Atraídos pela terra fértil e pela riqueza do subsolo, agricultores deixaram o Rio Grande do Sul na década de 70 e se fixaram em área hoje demarcada para os índios por decreto presidencialApontado nos anos 70 pelas autoridades federais como o novo eldorado mineral e de terras férteis para os colonizadores gaúchos, Roraima está virando um pesadelo para os plantadores de arroz irrigado sulistas. Os gaúchos estão no centro de uma disputa com grupos indígenas, entre eles os macuxis, pelas férteis várzeas da Reserva Indígena Raposa do Sol, uma área de 1,7 milhão de hectares demarcada de maneira contínua, em 2005, pelo presidente Lula, na fronteira com a Guiana e a Venezuela.
Após a demarcação, os agricultores e outros moradores deveriam desocupar as terras em um ano, mas isso não aconteceu. Eles entraram com 33 ações na Justiça contestando a desapropriação. E, agora, aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) - ontem, o ministro Carlos Ayres Brito, relator das ações, informou que seu parecer deve ser apresentado no dia 15 ou 16 de junho.
Enquanto isso, a paz na região está sendo mantida por um efetivo de 500 agentes da Polícia Federal (PF) e de outras organizações policiais. O ambiente é de calma, descreveu ontem um delegado da PF para Zero Hora que pediu para não ser identificado.
O conflito, que teve início há mais de 30 anos, está ligado à história econômica de Roraima. Na época, a União traçou um plano agrícola para o Estado e, por isso, incentivou a ida de migrantes agricultores e de estudantes do Projeto Rondon para aquela região.
O plano, no entanto, falhou devido à ausência de mercados para consumir os produtos. Mas não houve fuga de migrantes, porque logo foram descobertas jazidas de ouro, ciclo que durou até 1993, quando garimpeiros massacraram índios ianomâmis e o caso virou capa de jornais em todo o mundo.
Ao fim do ciclo dos minerais, surgiu a idéia do cultivo do arroz irrigado. Um dos defensores da implantação desse tipo de agricultura é Luiz Afonso Faccio, 65 anos, um dos gaúchos levados para Roraima pelo Projeto Rondon quando era estudante de Filosofia em Porto Alegre.
- O clima, a luminosidade e a abundância de água garantem três safras por ano. No Rio Grande do Sul, só é possível uma. Imagine o potencial de produção - disse ontem a Zero Hora.
Em duas décadas, 22 agricultores - 80% gaúchos - plantaram 25 mil hectares de arroz irrigado, sendo 15 mil dentro da área disputada com os índios. A produtividade é considerada uma das melhores do mundo. O produto é vendido para Amapá, Amazonas, Venezuela e Guiana, segundo a empresária do setor arrozeiro Izabel Itikawa, da Associação dos Arrozeiros de Roraima. Outro grupo se dedica à criação de gado, à exploração de madeira e a outras lavouras.
Grupo é apontado como "destruidor da natureza"O governo do Estado defende os agricultores. Prega que a demarcação da área indígena não seja de maneira contínua, como foi feita.
- Temos audiência com as autoridades em Brasília para mostrar que não é possível dar uma área de 1,7 milhão de hectares para 20 mil índios - disse ontem, em Brasília, Gustavo Abreu, secretário adjunto de Comunicação Social do governo de Roraima.
Os índios não concordam com a posição do governo do Estado. Muito menos com a dos agricultores, especialmente os gaúchos, apontados por eles como "destruidores da natureza".
- Os brancos chegaram e tomaram conta de nossas terras. Muitos de nós acabaram morrendo. A área é nossa. O governo já reconheceu isso. Não tem mais o que discutir - afirmou Jaci José Souza, 60 anos, um dos líderes macuxis e da direção do Conselho Indigenista de Roraima.
"É um massacre"Entrevista: Roque Paloschi, bispo de Roraima
Gaúcho de Lajeado, Roque Paloschi, há três anos bispo de Roraima, está no centro de um conflito entre índios e agricultores sulistas que disputam a posse da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol. Ele é apontado por arrozeiros como incentivador da disputa. Ontem, ouvido por Zero Hora, dom Roque, 51 anos, negou estar apostando no confronto, mas afirmou que a atual situação está massacrando os povos indígenas. A seguir trechos da entrevista:
Zero Hora - Como está o conflito entre agricultores e índios pela posse da Reserva Raposa do Sol?
Bispo Roque Paloschi - Não é um conflito. É um massacre. Há três décadas os indígenas vêm sendo exterminados em seu território. Até agora, 30 deles foram assassinados. Missionários têm sido ameaçados, inclusive há um marcado para morrer.
ZH - O senhor está ameaçado de morte?
Bispo Roque - Não. Mas a igreja foi pichada - foram escritas as palavras "Abaixo a Igreja".
ZH - Os arrozeiros dizem que a Igreja Católica está articulando os índios contra eles. O senhor concorda?
Bispo Roque - Claro que não. É má-fé deles. Eu pesquisei e encontrei uma carta de um dos bispos de Roraima, datada de 11 de janeiro de 1911, em que as autoridades são alertadas para a necessidade de criarem uma reserva para preservar a integridade dos índios. Se isso não acontecesse, haveria um conflito, como está acontecendo.
ZH - O senhor acha possível os brancos e os índios viverem em paz na Raposa Serra do Sol?
Bispo Roque - Como hoje, não. Os índios não podem mais continuar sendo massacrados.
"A minha prisão foi política"Entrevista: Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima
Após cumprir nove dos 30 dias de prisão preventiva por suspeita de ter mandado atirar em índios, ontem o prefeito e candidato à reeleição de Pacaraima (RR), o agrônomo Paulo César Quartiero, 55 anos, passeou pela Câmara, em Brasília, para agradecer o apoio de parlamentares. Nascido em Torres, Quartiero migrou para Roraima em 1976. Em sua opinião, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e outros membros do governo estão fazendo terrorismo contra os produtores de Roraima. Por telefone, ele falou a ZH. Acompanhe:
Zero Hora - O senhor foi preso suspeito de ter mandado atirar em índios.
Paulo César Quartiero - Não mandei atirar em índio. A minha prisão foi política, por ter me posicionado de maneira clara e contundente dizendo que o governo se aliou às ONGs que defendem os interesses estrangeiros no nosso território.
ZH - O senhor considera que foi preso como um bode expiatório?
Quartiero - Bode expiatório é o cara inocente, que não participou dos acontecimentos. Eu participei, implantando lavouras de arroz, produzindo e gerando empregos.
ZH - Nesse seu raciocínio, como se encaixa a Igreja Católica?
Quartiero - A Igreja faz parte dessa conspiração para retirar os moradores não índios da região.
ZH - Quais são os próximos passos dos arrozeiros na região?
Quartiero - Vamos esperar o resultado da Justiça. Depois, consolidaremos o desenvolvimento na área.
ZH - O senhor acredita que índios e brancos possam viver juntos em paz?
Quartiero - Já viviam antes de aparecerem os padres e o governo.
(
Zero Hora, 16/05/2008)