O recente salto nos preços globais de alimentos reforçou um antigo debate sobre os subsídios agrícolas na União Européia na segunda-feira (19/5). Alguns ministros viram aí mais uma razão para desmantelar o sistema de pagamentos de vários bilhões de euros. Os defensores dos subsídios, por outro lado, argumentaram que o sistema era mais necessário do que nunca.
Em uma reunião em Bruxelas, países liderados pela França enfatizaram a necessidade de manter certos subsídios pagos diretamente aos agricultores em troca da produção de alimentos básicos, como carne. "Primeiro de tudo, a solução para a crise não é pelo comércio livre", disse o ministro da agricultura francês, Michel Barnier, rejeitando a posição promovida pelos países em favor do mercado, como o Reino Unido e a Dinamarca.
Barnier disse que a crise de alimentos ressaltava a necessidade da chamada Política Agrícola Comum da Europa, ou CAP, que ele chamou de marco na segurança alimentar do continente. Ele também sugeriu que o modelo fosse exportado para promover a segurança alimentar em outras partes do mundo, inclusive em áreas em desenvolvimento como o Norte da África, onde os países vizinhos poderiam se ajudar da mesma forma que as nações européias.
Outros países, como o Reino Unido, argumentaram em favor de permitir aos mercados maior influência sobre o que é plantado na Europa e contra a revogação dos cortes acordados no passado. "Se alguém defender a volta para onde estávamos previamente seria um erro", disse a ministra da agricultura britânica Hillary Benn, referindo-se a política agrícola.
Durante o encontro, os ministros discutiram a necessidade de enviar maior assistência para melhorar a produção agrícola em países em desenvolvimento. Alguns ministros também ressaltaram a importância de desenvolver combustíveis a partir de refugos agrícolas para reduzir a demanda por combustíveis de baixo carbono produzidos a partir de cultivos que poderiam também ser usados para a alimentação.
O aumento no preço das commodities, entretanto, aprofundou os argumentos dos dois lados sobre o futuro da política agrícola, estabelecendo o cenário para o debate dividido sobre o futuro do orçamento de 100 bilhões de euros -e sobre a política agrícola em particular, responsável por mais de 40% desse valor- no final deste ano. "As opiniões estão divergindo quanto à linha a ser tomada em relação à CAP no futuro", disse o ministro de agricultura da Eslovênia, Iztok Jarc. Ele acrescentou que a situação era complexa devido à diversidade de causas para os preços altos das commodities.
Além da relutância da Europa em reformar seu sistema, há um impasse na questão na Organização Mundial de Comércio, onde repetidamente empacaram as negociações para um novo acordo global comercial. Enquanto continuar o apoio do governo americano à agricultura, é improvável que a Europa altere o seu sistema. Na semana passada, os congressistas americanos confirmaram a provável continuação do sistema atual.
Pequenas mudanças no subsídio agrícola europeu serão apresentadas na terça-feira pela Comissão Européia, braço executivo da União. A comissão proporá a abolição do terreno reservado -que exige que alguma terra seja mantida improdutiva- assim como um subsídio especial de 45 euros por hectare, atualmente dado para a produção de matéria-prima para biocombustíveis.
A comissão também proporá aumentos anuais nas quotas de produção de leite antes da abolição do sistema, programada para 2015; e proporá um teto aos subsídios, reduzindo os que são conferidos a grandes proprietários de terra, como a rainha da Inglaterra, uma medida à qual se opõem o Reino Unido e a Alemanha, duas nações que perderiam com sua adoção.
A política agrícola européia nasceu após a Segunda Guerra Mundial, quando a Europa Ocidental procurou reconstruir sua infra-estrutura agrícola arrasada e garantir suprimentos alimentares. Meio século depois, novos países-membros, como a Hungria, e aqueles a favor do mercado, como o Reino Unido, argumentam que mudanças radicais no mercado global significam que a agricultura tornou-se muito mais lucrativa e sustentável e que a necessidade de subsídios estatais é ultrapassada.
Alemanha e França, entretanto, estão argumentando que o aumento no preço dos alimentos significa que os subsídios devem continuar, e fundos devem ser dedicados ao renascimento do investimento no setor de agricultura europeu para assegurar uma oferta de alimentos contínua e acessível. As diferenças cresceram na semana passada, quando o chanceler britânico do Tesouro, Alistair Darling, enviou uma carta aos colegas pedindo mudanças para permitir que os agricultores reajam mais à demanda.
Ele disse que era "inaceitável que, em uma época de significativa inflação dos alimentos, a Europa continue aplicando altas tarifas de importação para muitas commodities agrícolas". No longo prazo, disse ele, a Europa deve interromper os pagamentos diretos, que dão 32 bilhões de euros por ano aos fazendeiros. Em grande parte, o aumento nos preços dos alimentos deve-se ao custo crescente do petróleo e do gás natural, o que por sua vez faz aumentar o custo do nitrogênio -fertilizante crítico para os agricultores. Outros fatores imediatos são os custos crescentes da terra e do transporte e recentes fracassos de safras.
Jonathan Blake, gerente de um fundo de agricultura inaugurado na segunda-feira pelo Barings Asset Management em Londres, disse que os aumentos dos preços também são causados pelo crescimento populacional de longo prazo, o aumento da renda na Índia e na China e a mudança climática. "A pressão sobre os preços dos alimentos é imensa", disse Blake. "Recursos limitados e funis significam que a produção está lutando para corresponder à demanda, enquanto o aquecimento global provavelmente criará pressão adicional sobre a oferta nos próximos anos."
A comissária de agricultura européia, Mariann Fischer Boel, procurou amenizar os temores sobre o impacto econômico da alta dos alimentos em seus comentários na segunda-feira aos ministros de agricultura. Ela disse que os preços globais devem cair -depois das altas recordes recentes em áreas cruciais como grãos e laticínios- com o aumento gradual da oferta de commodities básicas.
Apesar do tempo adverso em muitas regiões ter prejudicado as safras, a situação agora parece estar retornando ao normal e deve aliviar certa pressão dos preços, disse ela. Mesmo assim, ela admitiu que os preços mais altos de alimentos não são temporários. "A médio prazo, os preços devem flutuar em torno de um nível mais alto do que vimos nas últimas décadas", disse ela. "Mas não acreditamos que os níveis recordes alcançados nos últimos meses persistirão."
(Por James Kanter e Stephen Castle, The New York Times, tradução de Deborah Weinberg, UOL, 20/05/2008)