Gaúcho, de 54 anos, o coordenador nacional mais conhecido do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, comenta nesta entrevista exclusiva a evolução e as perspectivas da luta dos camponeses no Brasil. Desde que surgiu, em 1984, o MST passou por mudanças significativas e hoje já não briga só por reforma agrária. Com um discurso baseado em responsabilidade social e preocupação com o meio-ambiente, Stedile defende que, se a produção de alimentos seguir a lógica capitalista, a vida no planeta não resistirá. Ele diz ser favorável à agroindústria e ao agrocombustível, mas questiona a monocultura e o impacto ambiental resultante dela.
O MST passa por um processo de mudança em que a luta não é mais somente por terras?
João Pedro Stédile - O movimento mudou porque a realidade mudou. Mudaram os inimigos da reforma agrária e dos pobres do campo. Antes, era o latifundiário que andava com as botas sujas de estrume. Hoje, quem concentra as terras e controla a agricultura no Brasil são as empresas transnacionais. No início do movimento, uns 25 anos atrás, havia um simplismo em que achávamos que bastaria conquistar terra que as pessoas sairiam da pobreza. Não é suficiente. Não adianta um camponês ter terra, se não tiver conhecimento. De uns 15 anos para cá, o MST tem feito um esforço muito grande para educar. Todas as crianças do MST estudam. Em todos os assentamentos há uma escola.
O movimento é contra agroindústria?
Stédile - Não, e isso tem a ver com o terceiro passo que demos. Vimos que de nada adianta produzirmos e termos escolas se for para entregar tudo para multinacionais. Elas vão continuar nos explorando. Qual a saída? É montar uma cooperativa, para ser dono do produto. O MST é contra à maneira como a agroindústria está organizada e não contra a agroindústria. Beneficiar, industrializar o alimento é a única maneira de transportá-lo e conservá-lo em longas distâncias, é a solução para alimentar o povo que vive nas cidades. Somos a favor da agroindústria.
E os agrocombustíveis?
Stédile - Nós somos a favor do agrocombustível, que é melhor que o petróleo, mas somos contra à forma como ele vem sendo implantado com grandes extensões de terra e monocultivo. Quando se implanta uma monocultura em grandes extensões, ela destrói as outras formas de vida e, portanto, altera o clima. O que dá equilíbrio na natureza é a integração das várias formas de vida. Quando se rompe esse equilíbrio, se coloca em risco a vida do próprio planeta.
E a campanha contra o etanol?
Stédile - Não é contra o etanol. Estamos fazendo uma campanha contra a forma de produção de etanol que está sendo adotada. Desse jeito, só interessa para usinas e multinacionais que vão levar o álcool para os Estados Unidos. Nós vamos ficar com a poluição. Qual a alternativa? Pequenas unidades de produção. Cada agricultor tem dez hectares e continua plantando comida, mas reserva dois hectares para cana.
É economicamente viável?
Stédile - É viável. É claro que não dá o mesmo lucro que 100 hectares de cana. É claro que o lucro vai ser menor, mas não é questão de lucro. Estamos discutindo qual a forma mais equilibrada de produzir. Se for para partir do pressuposto de que temos que plantar o que dá mais lucro, então vamos plantar maconha. Essa é a solução? Dá para imaginar que em São Paulo o projeto do Governo e das multinacionais é dobrar a área de cana? Quando se implanta o monocultivo de cana em 100 mil hectares, só fica cana. Nem formiga mais tem. Vai ser um inferno, um deserto verde. O mesmo vale para o eucalipto.
E o fumo?
Stédile - É diferente. O problema do fumo não é a forma de cultivo, o problema é que ele é um veneno. Nós deveríamos adotar as recomendações internacionais e, devagar, substituir a produção de fumo por alimentos.
O MST é contra agrotóxicos?
Stédile - Sim, somos contra. A gente chama de veneno. Primeiro foi a terra, a educação e a agroindústria. Depois, o quarto momento, que é muito recente, é a agroecologia. Nos demos conta de que para produzir um alimento mais sadio, sem ser monocultura e sem veneno, temos que dominar técnicas de agroecologia, produzir sem agredir a natureza. E, nesse ponto, temos uma dívida de gratidão com o Greenpeace. Foi o movimento que nos ajudou a ter consciência do perigo dos transgênicos. Como eles têm mais recursos no exterior, fizeram estudos bioquímicos dos efeitos da mutação transgênica nos alimentos.
E a relação com o Greenpeace?
Stédile - É uma relação natural, cada um dos parceiros observa o que o outro está fazendo e percebe que os temas são comuns. Começou a ser construída uma identidade na prática. Estamos preparando juntos um jornal com um milhão de exemplares em defesa da Amazônia. Vão distribuir em colégios de segundo grau e nas universidades para gerar uma consciência de que a Amazônia não é apenas um parque ecológico que temos que preservar. É questão de soberania.
E as diferenças?
Stédile - São de método. O Greenpeace é uma entidade tipicamente de classe média, todas as ações são de propaganda para denunciar alguma coisa. E isso eles fazem muito bem. Nós temos os mesmos objetivos que o Greenpeace, fazer uma agricultura mais sadia, combater agressões ao meio-ambiente, mas nossa tática é juntar o povo. Não temos dinheiro, não temos imprensa, então temos que juntar o povo e fazer com que a força desse povo seja a denúncia.
O MST é um movimento pacífico?
Stédile - Muito pacífico. Qual a nossa reflexão? De onde vem a força dos ricos, dos poderosos do Brasil? Do dinheiro, eles compram tudo. A força do Governo onde está? Nas armas. E os pobres? Onde está a força de quem não tem dinheiro, não tem arma? Está no número, na capacidade de mobilização.
(Por Daniel Santini, Folha Universal, 17/05/2008)