Ainda faltam 44 anos para que Lutz retorne e dê uma olhada geral no
mundo. É muito tempo de espera. O Centro Nacional de Gelo e Neve dos
Estados Unidos prevê que o Pólo Norte pode se derreter já no próximo
verão. O trânsito de São Paulo, já infartado de tanto carro, pára em
cinco anos. A Amazônia será uma terra de gado, soja e cana-de-açúcar.
Mas o mundo continuará próspero. Daqui a 44 anos, com carros movidos a
álcool de feijão, continuaremos discutindo sustentabilidade. Dirão que
ambientalismo e desenvolvimento não são excludentes e que os
catastrofistas são maus profetas. José Lutzenberger vai se divertir.
Na quarta-feira, dia 14, completou-se o sexto ano sem Lutz. Pouco antes
de morrer, Lutz deixou escrito um desejo singelo: sair de onde estiver
e voltar à Terra a cada 50 anos, só para dar uma espiada. Curiosidade
de ambientalista. Lutz poderia querer voltar para beber um chope e
comer camarão. Mas só quer dar uma olhada. Se voltasse hoje, poderia
sentar-se com a ex-ministra Marina Silva e perguntar: mas como é que
você foi entrar nessa fria de virar governo? Lutz foi ministro do Meio
Ambiente de Collor. Caiu dois meses antes da Eco-92, no Rio. Diziam que
a queda de uma estrela de brilho internacional, às vésperas do primeiro
grande evento mundial do ambientalismo, seria trágica para a imagem do
Brasil. Ninguém deu bola.
Marina caiu um dia antes do sexto aniversário da morte de Lutz. A queda
foi noticiada pelos grandes jornais mundiais. Logo ninguém se lembrará
da motosserra que derrubou Marina. Ambientalistas no governo são
espécies destinadas ao sacrifício. Gente como Lutz e Marina não foi
feita para virar autoridade. Ambientalistas não são políticos
profissionais, técnicos, sindicalistas ou empresários que podem entrar
e sair de governos sem traumas irreversíveis. Não há floresta nos
governos para bichos como Marina e Lutz. Quem sabia que Al Gore foi um
ecologista frustrado na vice-presidência dos EUA? Deixou a Casa Branca,
perdeu a eleição para a presidência e anda por aí como missionário da
salvação do mundo. Só conseguiu ser ambientalista de fato fora do
governo. Virou Nobel da Paz.
Lutz e Marina caíram na armadilha de ser governo porque superestimaram
os próprios limites como contemporizadores. Não há agressão ambiental
com a dimensão da violência contra a Amazônia que possa ser gerida por
contemporizações. Não há como relativizar crimes medidos em milhões de
hectares e com efeitos tão devastadores. A pretensa subjetividade da
destruição da mata, afrontosa como os negócios miúdos e graúdos em jogo
na Amazônia, não cabe na cabeça de gente como Lutz e Marina.
Políticas ambientalistas devem ser entregues a técnicos preparados e
bem-intencionados, não a sonhadores. Os sonhadores, no melhor sentido
dos que vislumbram a viabilização do impossível, devem provocar,
cutucar, pôr os governos a trabalhar. Sonhadores devem suportar
porretadas, como esses militantes que avisam aos filhos em casa que
estão saindo para uma missão nobre e se pelam em desfiles e nas ruas de
alguma cidade européia em protesto contra o uso de peles de animais.
Foram os militantes da Agapan de Lutz que obrigaram um governo a fechar
a Borregaard. Governos não têm peito para tomar a iniciativa de fechar
fábricas ou afugentar destruidores da Amazônia. Só agem sob pressão
desses malucos que incomodam autoridades e organismos internacionais. É
o que Al Gore, o Greenpeace e tantas outras ONGs fazem e o que Chico
Mendes fazia até ser assassinado. Marina voltou para a sua turma. Está
de novo ao lado dos que produzem ruídos e ações e expõem reis nus.
Reconciliou-se com os que ajudam a civilizar o mundo no berro. Os
mediadores que gerenciem a parte que lhes toca desse latifúndio de
terra arrasada. E quem estiver aqui, que espere Lutz. Eu acredito mil
vezes mais na possibilidade da volta de Lutz do que na utilidade de
militantes ambientalistas como governistas.
(Por Moisés Mendes,
Zero Hora, 18/05/2008)