Petição requerendo a inclusão de comunidades indígenas como partes na Ação Popular 3388, que pede a anulação da portaria que declara de posse permanente Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, foi entregue no STF. Proposta por advogados do ISA e do Conselho Indígena de Roraima (CIR), visa assegurar que as comunidades indígenas diretamente afetadas pela decisão sejam ouvidas sobre a validade da demarcação.
A petição, protocolada por advogadas do ISA e do CIR, visa ao ingresso de comunidades indígenas na Ação Popular 3388, movida pelo senador Augusto Botelho (PDT/RR), contra a Portaria 534/05, do ministro da Justiça, que declara a terra Raposa-Serra do Sol como indígena, para manter o reconhecimento oficial concluído com a homologação em abril de 2005.
De acordo com Joênia Wapichana, assessora jurídica do CIR, as comunidades indígenas querem entrar na ação para fortalecer o posicionamento das comunidades e rebater as argumentações que questionam a legalidade do reconhecimento formal da TI. "É clara a legitimidade da comunidade em entrar na ação porque, se a portaria for alterada, o prejuízo é diretamente nosso". Entre os argumentos apresentados no texto está a defesa dos direitos dos povos: "Não causamos prejuízo ao desenvolvimento econômico do estado nem risco à soberania ou à integridade do território nacional. Nós questionamos a própria ação popular que, na realidade, discrimina, é preconceituosa, absurda e inconstitucional ao tentar tirar dos indígenas a identidade brasileira de cidadãos roraimenses". A advogada disse que está preocupada com os rumos do processo e quer garantir espaço no julgamento para fazer a sustentação oral em nome das comunidades indígenas.
A advogada Ana Paula Caldeira Souto Maior, do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, explica que o apoio do instituto se deve à importância de ser mantida judicialmente a demarcação. "O ISA considera fundamental que as comunidades indígenas entrem na ação para defender esse processo demarcatório do qual participaram ativamentee também, para reorientar a discussão sobre o desenvolvimento do estado. Roraima precisa levar em consideração a contribuição da população indígena. Metade da população rural do estado é indígena e ocupa proporcionalmente medtade do território. O desenvolvimento tem de ser pesnado a partir desta realidade".
Após a suspensão da operação de desintrusão na TI, representantes das comunidades indígenas tentam, em Brasília, convencer as autoridades sobre a legalidade da demarcação.
Audiências Públicas
Na quarta-feira, no Congresso Nacional, duas audiências públicas trataram do tema. Nas comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional; e da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional, da Câmara, a conversa sobre a retirada de não-índios da reserva indígena Raposa-Serra do Sol contou com a participação do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do governador de Roraima, José de Anchieta Júnior.
Nessa audiência, presidida pelo deputado Marcondes Gadelha, Anchieta Júnior apresentou o mapa do estado, afirmando que, por conta da quantidade de Unidades de Conservação, Terras Indígenas e áreas alagadas, a governança seria sobre apenas 10% do território. Declarou que há riquezas minerais localizadas em TIs e que essas áreas, próximas de fronteiras, seriam estratégicas para o Brasil. O governador disse que estava defendendo os interesses de brasileiros e que a questão não se resumia ao conflito entre índios e não-índios, mas a uma demarcação equivocada da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, retirando de Roraima o controle sobre quase dois milhões de hectares.
A advogada do ISA, Carolina Pinheiro, participou da audiência. Ela relata que, sobre a operação Upatakón 3, o governador disse que esteve com os policiais federais antes de seu início e "que não sentiu segurança na postura dos policiais federais". Quando os policiais afirmaram que suas operações vinham sendo muito tranqüilas, o governador teria respondido que eles estavam acostumados a lidar com traficantes, bandidos que "estendem as mãos para serem algemadas". No caso da Raposa-Serra do Sol ele avisou ao delegado que encontrariam "pessoas que preferem morrer a sair de lá". Diante disso, o governador concluiu ter "salvado vidas" ao mover a ação judicial que resultou na suspensão da operação. "Índios iriam morrer, mas muitos policiais federais também morreriam", disse.
Anchieta afirmou ainda que não estava defendendo ali meia dúzia de empresários, mas muitos outros não-índios preocupados com sua condição nas TIs, como no caso de não-índios casados com índios. "Estou defendendo também 80% das comunidades indígenas que, com certeza, não concordam com a demarcação”.
Tarso Genro começou sua exposição com a leitura do artigo 231 da CF/88, que assegura os direitos territoriais indígenas. Frisou o parágrafo 3º, que versa sobre a possibilidade de aproveitamento dos recursos hídricos: ”os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, e ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
O ministro afirmou que a demarcação de Terras Indígenas segue o que está na Constituição e que demarcações contíguas a terras de outros países não impedem a instalação da Polícia Federal nas fronteiras do Brasil, já que as TIs são de propriedade da União e o presidente da República é o chefe das Forças Armadas brasileiras. “Se não querem aceitar a demarcação da Raposa-Serra do Sol, que seguiu toda a legislação infra e constitucional, há que se mudar a Constituição. Um território se constitui por sua forma de ocupação, e os territórios indígenas se formam pela tradicionalidade de sua ocupação. Não se pode pensar que lavouras são mais eficientes que as terras indígenas, pois os direitos territoriais indígenas estão assegurados constitucionalmente".
Acrescentou que haveria um conflito de legitimidade entre pessoas que produzem na área e os índios, cujas terras são legitimadas pela Constituição. Dessa forma, “se alguém têm títulos de propriedade na área da RSS são os indígenas, que têm direitos assegurados pela Constituição e não os fazendeiros com títulos precários”. “Acredito que a maioria dos ocupantes de terras da União seja de boa fé, contudo, quem tem direito às terras são os povos originários".
O ministro afirmou que a operação Upatakón 3 foi ato inserido em um processo de diálogo com os ocupantes de terras da União por mais de três anos. “Os ocupantes se dividem em dois grupos: um que resiste de forma pacífica, legítima. Outro de forma violenta, terrorista e ilegal. Excessos verbais compõem a natureza de qualquer democracia. Outra coisa é atacar indígenas, ocupantes legais da terra”.
Para demonstrar que não há conflito entre a proteção da soberania nacional e a demarcação de terras indígenas, o ministro anunciou, mais uma vez, o plano de ocupação das fronteiras pelas Forças Armadas, já apresentado ao presidente da República. Outra medida normativa que o governo já havia realizado antes da operação refere-se ao projeto de lei do Estatuto dos Estrangeiros, que “indica o caminho para a criação de um estatuto específico para a presença de ONGs na Amazônia brasileira”.
Genro concluiu dizendo que a União cumprirá a decisão do STF, ressaltando que o caso da Raposa Serra do Sol não diz mesmo respeito apenas à demarcação de uma terra. “A depender da decisão do STF, terá que ser promovida a extinção de todas as demarcações de terras indígenas no Brasil, com todos os conflitos que daí advierem”.
Mais cedo, no Senado, foi realizada audiência que discutiu aspectos jurídicos, antropológicos, econômicos e políticos da TI. Segundo Joênia, ficou clara a importância de garantir a demarcação em área contínua: ”O STF tem de fazer valer os direitos constitucionais. Se não fizer, será violação aos direitos humanos. A Raposa não é um território vazio, como tentam “vender”. Há projetos de desenvolvimento sustentável, criação de gado, escolas. Precisamos avançar nesse processo”.
(ISA, 16/05/2008)