Unidades de conservação podem "engolir" seis cidades no domo de Araguainha, situado entre Mato Grosso e GoiásSítio geológico, de 40 km de diâmetro, foi formado por impacto de um meteorito há 250 milhões de anos; proteção divide moradores
O Ibama de Mato Grosso concluiu e encaminhou a Brasília um relatório que prevê a criação de um "mosaico" de unidades de conservação para proteger a área do domo de Araguainha, a maior cratera de meteorito da América do Sul e a 17ª do mundo. O sítio geológico que abriga o domo -uma referência ao formato abobadado do núcleo da cratera- está localizado na divisa de Mato Grosso e Goiás e abrange o território de seis municípios.
Dois deles, Araguainha e Ponte Branca (475 km de Cuiabá), foram erguidos dentro da cratera, que tem 40 quilômetros de diâmetro e cuja curvatura só é perceptível se vista de um avião. Geólogos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da USP (Universidade de São Paulo) estimam que o local seja o resultado do choque de um corpo celeste ocorrido há aproximadamente 250 milhões de anos.
O meteorito, segundo eles, tinha até 4 quilômetros de diâmetro, e seu impacto teve potência equivalente à de 28 milhões de bombas nucleares semelhantes à de Hiroshima.
No local, há rochas deformadas que só surgem em eventos dessa magnitude e fragmentos fossilizados de organismos marinhos -no momento do choque, a região era um mar raso.
Além de cidades, a área da cratera -que se estende por 281 mil hectares- abriga pelo menos 20 cavernas de arenito e já teve 12 sítios arqueológicos identificados. Concentra ainda nascentes de vários formadores do rio Araguaia e espécies da flora e da fauna do cerrado ameaçadas de extinção -como o tamanduá-bandeira, a onça-parda, o lobo-guará e a arara-azul-grande.
Esse patrimônio natural está ameaçado pela exploração inadequada da região. Cercas, pastos e centenas de quilômetros de estradas vicinais também fazem parte do cenário do domo de Araguainha. Além da pecuária e da agricultura intensiva, que já chegaram aos municípios do entorno, o lugar é alvo da ação de carvoarias, que destroem vastas porções das matas nativas da região.
"A remoção da vegetação causa impactos visíveis, como o aumento da suscetibilidade do solo à erosão e o aumento da fragmentação de habitat terrestre", diz um trecho do relatório do Ibama.
"O processo erosivo, facilmente perceptível, pode comprometer a viabilidade ao médio e longo prazos de diversas nascentes e córregos, além de potencialmente alterar significativamente variáveis hidrológicas do rio Araguaia."
Concluído em março deste ano, o documento é o resultado de um extenso levantamento de campo coordenado há quatro anos pelo técnico ambiental José Guilherme Aires Lima, ligado ao ICMBio (Instituto Chico Mendes) e ao Cecav (Centro Nacional de Estudo e Proteção e Manejo de Cavernas). Segundo ele, ainda falta mapear cerca de 50% da área.
"Ainda há muito por descobrir. Mas certamente, por tudo o que pudemos identificar e catalogar até agora, podemos dizer que se trata de um local raro, único e que precisa ser conhecido e conservado", disse.
O estudo propõe a criação de um "mosaico" composto por cinco áreas prioritárias de proteção. Três delas, incluindo a região dos morros formados no núcleo da cratera, seriam constituídas como unidades de conservação -o grau de proteção e as restrições a serem impostas serão estabelecidos em uma segunda etapa do trabalho.
Nos municípios, a idéia causa polêmica. Em Ponte Branca e Araguainha, não falta quem diga que os futuros parques inviabilizarão a já combalida economia dos municípios. Aires Lima, no entanto, acredita que possa ocorrer o inverso.
"São poucos os lugares no mundo que podem dispor de uma riqueza como esta. Além de um campo de pesquisas para ciência e uma área muito relevante para a preservação do cerrado, estamos falando de um potencial imenso para o ecoturismo e o turismo científico. É uma oportunidade única, que não pode ser desprezada", disse Aires Lima.
(Folha online, 18/05/20080