José Antonio Lutzenberger, ecologista de renome internacional, era também um homem do bairro. O ex-vendedor de produtos químicos retornou ao Brasil no início dos anos 70 e foi viver na casa construída pelo seu pai no número 39 da Jacinto Gomes. Ali viveu até sua morte, em 14 de maio de 2002. Lutz podia ser visto caminhando pelo bairro, ou almoçando no restaurante Cirilo, como se fosse um mortal qualquer.
Mas não era. O homem que consumiu 30 anos de sua vida brigando em nome da natureza se manteve irredutível até o fim e conquistou muitos adeptos. Foi rotulado de louco, retrógrado, irresponsável, visionário e gênio.
Nascido em 17 de dezembro de 1926 em Porto Alegre, José Lutzenberger foi engenheiro agrônomo formado pela UFRGS. Especializou-se em solos e agroquímica nos Estados Unidos. Além do português, sabia alemão, inglês, espanhol e francês. Em 1957, foi trabalhar na indústria química alemã Basf.
Começou ocupando postos na Alemanha, depois na Venezuela e no Marrocos. No início dos anos 1970, demitiu-se e voltou a Porto Alegre, onde ajudou a levantar a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), fundada por um grupo de amigos liderados por Augusto César Cunha Carneiro.
Quando falava em público, combinava ensinamentos práticos sobre a natureza e denúncias contra os destruidores do equilíbrio ecológico. Era aplaudido de pé. Mais convincente, sincero e entusiasmado do que a maioria dos ecologistas brasileiros, sensibilizou milhares de pessoas com suas mensagens sobre a delicada cadeia de vida que envolve a Terra, os crimes ambientais na Amazônia, o perigo dos agrotóxicos, os riscos da energia atômica, entre outros assuntos.
Impulsivo e pouco organizado, escreveu centenas de artigos e conferências. Sua obra mais característica e importante é O Fim do Futuro ou Manifesto Ecológico Brasileiro, que serviu de guia para os ecologistas do Brasil. Inicialmente foi editado em forma de tablóide e depois saiu em livro com 10.000 cópias vendidas em bancas.
Em 1979, Lutz resolveu tornar-se empresário e hoje a Vida Produtos e Serviços em Desenvolvimento Ecológico Ltda emprega mais de 100 pessoas. O que ele gostava mesmo era de orientar. “Meu papel é dar a filosofia. Tem gente competente para tocar o negócio e fazer a execução do trabalho”.
E para trabalhar com Lutz, tinha que ter um perfil especial. “Eu não gosto de especialistas. Preciso de generalistas que tenham visão ampla, caso contrário eles não enxergam os problemas e as soluções que existem”.
Em março de 1990, fiel ao seu princípio de que não basta protestar tem que tentar fazer o possível para mudar, ele aceitou ser ministro do Meio Ambiente do governo de Fernando Collor de Mello. Ficou um ano e um mês e considerou um dos piores períodos da sua vida. “Ali perdi boa parte da saúde que me restava”, dizia ele aos 75 anos, alquebrado por uma asma que se manifestou tardiamente, para a qual ele não encontrou explicação”.
Também foi seguindo essa idéia que ele aceitou ser conselheiro ambiental da Riocell, empresa que combateu publicamente quando ainda se chamava Borregaard e cujas chaminés espalhavam um fedor conhecido por todo o porto-alegrense na década de 1970.
Os caminhos de Lutz em Porto AlegreJosé Lutzenberger não apenas caminhava pelas ruas do bairro. Ele observava as particularidades de cada conjunto de árvores e chegou a fazer um catálogo informal em algumas vias em Porto Alegre. É o que seu discípulo e companheiro de ambientalismo, Augusto Carneiro lembra ao passear pela Vieira de Castro.
“Em 1972, o Lutz trazia muita gente nessa rua, que ele considerava com a maior diversidade de espécies de Porto Alegre”, relata.
Ainda hoje a Vieira de Castro é bastante arborizada. “Tem palmeiras, cinamomos, figueiras e a única araucária de Porto Alegre, que está bem escondida”, enumera, apontando a árvore mais alta em frente ao quartel, oculta no meio da vegetação.
Hoje, a lembrança de Lutzenberger segue sendo da luta pela preservação desse lugar. “Atentados têm todos os dias”, observa Carneiro, mostrando a marca de um machado num tronco de figueira.
A maioria dos cinamomos plantados há mais de 60 anos morreu pela poda equivocada. “Mas muita gente derrubou”, denuncia. Essas eram as árvores mais especiais para Lutz e continuam vigiadas por Carneiro. “Em cada cinamomo tem uma figueira se tu procurar bem”, aponta.
A figueira se protege no tronco do cinamomo – o que também acaba matando a árvore. Ele apalpa um pedaço de tronco amolecido. “Se transformou em terra para alimentar a outra”, observa.
Carneiro revela ainda que há outras quatro ruas em Porto Alegre que Lutz admirava. “Uma no Teresópolis e outras três na divisa dos bairros Moinhos de Vento e Independência”. Ele diz que não lembra o nome, mas pela descrição, uma é o túnel verde da Gonçalo de Carvalho.
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Jornal JA, 15/05)