Em audiência, as comissões da Amazônia e de Relações Exteriores debateram os problemas da reserva Raposa Serra do Sol.
Parlamentares de Roraima voltaram a criticar a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol no Estado. Em audiência pública conjunta das comissões da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional; e de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, os deputados Neudo Campos (PP) e Maria Helena (PSB) citaram possíveis ameaças à soberania nacional se for mantida a terra indígena na área de fronteira do País com a Guiana e a Venezuela.
Ex-governador de Roraima, Neudo Campos classificou como um exagero a demarcação de grandes áreas indígenas e alertou que, sem assistência técnica e acesso à saúde e à educação, os índios não terão condições de sobrevivência, apesar do extenso território. "Eles têm muita terra, o que já é exagerado. O que eles precisam é de ajuda para produzir seus próprios alimentos." O deputado ainda ironizou dizendo que a maior maloca que existe em Roraima é Boa Vista. "A grande maioria dos índios vem para Boa Vista para trabalhar, porque não quer ficar morrendo por lá. Eles têm já uma área muito grande e isso não resolve o problema."
A reserva Raposa Serra do Sol abrange uma área de quase 1,7 milhão de hectares. Ao todo, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), Roraima tem 46% do território ocupado por terras indígenas.
Fronteiras
O presidente da Funai, Márcio Meira, reconheceu o desafio de se pensar um modelo de desenvolvimento para o Estado que integre a questão indígena. Meira enfatizou que a demarcação é um direito constitucional desses povos e que a manutenção de reservas em áreas de fronteira não compromete a segurança nacional. "Não há nenhum problema relativo à soberania nacional em função de ter terra indígena [na fronteira], porque as terras indígenas são propriedade da União e a Constituição diz claramente que a presença das Forças Armadas na fronteira está autorizada. Elas estão presentes inclusive por meio de pelotões de fronteira."
O secretário-executivo da Coordenação das Associações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Kleber dos Santos Karipuna, destacou que os indígenas, da fronteira ou não, são brasileiros comprometidos com a soberania nacional e a defesa do território. Ao contrário do deputado Neudo Campos, Karipuna defendeu a necessidade da demarcação contínua das terras indígenas, inclusive as extensas. "A demarcação contínua garante, sim, a sobrevivência desses povos no seu território, porque garante a terra que tradicionalmente esse povo ocupava, para ter seu direito a caça, pesca, sobrevivência dentro do território, e ao crescimento de seu povo."
Karipuna acrescentou que o Estado brasileiro, além de manter a demarcação contínua para os povos indígenas, precisa disponibilizar os direitos constitucionais garantidos a todo cidadão brasileiro: à saúde e à educação.
A coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, que também participou do debate, disse que é preciso desmitificar o discurso de que áreas indígenas ameaçam as fronteiras e a defesa nacional. Para a procuradora, a criação de ilhas de demarcação, e não a demarcação contínua, vai isolar e segregar grupos.
Deborah Pereira citou como exemplo o projeto Calha Norte, programa de defesa das fronteiras, para ressaltar que uma das principais ações do programa é o povoamento das fronteiras. "Se os indígenas não podem participar do povoamento, ou se considera que eles não são gente ou que eles são menos gente. O discurso revela um preconceito."
Nas últimas semanas, os conflitos entre indígenas e produtores rurais que ocupam a área da Raposa Serra do Sol se acirraram. O governo enviou tropas federais para desarmar a população e manter a ordem na região. Enquanto o Supremo Tribunal Federal não decidir sobre a legalidade da demarcação contínua da reserva, os produtores não devem ser retirados da área.
(Por Ana Raquel Macedo, Agência Câmara, 20/05/2008)