Quase meia centena zonas naturais classificadas em Portugal estão no caminho de projectos prioritários da Rede Transeuropeia de Transportes, segundo um relatório da Royal Society for the Protection of Birds (RSPB), em conjunto com outras organizações de defesa do ambiente europeias. O país é beneficiário de dois dos eixos de projectos que mais impacto podem vir a ter sobre áreas de protecção da natureza. Um deles envolve a construção do TGV e o outro inclui o novo aeroporto internacional de Lisboa.
Divulgado na semana passada, o estudo teve por base os 30 eixos da rede transeuropeia, uma ideia estratégica lançada no princípio dos anos 1990, com o objectivo de facilitar a circulação e aumentar a competitividade da UE. Há uma lista prioritária de projectos que, segundo o relatório, foram idealizados há vários anos, "fortemente influenciados por prioridades políticas".
Muitos, porém, vão chocar - ou já o estão a fazer - com outra política europeia, de protecção de animais e plantas e dos seus habitats, através da Rede Natura 2000. Centenas de zonas de protecção especial de aves (ZPE) e zonas de interesse comunitário (ZIC), assim classificadas ao abrigo da Rede Natura, ficam numa faixa de até cinco quilómetros dos eixos prioritários e poderão ser afectadas.
Dos eixos que mais ameaçam essas áreas, dois envolvem Portugal. Um deles é o eixo de alta velocidade do Sudoeste europeu, que envolve a construção do TGV no país. Cinco ZPE e 11 ZIC em Portugal estão na sua zona de influência. Em França e Espanha, há mais 51 ZPE e 106 ZIC no caminho dos projectos. O relatório argumenta que, em Portugal, a zonas classificadas da ria de Aveiro, estuário do Tejo, vale do Côa e Campo Maior são passíveis de ser "gravemente afectadas".
Outra linha de projectos de impacto potencial é a do eixo multimodal Portugal/Espanha-resto da Europa. Implica o reforço de diferentes modos de transporte da Península Ibérica - ferroviário, rodoviário, marítimo e aéreo. Muitas obras estão em curso ou já foram feitas. Outras ainda estão por construir, como o novo aeroporto internacional de Lisboa, que o relatório ainda toma como estando previsto para a Ota.
O estudo chama a atenção para os riscos de afectação da ZPE de Castro Verde por novos projectos. A zona já foi atravessada pela auto-estrada para o Algarve (A2), o que valeu a Portugal uma condenação no Tribunal de Justiça europeu, em 2006. Para evitar o pior, o relatório sugere uma série de medidas antes da concretização dos eixos prioritários da rede transeuropeia de transportes, em particular uma avaliação ambiental prévia e estratégica dos projectos.
(Por Ricardo Garcia, Ecosfera, 19/05/2008)