, lembrando que na região existem atividades como pecuária e cultivo de maçãs e batatas. Há um temor de que a criação de uma área de preservação se transforme em um pesadelo econômico para os prefeitos, assim como as próprias hidrelétricas ainda vêm sendo, a ponto de se criar, na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, no último dia 13 de maio, uma subcomissão para tratar de impactos socioeconômicos desses empreendimentos.

Contudo, o que está em foco, no caso do refúgio, é a preservação de um tesouro biológico que não vai gerar, de imediato, valor econômico para as futuras gerações. Cabe questionar se a máxima do NIMBY não está sendo invertida, ou seja, deixando de ser aplicada aos danos ambientais para aplicar-se aos supostos danos econômicos. Há necessidade de se deixar bem claros os termos de compensação econômica para os 14 municípios evolvidos, a fim de que novas atividades econômicas, compatíveis com a preservação ambiental - como o turismo ecológico, por exemplo - possam ser introduzidas e mantidas de maneira rentável, e que os mecanismos do ICMS Ecológico realmente funcionem.

Todos querem energia disponível e barata, mas nenhum prefeito quer perdas no comércio e na indústria com o desaparecimento de áreas por alagamento. Municípios querem compensação por perdas econômicas derivadas de grandes empreendimentos hidrelétricos, mas agora acenam querer "longe do seu jardim" o que consideram perda -em cifrões - com a preservação da biodiversidade. Este é um problema não só dos prefeitos, mas de toda a sociedade. Quanto estamos dispostos a suportar, ou renunciar hoje para que o fim da biodiversidade não nos crie condições de morte no futuro?
 
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 19/05/2008) 

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