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biocombustíveis segurança alimentar
2008-05-19

A temperatura está a subir, há espécies vegetais a florescer mais cedo e animais a alterar as suas migrações. A humanidade tem um problema grave entre mãos, mas Bert Metz, especialista em alterações climáticas, ainda consegue ser optimista.

O holandês Bert Metz é membro do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa), criado em 1988 pelas Nações Unidas para monitorizar as alterações climáticas e analisar o conhecimento científico sobre o assunto. Enquanto membro do IPCC, Bert Metz é "dono" de uma parte do Prémio Nobel da Paz de 2007, que distinguiu aquele organismo criado pela ONU no mesmo ano em que este divulgou um relatório que confirmou a extensão do aquecimento terrestre em curso e o grau de responsabilidade humana no fenómeno.

Metz preside ao grupo de trabalho que estuda as políticas de minimização das alterações climáticas, e recentemente passou por Portugal, para participar no I Congresso Internacional Escolar, em Braga. Em entrevista ao P2, defende que a actual crise dos cereais não é uma consequência dos biocombustíveis, mostrando-se optimista em relação ao futuro desta alternativa.

O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas sente-se de alguma forma responsável pelas consequências negativas que muitos especialistas apontam em relação à produção dos biocombustíveis?
O IPCC tem sido bastante cauteloso em relação a essa matéria, desde logo porque sabemos que certas formas de biocombustíveis não têm praticamente nenhum contributo para a redução de emissões de CO2. A produção de etanol a partir do milho nos Estados Unidos dá-nos uma redução de cerca de 20 por cento, mas, às vezes, em certas condições, não nos tem trazido vantagens nenhumas, porque essa produção exige grandes consumos de energia e envolve outras questões, como a utilização de produtos agroquímicos que se repercutem de forma negativa na utilização dos solos. A esse nível, a produção de combustível a partir da cana-do-açúcar no Brasil tem sido mais benéfica.

Não me respondeu à pergunta. Os biocombustíveis estão a ajudar a conduzir países à fome?
Nós nunca escondemos os potenciais conflitos da produção de biocombustíveis, designadamente na relação com as questões da comida. Infelizmente, há quem responsabilize os biocombustíveis pela crise dos cereais, o que é incorrecto e não é sério. O biocombustível representa uma fatia muito pequena da produção de cereais.

Mas parece ter aberto a porta à grande especulação nos mercados...
Ainda assim julgo que não se pode responsabilizar os biocombustíveis pela explosão do preço da comida. Não é correcto. Tomemos o exemplo do arroz, cujo preço, em alguns mercados, duplicou nos últimos seis meses. Não se fazem biocombustíveis a partir do arroz. Claro que temos de tomar precauções, de garantir que a produção de biocombustíveis não se sobreponha às necessidades de alimentação.

Qual será então o futuro dos biocombustíveis?
Baseado nos conhecimentos actuais, julgo que estamos ainda numa fase inicial. No futuro estaremos a produzir combustível a partir de outros materiais orgânicos, como resíduos florestais. Nessa fase, que não sabemos quando chegará, não estaremos a desviar os terrenos agrícolas nem a criar concorrência à produção de cereais para alimentação.

A solução é, portanto, esperar?
Passa por ser cauteloso e por apostar noutras alternativas. Precisamos de pôr em prática medidas de prevenção e de adaptação. Temos de prevenir que a acção humana continue a influenciar negativamente o clima e temos de adaptar os nossos hábitos.

De que forma conseguiremos isso?
Hoje já há tecnologia suficiente e muitas alternativas, embora alguma ainda esteja em fase de estudo, como é o caso dos biocombustíveis. Noutros casos, o que há ainda é demasiado caro, o que impede a sua generalização. Dou este exemplo: podemos poupar cerca de 80 por cento da energia com algumas alterações na construção dos edifícios. Essas soluções existem e não representam um aumento de custos para as construtoras. No entanto, não estão a ser usadas. Passa tudo por uma questão de mentalidades e esse é o maior combate de todos.

A energia nuclear é uma opção válida?
O nuclear permite baixar as emissões de CO2, mas também acarreta outros perigos e são esses riscos que a tornam uma opção pouco popular em alguns países, como Portugal, por exemplo. A esse nível, o IPCC não faz recomendações. Divulga dados e factos para que os políticos tomem as suas decisões dispondo da informação necessária. Participar nas decisões seria minar a credibilidade do IPCC, que tem reunido informações e dados científicos ao longo dos últimos 20 anos.

Os relatórios que temos feito mostram como o desenvolvimento das sociedades, o crescimento económico e industrial, o aumento do consumo energético agravará as interferências do homem no clima. Sabemos que o planeta tem ciclos climáticos, que se manifestam em períodos longos, de 100 mil anos ou mais, com diferenças climáticas que se produzem naturalmente. O nosso alerta tem sido o de dizer ao mundo que, ao ritmo actual, o homem conseguirá induzir maiores alterações no clima num período de 100 anos.

Há quem ponha em causa essas conclusões...
Há cientistas que são críticos e que negam que tudo isto seja verdade, afirmando que tudo o que o IPCC tem dito faz parte de uma conspiração. Julgo que são pessoas que têm eventualmente outros interesses, que ignoram ou que não olharam para os factos.

Que factos?
Os factos básicos: que a emissão de gases tem aumentado, que isso está a alterar o equilíbrio energético do planeta, que as medições indicam uma subida de temperatura à superfície e nas águas, que algumas espécies vegetais florescem mais cedo, que há espécies animais que alteraram as suas migrações. A humanidade tem um problema grave entre mãos. Os dados demonstram-no e quem diz o contrário não apresenta provas consistentes. Apenas confunde as pessoas.

E não é confuso apelar às pessoas para que deixem o carro na garagem e que depois haja indústrias que simplesmente ignoram as suas responsabilidades, ou governos, como a Administração Bush, que recusam consensos globais como o Protocolo de Quioto?
Claro que sim, a questão que coloca é pertinente. Para quê mudar as lâmpadas lá em casa, se políticos poderosos como o Presidente Bush não parecem interessados? A atitude da Administração Bush em relação a Quioto foi para nós um grande passo atrás, mas felizmente já houve uma mudança dramática.

Como assim? Em relação a Quioto, a posição norte-americana não mudou.
Mas se esquecermos a política federal e olharmos para aquilo que os estados norte-americanos têm feito por si, vamos encontrar, em cerca de metade deles, políticas ambientais que se enquadram nas nossas preocupações com o clima. Há empresas e movimentos cívicos e religiosos que levam este tema muito a sério. O próprio congresso norte-americano, que hoje é dominado pelos democratas, ao contrário do que sucedia quando Bush assumiu o poder, tem produzido alguma legislação.

Portanto, está optimista?
É preciso tempo para que estas acções se materializem em resultados concretos. O mais importante para o IPCC é que a época em que os Estados Unidos pura e simplesmente se punham de lado chegou ao fim. A questão é saber o que estarão disponíveis para fazer. Dito isto, sim, estou muito optimista em relação aos Estados Unidos, tal como estou em relação a outros países, como a China, um país enorme, mas muito dependente da importação de petróleo. A China, tal como a Índia, é relativamente pobre e produz menos emissões de CO2 do que a Europa e muito menos que os Estados Unidos, por isso não podemos esperar que façam o mesmo esforço que os países industrializados...

Que aliás têm oferecido muitas resistências à mudança. Basta pensar em alguns dos países do G8. No Japão as coisas têm melhorado, embora haja ainda muitas hesitações. Os Estados Unidos são o maior problema, mas, como disse, estou optimista. O Canadá tem basicamente ignorado a questão, mas julgo que isso mudará quando mudar o Governo. Os governos precisam de sentir que os cidadãos se preocupam com as alterações climáticas. Mas é mais fácil o cidadão comum preocupar-se com questões que as afecta no momento, como a pobreza, a fome e a guerra. É nossa responsabilidade dar-lhes um mundo pacífico, mas não podemos pôr em lista de espera o combate às alterações climáticas.

Não é isso que os governos têm feito?
A União Europeia está no bom caminho. Tem políticas, tem medidas concretas que estão em linha com as nossas preocupações. Temos é de ter consciência que partimos tarde para este combate e que tudo demora o seu tempo.
 
(Por Victor Ferreira, Ecosfera, 16/05/2008)     


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