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marina silva ongs ambientalistas Conflito SocioAmbiental
2008-05-19
Ainda faltam 44 anos para que Lutz retorne e dê uma olhada geral no mundo. É muito tempo de espera. O Centro Nacional de Gelo e Neve dos Estados Unidos prevê que o Pólo Norte pode se derreter já no próximo verão. O trânsito de São Paulo, já infartado de tanto carro, pára em cinco anos. A Amazônia será uma terra de gado, soja e cana-de-açúcar. Mas o mundo continuará próspero. Daqui a 44 anos, com carros movidos a álcool de feijão, continuaremos discutindo sustentabilidade. Dirão que ambientalismo e desenvolvimento não são excludentes e que os catastrofistas são maus profetas. José Lutzenberger vai se divertir.

Na quarta-feira, dia 14, completou-se o sexto ano sem Lutz. Pouco antes de morrer, Lutz deixou escrito um desejo singelo: sair de onde estiver e voltar à Terra a cada 50 anos, só para dar uma espiada. Curiosidade de ambientalista. Lutz poderia querer voltar para beber um chope e comer camarão. Mas só quer dar uma olhada. Se voltasse hoje, poderia sentar-se com a ex-ministra Marina Silva e perguntar: mas como é que você foi entrar nessa fria de virar governo? Lutz foi ministro do Meio Ambiente de Collor. Caiu dois meses antes da Eco-92, no Rio. Diziam que a queda de uma estrela de brilho internacional, às vésperas do primeiro grande evento mundial do ambientalismo, seria trágica para a imagem do Brasil. Ninguém deu bola.

Marina caiu um dia antes do sexto aniversário da morte de Lutz. A queda foi noticiada pelos grandes jornais mundiais. Logo ninguém se lembrará da motosserra que derrubou Marina. Ambientalistas no governo são espécies destinadas ao sacrifício. Gente como Lutz e Marina não foi feita para virar autoridade. Ambientalistas não são políticos profissionais, técnicos, sindicalistas ou empresários que podem entrar e sair de governos sem traumas irreversíveis. Não há floresta nos governos para bichos como Marina e Lutz. Quem sabia que Al Gore foi um ecologista frustrado na vice-presidência dos EUA? Deixou a Casa Branca, perdeu a eleição para a presidência e anda por aí como missionário da salvação do mundo. Só conseguiu ser ambientalista de fato fora do governo. Virou Nobel da Paz.

Lutz e Marina caíram na armadilha de ser governo porque superestimaram os próprios limites como contemporizadores. Não há agressão ambiental com a dimensão da violência contra a Amazônia que possa ser gerida por contemporizações. Não há como relativizar crimes medidos em milhões de hectares e com efeitos tão devastadores. A pretensa subjetividade da destruição da mata, afrontosa como os negócios miúdos e graúdos em jogo na Amazônia, não cabe na cabeça de gente como Lutz e Marina.

Políticas ambientalistas devem ser entregues a técnicos preparados e bem-intencionados, não a sonhadores. Os sonhadores, no melhor sentido dos que vislumbram a viabilização do impossível, devem provocar, cutucar, pôr os governos a trabalhar. Sonhadores devem suportar porretadas, como esses militantes que avisam aos filhos em casa que estão saindo para uma missão nobre e se pelam em desfiles e nas ruas de alguma cidade européia em protesto contra o uso de peles de animais.

Foram os militantes da Agapan de Lutz que obrigaram um governo a fechar a Borregaard. Governos não têm peito para tomar a iniciativa de fechar fábricas ou afugentar destruidores da Amazônia. Só agem sob pressão desses malucos que incomodam autoridades e organismos internacionais. É o que Al Gore, o Greenpeace e tantas outras ONGs fazem e o que Chico Mendes fazia até ser assassinado. Marina voltou para a sua turma. Está de novo ao lado dos que produzem ruídos e ações e expõem reis nus. Reconciliou-se com os que ajudam a civilizar o mundo no berro. Os mediadores que gerenciem a parte que lhes toca desse latifúndio de terra arrasada. E quem estiver aqui, que espere Lutz. Eu acredito mil vezes mais na possibilidade da volta de Lutz do que na utilidade de militantes ambientalistas como governistas.

(Por Moisés Mendes, Zero Hora, 18/05/2008)

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