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etanol biocombustíveis cana-de-açúcar
2008-05-21
Luís Oliveira e a sua equipe acordam antes do amanhecer para embarcar em um ônibus velho que os leva à Fazenda Água Doce, uma propriedade produtora de cana-de-açúcar na região central do Estado de São Paulo, onde o calor freqüentemente supera os 40ºC. Eles cortam cana manualmente, usando o podão, uma ferramenta parecida com um facão, cuja aparência não mudou muito desde que foi inventada. Os intervalos para beber água são curtos, e a comida é exígua e nada apetitosa.

Esta situação tem gerado muitas críticas da União Européia, que alega que o Brasil, o maior exportador de etanol do mundo, é um reduto de práticas trabalhistas e ambientais condenáveis. Tais críticas e a tarifa de 0,19 euro (US$ 0,29) por litro que a União Européia impõem sobre o etanol brasileiro estão prejudicando uma indústria que o Brasil deseja promover como uma alternativa verde aos combustíveis fósseis.

Stavros Dimas, comissário ambiental da União Européia, declarou recentemente que as cotas planejadas de biocombustível da União Européia devem estar subordinadas a "preocupações de ordem ambiental e social", o que fez com que o ministro das Relações Exteriores do Brasil ameaçasse reclamar formalmente junto à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Uma autoridade do Ministério das Relações Exteriores brasileiro também advertiu no início deste mês que o governo cogitaria tomar uma ação no âmbito da OMC caso os Estados Unidos aprovassem uma legislação mantendo as tarifas de US$ 0,54 (0,34 euro) sobre o galão do etanol importado e preservassem os créditos fiscais reduzidos de US$ 0,45 o galão aos fabricantes norte-americanos de etanol. É praticamente certo que esta lei será aprovada nas duas casas do Congresso dos Estados Unidos por ampla maioria.

Os brasileiros dizem que as críticas às práticas agrícolas do país muitas vezes não passam de tentativas mal camufladas de proteger as indústrias domésticas dos países que criticam o Brasil.

"Que padrões sociais e ambientais a União Européia impõe a atuais fornecedores de energia como Nigéria, Venezuela, Irã e Iraque?", questiona Ingo Plöger, ex-diretor do fórum regional Mercosul-União Européia.

Mas o governo indicou que está disposto a negociar com a União Européia, em parte em resposta às críticas de que o Estado de São Paulo - que responde por 80% do produto interno bruto brasileiro - está criando leis para melhorar as condições trabalhistas e eliminar o corte manual da cana dentro dos próximos quatro anos.

No entanto, a mecanização não é bem recebida pela maioria dos 300 mil trabalhadores dos canaviais, já que para eles isso significará agora a limitação do poder de negociação salarial e, em breve, desemprego.

Elio Neves, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais de São Paulo, em Araraquara, cidade próxima à Fazenda Água Doce, no coração da área de cultivo de cana, diz que os salários estagnaram-se nos últimos anos, e que os trabalhadores recebem apenas R$ 2,80 reais (US$ 1,46) por metro quadrado de cana cortado, o que significa que ganham menos de R$ 30 por dia em média neste país.

As altas metas de produção transformaram a força de trabalho. Há 20 anos, havia um equilíbrio entre homens e mulheres, e jovens e velhos. Atualmente, a maioria dos trabalhadores não tem condições físicas para trabalhar depois dos 35 anos de idade, e as mulheres praticamente desapareceram dos canaviais.

Os trabalhadores da Fazenda Água Doce - o mais velho, de 51 anos, é um caso excepcional - fizeram greve várias vezes no ano passado, apresentando reclamações que, segundo Neves, são típicas. Eles afirmam que os salários são miseráveis, e estão convencidos de que são vítimas de trapaça na hora da pesagem da cana cortada.

"Não temos permissão para ver aquilo que cortamos sendo pesado. Por quê? Porque os proprietários nos roubam", reclama Oliveira.

Mesmo assim, a maioria dos trabalhadores da Fazenda Água Doce carece de educação para trabalhar em outro setor, e alternativas como a marcenaria e trabalhos temporários são poucas. As perdas são especialmente prejudiciais para as economias de Estados mais pobres como o Maranhão e o Piauí, que dependem fortemente do envio de dinheiro dos migrantes que vão para o sul para trabalhar na temporada de corte da cana, que dura cinco meses.

A redução dos danos ambientais - uma outra fonte de críticas feitas no exterior - também é uma questão cheia de controvérsias. Marcelo Furtado, diretor do Greenpeace Brasil, afirma que a expansão das áreas plantadas com cana-de-açúcar empurrará outras culturas para regiões ecologicamente sensíveis.

O governo diz que está respondendo a tais preocupações com medidas como um decreto que proíbe o plantio em certas áreas da Amazônia e do Pantanal Matogrossense.

Uma pesquisa feita pela Conab, uma agência do governo que coleta dados do setor agrícola, revela que cerca de 653 mil hectares de terra foram transformados em canaviais no ano passado, dos quais quase 90% correspondiam a áreas anteriormente ocupadas por pastagens e plantações de milho ou soja.

Ainda há muita área para expansão: o Brasil possui cerca de sete milhões de hectares de terras plantadas com cana-de-açúcar, dos quais três milhões de hectares são usados para a produção de etanol, comparados a 200 milhões de hectares utilizados para pastagens, cerca de 21 milhões de hectares para a soja e 14 milhões de hectares para o milho.

Mas David Cleary, diretor dos programas de conservação para a América do Sul da The Nature Conservancy, um grupo ambientalista internacional, afirma que ninguém sabe ainda se as iniciativas do governo serão bem sucedidas.

Uso do biocombustível "inteligente" chegou a um ponto de virada
O antigo programa de biocombustível do Brasil, que remonta à década de 1970, é cada vez mais visto com admiração e uma dose de suspeita pelo mundo desenvolvido.

O gigante latino é o líder global da área, e os biocombustíveis são muito utilizados no país para o transporte. As vendas dos populares veículos bicombustíveis, que funcionam com gasolina ou álcool, deram um salto, e no ano passado representaram 72% do total de automóveis vendidos, comparados a meros 3% em 2002.

O etanol brasileiro, feito com cana-de-açúcar, é mais barato e mais eficiente sob o ponto de vista energético do que a versão produzida a partir do milho, que é comum nos Estados Unidos, onde o amido precisa ser convertido em açúcares antes de ser destilado. A complexidade do processo significa que o etanol baseado no milho gera emissões de carbono que são apenas de 10% e 20% menores em relação ao petróleo. Já o etanol de cana-de-açúcar possibilita uma redução das emissões entre 87% e 96%.

Segundo o ministro da Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, o programa do país reduziu a dependência brasileira do petróleo e diminui significativamente as emissões de gás carbônico.

De acordo com Amorim, o Brasil apresenta um dos melhores índices de emissões de gás carbônico per capita do mundo, com 1,76 tonelada por ano, contra uma média mundial de 4,18 toneladas.

Nathaniel Jackson, funcionário graduado do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, afirma que o banco apóia o desenvolvimento de combustíveis "inteligentes", tais como o etanol brasileiro feito com cana-de-açúcar. "Eu não chamaria o etanol feito de milho de biocombustível 'burro', mas os relatórios revelam que a conversão do milho em etanol está afetando o preço dos alimentos", adverte Jackson. "Ele enxerga um mar de mudanças no decorrer do último ano, e observa que corporações como a Wal-Mart estão abraçando novas iniciativas. "Nós atingimos um ponto de virada".

(Por John Rumsey e Jonathan Wheatley, Financial Times, UOL, 21/05/2008)


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